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16 agosto 2021

Guiné, 1969 - Navegabilidade dos portos do rio Cacheu


Rio Cacheu, Guiné - Navegabilidade dos portos em 1969





Fontes:
Texto do autor compilado e adaptado a partir de Arquivo de Marinha, Coloredo, CDMG185, Portos Guiné, 1969; Carta da Província da Guiné, Ministério do Ultramar, Centro de Geografia do Ultramar, 1961;

mls

13 agosto 2021

Guiné, 1968 - LFG «Sagitário»


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 24 de Janeiro de 2012)


LFG «Sagitário», 1968 - Memórias fotográficas de uma guarnição



A LFG "Sagitário" no rio Cacheu, máquinas a vante toda a força.



Guiné, 1968 - Algures, a bordo da LFG «Sagitário»,
com elementos do Conjunto Académico João Paulo, em missão de entretenimento militar




Ganturé, rio Cacheu - Elementos da guarnição da LFG «Sagitário» jogam futebol




Guiné - No início de 1968, na ponte-cais de Bissau, a equipa de futebol da LFG «Sagitário»;
integrando a equipa, o último em pé do lado direito,
STEN RN José Horácio Miranda, 9.º CFORN, oficial Imediato da LFG





Guarnição e equipa de comunicações da LFG "Sagitário" com o oficial Imediato

Nota:
Não são referenciados outros nomes por não terem sido fornecidos



Fontes: Fotos gentilmente cedidas pelo então Marinheiro C (telegrafista) 243/64, da LFG «Sagitário»;

mls

12 fevereiro 2021

Ainda o Tancroal no rio Cacheu - Operações "Antares" e "Alpheratz" a 27 de Janeiro de 1968


Duas semanas depois os Fuzileiros regressaram ao local.



Duas semanas depois da emboscada do PAIGC à LFG «Lira» no Tancroal, em 13 de Janeiro de 1968, a Marinha voltou ao local com 2 Destacamentos de Fuzileiros Especiais em 27 de Janeiro desse mesmo mês. Com os Destacamentos de Fuzileiros Especiais - DFE12 embarcado na LFG «Lira» e o DFE10 embarcado na LFG «Hidra» organizando as Operações "Antares" e "Alpheratz" tipo batidas e varrendo toda a área.



Fontes:
Textos compilados a partir de documentação do arquivo de Marinha (COLOREDO e CDMGuiné) com imagens de arquivo do autor do blogue;


mls

30 janeiro 2021

LFG «Lira» P 361 na emboscada do Tancroal - Correcções e considerações finais III


Recordando III (final)






Tal como noutras missões e acções, subsistem sempre dúvidas pertinentes sobre decisões tomadas. Também sobre a forma de apreciar, premiar ou não o fazer. Ainda como julgar uma Instituição indevidamente.



Fontes:
Textos compilados a partir de documentação do arquivo de Marinha (COLOREDO e CDMGuiné); imagens cedidas pelos comandante e imediato da LFG «Lira», respectivamente o 1TEN Carlos Dias Souto (CMG Ref.) e 2TEN RN Jorge Calado Marques, 8.º CEORN (falecido) e 2TEN RN Abel Ivo de Melo Sousa, 20.º CFORN–DFE 1 (CFR Ref)


mls

15 janeiro 2021

Guiné, rio Cacheu - LFG «Lira» P 361, emboscada no Tancroal há 53 anos atrás em 13 de Janeiro de 1968


Recordando II






Tal como noutras missões e acções, subsistem sempre dúvidas pertinentes sobre decisões tomadas. Também sobre a forma de apreciar, premiar ou não o fazer. Ainda como, indevidamente, julgar uma Instituição.



Fontes:
Textos compilados a partir de documentação do arquivo de Marinha (COLOREDO e CDMGuiné); imagens cedidas pelos comandante e imediato da LFG «Lira», respectivamente o 1TEN Carlos Dias Souto (CMG Ref.) e 2TEN RN Jorge Calado Marques, 8.º CEORN (falecido) e 2TEN RN Abel Ivo de Melo Sousa, 20.º CFORN–DFE 1 (CFR Ref)


mls

13 janeiro 2021

Guiné, rio Cacheu - LFG «Lira», P 361, emboscada no Tancroal há 53 anos atrás!


