27 outubro 2018

Liga dos Combatentes - Lei do Reconhecimento e da Solidariedade


Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar




Capa da revista "Combatente" n.º 385


É este o título do Editorial da revista trimestral Combatente n.º 385, Setembro de 2018, assinado pelo seu Director e Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, General Joaquim Chito Rodrigues.

(clicar para ver)

Pessoalmente, sou sócio da Liga dos Combatentes há cerca de três décadas, com o n.º 83.162, não pelas vantagens que tal me pode proporcionar essa qualidade, mas pelos valores e objectivos se solidariedade social que aquela Instituição tem prosseguido na defesa dos interesses dos Antigos Combatentes.

Entendo ser do interesse geral dos Antigos Combatentes o conhecimento do referido Editorial, motivo pelo qual, com a devida vénia, o reproduzo na íntegra tal como publicado na página 5 daquele número da revista «Combatente» acima referido.


Fontes:
Texto do autor do blogue; reprodução integral da página 5 da Revista "Combatente" n.º 385 de Setembro de 2018 da Liga dos Combatentes, em http://www.ligacombatentes.org.pt/revista_combatente/edi_oes_da_revista




Manuel Lema Santos
1TEN RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto

17 outubro 2018

Guiné, 1967 – Rio Cacine (II)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 4 de Novembro de 2011)


Guiné, 1961/1971 - A LFP «Deneb»





1967 - A LFP «Deneb» fundeada frente a Cacine


Apenas como mero e aleatório exemplo ou simples exercício de síntese histórica, tendo como intuito dar a compreender alterações de estratégia quase imperceptíveis na política prosseguida pelo Comando de Defesa Marítima da Guiné ao longo do tempo, decidi pegar na LFP «Deneb», a última das três primeiras LFP - Lanchas de Fiscalização Pequenas da classe «Bellatrix» a rumar à Guiné onde, a bordo de um navio mercante, chegou em Junho de 1961.

Tal como as outras duas anteriores, as LFP «Bellatrix» e LFP «Canopus», foram inicialmente comandadas por um Sargento da classe de Manobra (M). Levaram a cabo o adestramento da guarnição e exercícios de tiro, operando em áreas próximas de Bissau, no rio Geba, efectuando também apoios à navegação de que se podem destacar, por exemplo, a colaboração com o NH «Pedro Nunes» e a escolta ao NM «Conceição Maria».

No princípio de Outubro navegou com oficiais da Reserva Naval, embarcando afinal aqueles que viriam a ser nomeados, alguns dias mais tarde, a partir do dia 18, como Comandantes daquelas unidades navais.

Assim sucedeu com os Asp RN Fernando Manuel da Silva Ferreira, Asp RN Joaquim Madeira Terenas e Asp RN Armando Fernandes Peres para as LFP «Bellatrix», LFP «Canopus» e LFP «Deneb», respectivamente, todos pertencentes ao 3.º CEORN – Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval.




A partir dessa altura, o alcance das missões operacionais atribuídas às LFP foi alargado, para norte, às bacias hidrográficas dos rios Mansoa e Cacheu. Ainda alternativamente, para sul, passou a estender-se às bacias hidrográficas dos rios, Tombali, Cobade, Cumbijã e Cacine, incluindo afluentes e canais.

Durante todo o ano de 1962 houve especial incidência de acções nas quase 90 milhas do rio Cacheu, com múltiplas operações de fiscalização, patrulha e apoio à navegação comercial com escoltas a combóios, ainda que deslocações pontuais a outras bacias hidrográficas se acrescentassem a esta intensa actividade operacional.

Como apontamento especial, em 12 de Abril, embarcaram em Farim com o navio fundeado, o Governador-Geral da Província CFR Peixoto Correia e o Subchefe do Estado-Maior da Armada CALM Armando Roboredo que, horas mais tarde regressaram a terra depois de navegarem até Binta.

No decorrer do ano de 1963, manteve-se aquele figurino operacional com destaque para um aumento da participação em operações levadas a cabo pelo CDMG e um lento deslocamento da incidência de actuação de norte para sul do território.