Tancroal-Temível local de emboscadas e ataques à Marinha

Recordando (I)...

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 11 de Janeiro de 2010/19 de Julho de 2017)






Fontes:
Textos compilados a partir de documentação do arquivo de Marinha (COLOREDO e CDMGuiné); imagens cedidas pelos comandante e imediato da LFG «Lira», respectivamente o 1TEN Carlos Dias Souto (CMG Ref.) e 2TEN RN Jorge Calado Marques, 8.º CEORN (falecido) e 2TEN RN Abel Ivo de Melo Sousa, 20.º CFORN–DFE 1 (CFR Ref)


Tal como noutras missões e acções, subsistem sempre dúvidas pertinentes sobre decisões tomadas. Também sobre a forma de apreciar, premiar ou não o fazer. Ainda como, indevidamente, julgar uma Instituição.

19 dezembro 2020

Guiné, 1971 - Mensagem de Natal da LFG «Sagitário» (I)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 8Nov2010/24Dez2017/24Dez2018/29Dez2019)

Rio Cacheu, Mensagem de Natal da LFG «Sagitário» P 1131 vs Pandemia





Acredito, e suponho não estar só, que o Natal se expressa muito mais no espírito com que se está a completar a caminhada de mais um ano do que na celebração de uma efeméride com data previamente marcada.

Crença que igualmente partilho na renovada esperança de que um Ano Novo venha retirar do nosso rumo alguns escolhos especialmente ameaçadores, permitindo-nos prosseguir a Viagem com Paz, Saúde e Amor.

Nas Crianças, que nele acreditam para todo o sempre.

Na Família e na Reconciliação, na Alegria do Reencontro, no Amor e na Amizade, no aconchego do Abraço e também no são Convívio, que certamente iremos poder reviver em breve.

Este ano celebrado de forma muito limitada por uma terrível pandemia que nos impõe normas de segurança com distanciamento familiar e social, quase isolamento.

A Humanidade dizimada por um inimigo sem rosto, sem local definido de possível ataque e também sem qualquer "armamento" disponível para defesa.

Na Partilha e Apoio possíveis aos os que lá não conseguem chegar sózinhos.

No Recolhimento e na Esperança de que chegue aos que o não têm mesmo de todo.

Na Lembrança e na Memória daqueles que, por ausência ou também pelo destino último, não podem estar presentes.

Natal foi e será sempre!

Mesmo na Guiné e também no rio Cacheu onde, a guarnição da LFG «Sagitário», em 1971, em missão de patrulha e fiscalização na zona de Ganturé-Bigene, numa expressão primorosa de esperança, boa disposição e humor, encontrou numa pernada de tarrafo, reverencialmente inclinada para o efeito, a melhor estação dos CTT para afixar a universal mensagem.

Para que muitos Outros pudessem ter Natal!


Fontes:
Texto do autor do blogue, com imagem de arquivo gentilmente cedida pelo então comandante da LFG «Sagitário», 1TEN Adelino Rodrigues da Costa;


mls

28 dezembro 2018

Guiné, 1968 - LFG «Sagitário»


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 24 de Janeiro de 2012)

LFG «Sagitário», 1968 - Memórias fotográficas de uma guarnição




A LFG "Sagitário" no rio Cacheu, máquinas a vante toda a força.




Guiné, 1968 - Algures, a bordo da LFG «Sagitário»,
com elementos do Conjunto Académico João Paulo, em missão de entretenimento militar





Ganturé, rio Cacheu - Elementos da guarnição da LFG «Sagitário» jogam futebol




Guiné - No início de 1968, na ponte-cais de Bissau, a equipa de futebol da LFG «Sagitário»;
integrando a equipa, o último em pé do lado direito,
STEN RN José Horácio Miranda, 9.º CFORN, oficial Imediato da LFG





Guarnição e equipa de comunicações da LFG "Sagitário" com o oficial Imediato

Nota:
Não são referenciados outros nomes por não terem sido fornecidos




Fontes: Fotos gentilmente cedidas pelo então Marinheiro C (telegrafista) 243/64, da LFG «Sagitário»;

mls

17 outubro 2018

Guiné, 1967 – Rio Cacine (II)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 4 de Novembro de 2011)


Guiné, 1961/1971 - A LFP «Deneb»





1967 - A LFP «Deneb» fundeada frente a Cacine


Apenas como mero e aleatório exemplo ou simples exercício de síntese histórica, tendo como intuito dar a compreender alterações de estratégia quase imperceptíveis na política prosseguida pelo Comando de Defesa Marítima da Guiné ao longo do tempo, decidi pegar na LFP «Deneb», a última das três primeiras LFP - Lanchas de Fiscalização Pequenas da classe «Bellatrix» a rumar à Guiné onde, a bordo de um navio mercante, chegou em Junho de 1961.