A estas modificações não terá sido alheia a chegada àquele território das Lanchas de Fiscalização Grandes, LFG «Argos», LFG «Dragão» e, mais tarde, a LFG «Escorpião» a partir do segundo semestre do ano. Maior capacidade de manobra e versatilidade de utilização, rapidez, poder de fogo e a possibilidade de transportar a bordo fuzileiros na realização ou no apoio a operações justificavam a sua utilização preferencial no rio Cacheu.

Em 8 de Agosto, enquanto fundeada em S. Vicente, num acidente originado por se ter voltado um bote plástico, quando procuravam atracar à LFP «Deneb» depois de terem efectuado uma patrulha, pereceram afogados os 2GR FZ 17371 António Domingos Abreu e 2GR FZ 16878 José Mariano dos Reis, ambos pertencentes à CF 3, embarcados ao serviço daquela unidade naval.

Resultaram infrutíferas todas as tentativas para resgatar os corpos. Durante todo o resto do ano e até meados de 1966 não regressaria ao rio Cacheu quedando-se quer pelo rio Mansoa quer nos outros rios, a sul do território.



1967 - Do lado de dentro do arame farpado do aquartelamento, a LFP «Deneb» fundeada frente ao cais de Cacine

O início do ano de 1964, de 13 de Janeiro a 22 de Março, foi marcado pela participação na operação «Tridente», conjuntamente com a LFP «Canopus», prosseguindo durante parte do ano a acção de fiscalização e patrulha no sul com participação em diversas operações levadas a cabo.

Em Agosto e Setembro, com o apoio de esquadras de fuzileiros, aumentou a frequência de acções de fiscalização e patrulha com alguns desembarques na área dos rios Cumbijã e Cacine, afluentes e canais com algumas respostas a flagelações sofridas em resposta a ataques inimigos e o afundamento de várias canoas.




Cacine, 1967 - Na LFP «Deneb», à esquerda, o 1TEN José Luis Leiria Pinto, Comandante do DFE 6 e, à direita, o CTEN José Afonso de Sousa Guimarães, Comandante do INAB (Instalações Navais de Bissau)

No rio Cacine, na margem direita, passaram a ficar referenciados como pontos de prováveis acções futuras de flagelação inimiga a Ponta Canabém (Canábria), na confluência na foz do rio Chaquebante e, um pouco mais a juzante, a confluência dos rios Pachicã e Sôco. Ainda mais para no sentido da foz, na mesma margem, o Canal de Melo (rio Massancano) permitia que, com as condições de maré adequadas, as LFP e as LDM atravessassem do rio Cacine para o rio Cumbijã, e inversamente, evitando a barra e encurtando muito quer o percurso a efectuar quer os tempos dispendidos na travessia.

No mês de Novembro, no decorrer da operação “Dueto”, embarcaram na LFP «Deneb» o Comandante da Defesa Marítima da Guiné - CMG Av Ferrer Caeiro, o Chefe do Estado-Maior - CFR Mário Dias Martins e o Subchefe do Estado-Maior - CTEN Adriano de Carvalho.

Na margem esquerda o aquartelamento de Cacine e o reforço das FTs mantido em Cameconde, a cerca de oito quilómetros, marcavam o limiar da zona controlada pelas nossa Forças. Para juzante, o Quitafine, era quase na totalidade controlado pelo PAIGC com pontos referenciados na ponta Campeane, Pampaire, foz do rio Poxiuco e toda a península para sudoeste.

Próximo do final do ano, em meados de Dezembro, numa acção de fogo ao prestar apoio aos fuzileiros na margem esquerda do rio Cacine, no Quitafine, terá sido referenciado, ainda numa fase inicial, na zona de Cassumba, a existência de forte actividade inimiga, local onde viria a ser edificada uma fortificação, tipo “bunker”, alojando peças anti-carro de 57 mm, baptizados mais tarde como “Os Canhões de Navarone”, com que o IN a passaria a alvejar as unidades navais que demandavam a barra.



Em cima o "Gouveia 17" e, em baixo, o "Bigene"


Dentro dos mesmos padrões de actuação operacional se manteve a actividade da LFP «Deneb» no decorrer de 1965 e princípio de 1966, regressando a uma pontual presença no rio Cacheu em fins de Maio, quando escoltou as embarcações comerciais “Gouveia 17”, “Bigene” e “Calequisse” na última semana daquele mês.