Tal como as outras duas anteriores, as LFP «Bellatrix» e LFP «Canopus», foram inicialmente comandadas por um Sargento da classe de Manobra (M). Levaram a cabo o adestramento da guarnição e exercícios de tiro, operando em áreas próximas de Bissau, no rio Geba, efectuando também apoios à navegação de que se podem destacar, por exemplo, a colaboração com o NH «Pedro Nunes» e a escolta ao NM «Conceição Maria».

No princípio de Outubro navegou com oficiais da Reserva Naval, embarcando afinal aqueles que viriam a ser nomeados, alguns dias mais tarde, a partir do dia 18, como Comandantes daquelas unidades navais.

Assim sucedeu com os Asp RN Fernando Manuel da Silva Ferreira, Asp RN Joaquim Madeira Terenas e Asp RN Armando Fernandes Peres para as LFP «Bellatrix», LFP «Canopus» e LFP «Deneb», respectivamente, todos pertencentes ao 3.º CEORN – Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval.




A partir dessa altura, o alcance das missões operacionais atribuídas às LFP foi alargado, para norte, às bacias hidrográficas dos rios Mansoa e Cacheu. Ainda alternativamente, para sul, passou a estender-se às bacias hidrográficas dos rios, Tombali, Cobade, Cumbijã e Cacine, incluindo afluentes e canais.

Durante todo o ano de 1962 houve especial incidência de acções nas quase 90 milhas do rio Cacheu, com múltiplas operações de fiscalização, patrulha e apoio à navegação comercial com escoltas a combóios, ainda que deslocações pontuais a outras bacias hidrográficas se acrescentassem a esta intensa actividade operacional.

Como apontamento especial, em 12 de Abril, embarcaram em Farim com o navio fundeado, o Governador-Geral da Província CFR Peixoto Correia e o Subchefe do Estado-Maior da Armada CALM Armando Roboredo que, horas mais tarde regressaram a terra depois de navegarem até Binta.

No decorrer do ano de 1963, manteve-se aquele figurino operacional com destaque para um aumento da participação em operações levadas a cabo pelo CDMG e um lento deslocamento da incidência de actuação de norte para sul do território.

A estas modificações não terá sido alheia a chegada àquele território das Lanchas de Fiscalização Grandes, LFG «Argos», LFG «Dragão» e, mais tarde, a LFG «Escorpião» a partir do segundo semestre do ano. Maior capacidade de manobra e versatilidade de utilização, rapidez, poder de fogo e a possibilidade de transportar a bordo fuzileiros na realização ou no apoio a operações justificavam a sua utilização preferencial no rio Cacheu.

Em 8 de Agosto, enquanto fundeada em S. Vicente, num acidente originado por se ter voltado um bote plástico, quando procuravam atracar à LFP «Deneb» depois de terem efectuado uma patrulha, pereceram afogados os 2GR FZ 17371 António Domingos Abreu e 2GR FZ 16878 José Mariano dos Reis, ambos pertencentes à CF 3, embarcados ao serviço daquela unidade naval.

Resultaram infrutíferas todas as tentativas para resgatar os corpos. Durante todo o resto do ano e até meados de 1966 não regressaria ao rio Cacheu quedando-se quer pelo rio Mansoa quer nos outros rios, a sul do território.



1967 - Do lado de dentro do arame farpado do aquartelamento, a LFP «Deneb» fundeada frente ao cais de Cacine

O início do ano de 1964, de 13 de Janeiro a 22 de Março, foi marcado pela participação na operação «Tridente», conjuntamente com a LFP «Canopus», prosseguindo durante parte do ano a acção de fiscalização e patrulha no sul com participação em diversas operações levadas a cabo.

Em Agosto e Setembro, com o apoio de esquadras de fuzileiros, aumentou a frequência de acções de fiscalização e patrulha com alguns desembarques na área dos rios Cumbijã e Cacine, afluentes e canais com algumas respostas a flagelações sofridas em resposta a ataques inimigos e o afundamento de várias canoas.




Cacine, 1967 - Na LFP «Deneb», à esquerda, o 1TEN José Luis Leiria Pinto, Comandante do DFE 6 e, à direita, o CTEN José Afonso de Sousa Guimarães, Comandante do INAB (Instalações Navais de Bissau)

No rio Cacine, na margem direita, passaram a ficar referenciados como pontos de prováveis acções futuras de flagelação inimiga a Ponta Canabém (Canábria), na confluência na foz do rio Chaquebante e, um pouco mais a juzante, a confluência dos rios Pachicã e Sôco. Ainda mais para no sentido da foz, na mesma margem, o Canal de Melo (rio Massancano) permitia que, com as condições de maré adequadas, as LFP e as LDM atravessassem do rio Cacine para o rio Cumbijã, e inversamente, evitando a barra e encurtando muito quer o percurso a efectuar quer os tempos dispendidos na travessia.

No mês de Novembro, no decorrer da operação “Dueto”, embarcaram na LFP «Deneb» o Comandante da Defesa Marítima da Guiné - CMG Av Ferrer Caeiro, o Chefe do Estado-Maior - CFR Mário Dias Martins e o Subchefe do Estado-Maior - CTEN Adriano de Carvalho.

Na margem esquerda o aquartelamento de Cacine e o reforço das FTs mantido em Cameconde, a cerca de oito quilómetros, marcavam o limiar da zona controlada pelas nossa Forças. Para juzante, o Quitafine, era quase na totalidade controlado pelo PAIGC com pontos referenciados na ponta Campeane, Pampaire, foz do rio Poxiuco e toda a península para sudoeste.

Próximo do final do ano, em meados de Dezembro, numa acção de fogo ao prestar apoio aos fuzileiros na margem esquerda do rio Cacine, no Quitafine, terá sido referenciado, ainda numa fase inicial, na zona de Cassumba, a existência de forte actividade inimiga, local onde viria a ser edificada uma fortificação, tipo “bunker”, alojando peças anti-carro de 57 mm, baptizados mais tarde como “Os Canhões de Navarone”, com que o IN a passaria a alvejar as unidades navais que demandavam a barra.



Em cima o "Gouveia 17" e, em baixo, o "Bigene"


Dentro dos mesmos padrões de actuação operacional se manteve a actividade da LFP «Deneb» no decorrer de 1965 e princípio de 1966, regressando a uma pontual presença no rio Cacheu em fins de Maio, quando escoltou as embarcações comerciais “Gouveia 17”, “Bigene” e “Calequisse” na última semana daquele mês.



O "Calequisse"

Não voltou a desempenhar qualquer missão naquele rio até 1968, prosseguindo sempre a actividade operacional no sul, alternando apoio a operações com missões de fiscalização e patrulha, escolta a combóios sendo alvo de diversos ataques e flagelações, a que respondeu sempre com êxito e sem baixas.

Especial destaque para a participação na foz do Cacine, contra as posições inimigas em Cassumba, no apoio às LFG «Sagitário» e LFG «Cassiopeia» levada a cabo sob o Comando da FAP nas operações Sayonara I e Sayonara II em 1 e 7 de Dezembro de 1966, respectivamente.

Em Maio de 1968, o Comandante-Chefe, Brigadeiro António de Spínola alterou profundamente a estratégia a prosseguir pelo dispositivo naval disponível no território, atribuindo prioridade a múltiplos tipos de acções no rio Cacheu que visassem dificultar, impedir e cortar “cambanças” de pessoal e material inimigo nos corredores tradicionais do Sitató, Jumbembem, Sambuiá e Canja.

Para isso, através de directivas emanadas do Gabinete do Comandante Chefe e através do CDMG, foi activada a operação “Via Láctea” e mais tarde a operação "Andrómeda" a que foram atribuídos meios navais e fuzileiros que passaram a incluir LFG, LFP, LDM e DFE.