O "Calequisse"

Não voltou a desempenhar qualquer missão naquele rio até 1968, prosseguindo sempre a actividade operacional no sul, alternando apoio a operações com missões de fiscalização e patrulha, escolta a combóios sendo alvo de diversos ataques e flagelações, a que respondeu sempre com êxito e sem baixas.

Especial destaque para a participação na foz do Cacine, contra as posições inimigas em Cassumba, no apoio às LFG «Sagitário» e LFG «Cassiopeia» levada a cabo sob o Comando da FAP nas operações Sayonara I e Sayonara II em 1 e 7 de Dezembro de 1966, respectivamente.

Em Maio de 1968, o Comandante-Chefe, Brigadeiro António de Spínola alterou profundamente a estratégia a prosseguir pelo dispositivo naval disponível no território, atribuindo prioridade a múltiplos tipos de acções no rio Cacheu que visassem dificultar, impedir e cortar “cambanças” de pessoal e material inimigo nos corredores tradicionais do Sitató, Jumbembem, Sambuiá e Canja.

Para isso, através de directivas emanadas do Gabinete do Comandante Chefe e através do CDMG, foi activada a operação “Via Láctea” e mais tarde a operação "Andrómeda" a que foram atribuídos meios navais e fuzileiros que passaram a incluir LFG, LFP, LDM e DFE.

A LFP «Deneb» regressou às missões no rio Cacheu tal como as LFP «Bellatrix» e LFP «Canopus». Mais tarde, novas construções como as LFP “Arcturus”, LFP «Aldebaran, LFP «Procion», LFP «Alvor» e LFP «Aljezur» se juntaram ao dispositivo naval existente naquele teatro.

No decorrer de todo aquele ano e quase por inteiro no ano de 1969, a LFP «Deneb» foi intensamente solicitada em acções diversas, flagelações e respostas a ataques no rio Cacheu, em operações no âmbito das missões atribuídas.

Até ao final do ano, em Agosto, ainda patrulhou por um curto periodo o rio Grande de Buba, “encostando” em Bissau no virar do ano. Reparações diversas, demoras excessivas no fornecimento de algumas peças ou sobressalentes e ausência de outros, com experiência de máquinas, atiraram um estado de prontidão, “apenas aceitável”, para o mês de Setembro de 1970.

Já em 1971, depois de algumas missões sem exigências excessivas atribuídas no curso inferior dos rios Cacheu, rio Grande de Buba, Geba confluência com o Corubal ou patrulhas nocturnas no Porto de Bissau, aquela LFP subiu o plano inclinado do SAO a 1 de Julho, onde foi minuciosamente vistoriada.

A Comissão encarregue do trabalho, concluiu que não se justificava a recuperação da LFP «Deneb» devido à extensão das corrosões, deformações e respectiva estrutura geral, inviabilizando economicamente uma reparação com esse objectivo. Assim foi proposto o desarmamento e abate que se veio a efectivar em 3 de Fevereiro.

Das três primeiras LFP que estiveram na Guiné, as LFP «Bellatrix», LFP «Canopus» e LFP «Deneb», esta lancha foi a última a ser aumentada ao efectivo e também a primeira a ser abatida.




Por isso mesmo, talvez a tenha escolhido para este exemplo, agora com o infeliz acrescento de que, neste percurso temporal daquela unidade naval, dois “marinheiros” perderam dramaticamente a vida em missão de serviço.

Aqui lhes prestamos sentida homenagem.




Fontes:
Texto do autor do blogue; Carta da província da Guiné, Ministério do Ultramar, 1961; Fotos da LFP «Deneb» cedidas por Emídio Aragão Teixeira, 8.º CEORN; Arquivo de Marinha; Setenta e Cinco Anos No Mar, LFP - 17.º VOL, Comissão Cultural de Marinha, 2006.


mls

15 outubro 2018

Guiné, 1969 – Rio Cacine (I)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 17 de Outubro de 2011)


Condições de navegabilidade do rio Cacine


(clique na imagem para ampliar)



Aspecto geral do rio Cacine e a região sul da Guiné; a noroeste, os rios Cumbijã, Tombali e ainda o Cobade que liga os dois primeiros


O rio Cacine encontrava-se todo hidrografado e era demandado por todas as unidades navais e embarcações civis da Guiné. As LDG - Lanchas de Desembarque Grande, normalmente não passavam para montante da foz do rio Meldabom, um dos principais afluentes da margem direita do Cacine.