A LFP «Deneb» regressou às missões no rio Cacheu tal como as LFP «Bellatrix» e LFP «Canopus». Mais tarde, novas construções como as LFP “Arcturus”, LFP «Aldebaran, LFP «Procion», LFP «Alvor» e LFP «Aljezur» se juntaram ao dispositivo naval existente naquele teatro.

No decorrer de todo aquele ano e quase por inteiro no ano de 1969, a LFP «Deneb» foi intensamente solicitada em acções diversas, flagelações e respostas a ataques no rio Cacheu, em operações no âmbito das missões atribuídas.

Até ao final do ano, em Agosto, ainda patrulhou por um curto periodo o rio Grande de Buba, “encostando” em Bissau no virar do ano. Reparações diversas, demoras excessivas no fornecimento de algumas peças ou sobressalentes e ausência de outros, com experiência de máquinas, atiraram um estado de prontidão, “apenas aceitável”, para o mês de Setembro de 1970.

Já em 1971, depois de algumas missões sem exigências excessivas atribuídas no curso inferior dos rios Cacheu, rio Grande de Buba, Geba confluência com o Corubal ou patrulhas nocturnas no Porto de Bissau, aquela LFP subiu o plano inclinado do SAO a 1 de Julho, onde foi minuciosamente vistoriada.

A Comissão encarregue do trabalho, concluiu que não se justificava a recuperação da LFP «Deneb» devido à extensão das corrosões, deformações e respectiva estrutura geral, inviabilizando economicamente uma reparação com esse objectivo. Assim foi proposto o desarmamento e abate que se veio a efectivar em 3 de Fevereiro.

Das três primeiras LFP que estiveram na Guiné, as LFP «Bellatrix», LFP «Canopus» e LFP «Deneb», esta lancha foi a última a ser aumentada ao efectivo e também a primeira a ser abatida.




Por isso mesmo, talvez a tenha escolhido para este exemplo, agora com o infeliz acrescento de que, neste percurso temporal daquela unidade naval, dois “marinheiros” perderam dramaticamente a vida em missão de serviço.

Aqui lhes prestamos sentida homenagem.




Fontes:
Texto do autor do blogue; Carta da província da Guiné, Ministério do Ultramar, 1961; Fotos da LFP «Deneb» cedidas por Emídio Aragão Teixeira, 8.º CEORN; Arquivo de Marinha; Setenta e Cinco Anos No Mar, LFP - 17.º VOL, Comissão Cultural de Marinha, 2006.


mls

17 julho 2018

Morrer no Cacheu - A Guerra na Guiné


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 31 de Julho de 2012, em memória dos que lá combateram e cairam. Igualmente lembrando os que, tendo regressado, já se não encontram entre nós.)


MORRER NO CACHEU - A GUERRA NA GUINÉ


Terça-feira
Revista do EXPRESSO, 31 de Março de 2001
Artigo de Rui Araújo





Rio Cacheu: o grupo de fuzileiros aguarda numa das margens a chegada da lancha



A lancha de desembarque, LDM 302, atingida pelo fogo dos guerrilheiros, parcialmente submersa


Às 09:20 do dia 19 de Dezembro de 1967, os guerrilheiros do PAIGC abrem fogo com armas pesadas e ligeiras contra a LDM 302 (Lancha de Desembarque Média) em frente da Clareira de Porto do Coco, no rio Cacheu. O primeiro foguete de um RPG 7 rebenta com a casa dos motores. O segundo atinge em cheio a cabine onde está o patrão Domingos Lopes Medeiros.

Estivemos 20 minutos debaixo de fogo. Ficou tudo destruído: o rádio, os taquímetros, não havia nada em condições. A lancha parou, e como a maré estava vazia assentou no lodo, à ré. A casa das máquinas ficou também logo alagada. E ninguém podia fazer nada. Toda a gente estava com estilhaços no corpo. Foi aí que dei com o patrão Medeiros caído. Quando o agarrei pelos braços para o levantar, as pernas caíram para o chão. Estava cortado ao meio, conta o marinheiro Joaquim Claudino da Silva, agora 1º tenente do Corpo de Fuzileiros, antes de mostrar a fotografia da LDM 302 encalhada no Cacheu.

Lopes Medeiros é o último militar português a morrer em combate na Guiné, no ano de 1967. O patrão da LDM 302 estava a pensar regressar daí a uns dias a Chaves. A comissão de 24 meses no Ultramar estava quase terminada.




Fuzileiros da Armada, no rio Cacheu, durante a operação.



Atraquei na ponte-cais de Binta às 9h20 mas fiquei lá pouco tempo. Depois do estrondo das explosões e dos tiros da 302, decidi largar. Entrei na zona perigosa às 11h00. O rio estava calmo, pelo que, a essa hora, foi servido o almoço: bacalhau cozido com grão e batatas. Às 11h40, o Costa (que ia ao leme) avistou a 302 afundada, com a popa debaixo de água. E não havia ninguém à vista. Como a lancha se encontrava mesmo em frente da Clareira de Porto do Coco, esperei que a corrente a levasse para um sítio mais seguro no meio do tarrafe (arbusto conhecido em África por mangal) antes de me aproximar para ver o que tinha acontecido. E, enquanto Claudino da Silva comunicava com Bissau, o marinheiro Conceição prendia um cabo à lancha para a rebocar.

Quinhentos metros depois da Clareira, vi o bote da 302 a sair do tarrafe com quatro homens a bordo. No fundo do bote, estava o Medeiros morto, com os intestinos caídos, ao lado. Nem me quero lembrar disto, conta Domingos da Conceição Capelinha, patrão da LDM 204, num diário de bordo escrito metodicamente, dia após dia, durante 25 longos meses feitos de patrulhas e operações nos rios Cacheu e Armada, no norte da Guiné. O pessoal das lanchas era o mais sacrificado. E tanto assim que todos preferiam andar no Destacamento.

A LDM 302 é rebocada para Ganturé: uma aldeia com quatro ou cinco barracões da CUF, abandonados, e uma ponte de cais degradado que ainda permite a uma lancha atracar.

Quando o Carvalho saltou para a 302 para manobrar os cabos de reboque ou ir lá buscar qualquer coisa, a lancha virou-se e ele, não sei como, ou nadava mal ou se enervou, desapareceu. É provável que tenha sido apanhado por um crocodilo porque ali havia muitos. A verdade é que o grumete artilheiro da 302 sumiu, nunca mais voltou a aparecer. Escapou ao ataque mas não sobreviveu ali, a dois ou três metros de terra, que era a distância a que ele estava do cais. Tinha os dias de vida contados, naquela hora, escreve o cabo Capelinha na letra íntima da indignação contida, porque injustiças daquelas só podem pertencer decididamente ao sagrado.



O aquartelamento de Ganturé onde, a poucos metros da margem, morreu um dos militares envolvidos na operação

A essa hora, em Lisboa, Salazar recebe Bruno Heck, ministro alemão da Família e da Juventude. A audiência concedida pelo Presidente do Conselho é qualificada de cordial, na edição do Diário de Notícias, do dia seguinte.

É o fim de mais uma tarde de invernia na capital. Salazar e Heck começam a dar alguns passos arrastados no cenário triste do jardim da residência, sobe o pano no Palácio das Necessidades para uma outra representação providencial: a conferência de imprensa anual do ministro dos Negócios Estrangeiros para «os representantes portugueses e estrangeiros dos órgãos de informação». O sr. Dr. Franco Nogueira, ladeado pelo secretário nacional da Informação, sr. Dr. Moreira Baptista, e pelo secretário-geral do seu Ministério, sr. Embaixador José Luís Archer, toma a palavra.

Fomos acusados talvez pela centésima vez, de não cumprirmos as resoluções da Assembleia da ONU sobre autodeterminação. A acusação é inteiramente procedente; nunca nos propusemos cumprir tais resoluções, nem nos propomos fazê-lo, e sempre o dissemos lealmente e categoricamente logo de início. Só será de estranhar que, tendo os ataques começado em 1955, vá a Assembleia há quase doze anos perdendo connosco o seu tempo; mas não tem isso importância de maior, porque entretanto, nós vamos ganhando tempo.

Há declarações que com o tempo e a distância acabam por adquirir a solidez de um testamento. Para Franco Nogueira, a primeira frente da nossa guerra em terras de África está na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. A segunda está em Moscovo e acessoriamente em Conacri e em Dacar.