Ali foi instalada a marca “Lira” que, assinalando um assoreamento rochoso, representava o limite de navegação possível a montante.

Gadamael

Fica situado no rio Queruano ou rio Axe, afluente da margem esquerda do Cacine, e o seu acesso só era possível a cerca de duas horas antes do estofo da preia-mar, devendo as unidades navais sair naquele momento, para evitar ficar em seco, situação não aconselhável pela situação militar vivida na zona.

Só era praticável por LDM - Lanchas de Desembarque Médias e por embarcações civis de pequena tonelagem, normalmente estacionadas em Cacine que efectuassem transportes de viaturas, artilharia e pessoal militar ou reabastecimento das Forças de Terra a partir do cais daquela povoação.

Perto da entrada do rio Queruano, num emaranhado de confluências dos rios Cafungaqui, Diderigabi e Cacondo, um pouco a juzante, existia uma rocha no fundo que exigia precauções especiais à navegação que demandava Gadamael.

Aquele porto era de dimensões muito restritas e a sua entrada também se encontrava ameaçada por pronunciado assoreamento. Era dotado de um bom cais, onde atracavam as LDM e as embarcações civis, existindo ainda a montante daquele local, um declive natural na própria margem onde as lanchas abicavam.

Era no entanto um aterro pouco consistente ficando o lôdo a descoberto com a vazante. Todo o interior do porto junto ao cais se encontrava assoreado e, no baixa-mar, ficava em seco uma grande extensão do rio.

(clique na imagem para ampliar)



Barras dos rios Cumbijã e Cacine

Cacine

Situado na margem esquerda do rio com o mesmo nome, entre as Pontas Bachao e Camassanhe, era demandado por embarcações civis com escolta e por unidades navais de todos os tipos que se encontravam naquele teatro, constituindo um terminal de cargas para as FTs estacionadas em Gadamael e de escoamento de alguns produtos para Bissau, sobretudo coconote.

Possuía uma ponte-cais que permitia a atracação de LDM ou embarcações civis, para carga e descargas, mas que fica totalmente a seco no baixa-mar.

As LDM abicavam mais a juzante da ponte-cais, a cerca de 300 jardas, num local onde a margem fazia uma pequena saliência arredondada, havendo uma estrada que, ao longo da margem, dava acesso à povoação. Para melhorar as condições de abicagem, teria sido necessário proceder à colocação de quatro cabeços em terra, convenientemente dispostos, para a amarração destas unidades navais quando abicadas.

Por outro lado, logo a juzante do local de abicagem existia uma zona de fundos mais baixos que poderia ter sido mais dragada, evitando quaisquer encalhes com pequeno abatimentos, sempre fácil de se verificarem. O tempo de permanência na abicagem, era de cerca de duas horas e meia para as LDG, devendo sair com o preia-mar, nunca ficando junto a Cacine por não ser indicado militarmente.

Eram frequentes as flagelações da margem contrária, a partir da zona conhecida como Ponta Canabém, junto à foz do rio Chaquebante, com morteiro e metralhadora pesada.

Outras unidades navais como as – LFG - Lanchas de Ficalização Grandes ou as – LFP - Lanchas de Fiscalização pequenas , utilizavam com frequência a foz do rio Imberem como fundeadouro, por considerarem o local mais seguro contra eventuais flagelações, o que faria supor a possibilidade de tentar arranjar um local de abicagem com mais segurança e maiores fundos, situação que se adivinhava simples de implementar na Ponta Camassanhe, pelo desenho da própria carta.

Essa alternativa implicava considerar um acesso àquela ponta, a partir da povoação, e que nunca chegou a existir.


Fontes:
Carta 220 da Missão Geo-Hidrográfica da Guiné, Barra dos rios Cumbijã e Cacine, 1959-1964, por cortesia do Instituto Hidrográfico; Carta da província da Guiné, Ministério do Ultramar, 1961; Arquivo de Marinha.


mls