No norte da Guiné, Amílcar Cabral pega num carregador de 71 munições para a PPSH (700/900 tiros por minuto) e inicia mais uma reunião num mangal com o grupo das FARP - os guerrilheiros do PAIGC - que estão a operar na região.

Os rios devem ser vigiados por unidades especiais cuja única missão será destruir à 'bazookada' os barcos portugueses. Ouvimos o motor no rio e a 'bazooka'. Eu repito: podemos fazer mais. Temos que correr com os portugueses. Os barcos não podem continuar a passar, ordena Cabral aos seus guerrilheiros.

A estação das chuvas está praticamente terminada. A época do no pincha tugas (correr com os «portugas») vai começar a sério na Guiné, apesar das divergências internas com as quais o PAIGC está confrontado.

Até 1966, vivendo com grupos itinerantes e necessitando arrastar as populações para o seu seio, predominaram as acções de reacção às NF (Nossas Forças), através de emboscadas e flagelações, acções de saque e destruição junto de populações e tabancas. A partir daí, criado o EP (Exército Popular), pondo as 'unidades' deste a trabalhar em zonas próprias, veio a verificar-se um aumento de acções contra aquartelamentos, em tentativas de fixação, de modo a garantir liberdade de actuação nas suas áreas, lê-se num documento «classificado» do Exército português.

A prioridade é garantir os abastecimentos e para tal é essencial controlar também os rios do norte - Cacheu, Sambuiá, Armada.

De acordo com um outro documento militar «secreto», as cambanças (passagem de uma margem para a outra) no corredor de Sambuiá, considerado o principal corredor de penetração do PAIGC entre o Senegal e a Guiné, representam também uma preocupação para o Comando Operacional português.

As forças portuguesas (sobretudo terrestres) também dependem das vias fluviais num território «recortado por diversos rios navegáveis e sujeitos a marés de elevada amplitude». E dependem acessoriamente das lanchas que permitem fazer a ligação entre os diferentes pontos do território, quer na óptica militar, quer na óptica civil, como alternativa a uma insuficiente rede de estradas e a uma insegurança militar crescente para as duas partes em confronto.

De facto, as lanchas representam em algumas áreas a única forma de suporte logístico: da sua capacidade dependia o êxito de inúmeras missões, a vida de muitos homens e a chegada ao destino de milhares de toneladas de material de guerra e de abastecimento, explica ainda Lopes Carvalheira, na Revista da Armada (nº 292).



Em cima, um protótipo da lancha de desembarque atingida e, em baixo, armamento apreendido aos guerrilheiros do PAIGC


Três ou quatro dias depois do ataque, 35 fuzileiros do DFE 12 chegam a Ganturé (Porto de Bigene) com a missão específica de garantir a segurança do cais e permitir a recuperação da LDM 302. Ou do que ainda resta da lancha, uma das 13 LDM construídas nos EUA e modernizada nos Estaleiros Navais de Argibay. A lancha foi aumentada ao efectivo dos navios da Armada por portaria de 18 de Janeiro de 1964. Pouco depois seguiu para a Guiné a bordo de um navio mercante, tendo chegado a Bissau no dia 23 de Fevereiro de 1964, escreve Malheiro do Vale, no número 279 da Revista da Armada.

24 de Dezembro de 1967. No Cacheu, é só mais um domingo como os outros porque esta guerra como tantas outras não se rege pelo calendário gregoriano. E hoje, aqui, no meio do rio, não há ceia, não há consoada nem 'missa do galo', e muito menos prendas. O jantar foi feijão-frade com atum, uma garrafa de anis e outra de uísque para se beber um cálice. Às 20:00 deitei-me. Era mais uma noite de nevoeiro. Às 22:00 recebo uma mensagem para esperar por uma avioneta que levaria três urnas e ir ao quartel de Bissum buscar os três soldados mortos, escreve, inconformado, o patrão da LDM 204, sem reparar que a chapa da lancha já está a precisar de ser actualizada há uma data de meses (que aqui acabam sempre por ser uma eternidade).

Às 03:30 do dia 26 de Dezembro, os obuses dos aquartelamentos de Bissum e Bula começam a vomitar fogo. Com aqueles estrondos relativamente perto, pouco dormi. E de manhã, terei de ir buscar mais mortos, escreve o Capelinha no seu diário, sem descortinar outra solução para aquela vida. Sempre cuidou que a única coisa que levava dali era a consciência do dever cumprido. No fim de contas, a divisa da Armada A Pátria honrai que a Pátria vos contempla ainda o interpelava.

No dia 31 de Dezembro, Capelinha decide dar por terminada a sua noitada de réveillon - a roupa está-lhe tão colada ao corpo com o calor e a humidade que parece que é a pele. Depois de jantar mais uma vez, feijão frade com atum, escreve algumas palavras simples e nítidas na página 28 do diário de guerra: Assim findo o ano de 1967. Domingos da Conceição Capelinha. C/M Nº 395955 L.D.M. 204 – Esquadrilha de Lanchas da Guiné. O patrão da 204 coloca o diário no cacifo, apaga a luz, instala o mosquiteiro a modos, puxa do lençol e adormece.

Em Lisboa, o programa de variedades Minuto Zero - com Raul Solnado, Armando Cortez, Francisco Nicholson, Delfina Cruz; as cançonetistas Maria da Glória, Mário Melo, Mimi Gaspar e Simone de Oliveira; os fadistas Carlos do Carmo, Teresa da Silva Carvalho, dr. Luís Góis e o seu conjunto de guitarras, o de Raul Nery e o Duo Ouro Negro - já está no ar no único canal da RTP. É, aliás, o principal programa do segundo período de emissão da Televisão. A guerra só recomeçará amanhã com o programa das FA Ao Serviço da Nação (no segundo período de emissão, com imagem de João Rocha e João Lourenço).

Segunda-feira, 1 de Janeiro de 1968. Às 5h30 começo a ouvir rajadas de metralhadora e rebentamentos em frente do quartel na Mata de Óio. Pensei: aí estão eles, e adormeci, escreve Capelinha.

Em 1968, 78% do orçamento português da Defesa servem para financiar a manutenção e a administração das Forças Armadas estacionadas em África», constata o Stokholm International Peace Research Institute. É um esforço tanto mais significativo quanto Portugal depende essencialmente dos fornecimentos estrangeiros. Mas, apesar das resoluções sempre ambíguas da ONU (31/12/63), não é menos certo que poucos Estados membros continuam a aprovisionar legalmente Lisboa. Só a Alemanha, a Espanha e a França continuam a abastecer Portugal, algumas vezes de forma envergonhada. A França, por exemplo, forneceu a Portugal mais de uma centena de helicópteros «Alouette», depois de 1963. E o regime transfere legalmente este armamento para as suas províncias ultramarinas, aliás, parte integrante do território nacional...

Na Guiné, os fuzileiros especiais (ou navais) dispõem essencialmente de metralhadoras MG, lança-granadas foguetes 'Instalaza' (de fabrico espanhol) que, quando utilizados com as granadas antipessoal e as espingardas automáticas G-3, constituem um armamento perfeitamente adequado para a guerra de guerrilha. Os sistemas de comunicações, pelo contrário, nem sempre correspondem às expectativas.

Já o número de efectivos das FARP (e respectivo potencial de combate) é uma incógnita : restam as estimativas dos militares.

Um documento classificado das Forças Armadas indica que «as características próprias da guerrilha e descontinuidade e fluidez da actuação dos grupos inimigos não permite precisar os efectivos empenhados na luta
.

Só as estimativas permitem esclarecer em definitivo o problema, porquanto os grupos armados enquadram militares treinados no exterior e infiltrados na Província, indivíduos recrutados e treinados sumariamente no interior da Província e ainda elementos de populações controladas. Pode até dizer-se que nas zonas activas de guerrilha, todo o autóctone é um In(imigo, NDR) potencial.

Alguns documentos referem a existência de 9.000 combatentes do PAIGC, sendo 3.000 do Exército Popular e 6.000 da guerrilha popular, entre 1966 e 1967. Uma coisa porém é certa: com o tempo, o número de efectivos do PAIGC continuou a aumentar, tanto no interior como no exterior do território, designadamente nas bases de apoio de Konakry, Boké e Kandiafara.



Nesta e nas outras duas imagens abaixo, os fuzileiros durante a operação no rio Cacheu

De acordo com o testemunho oral (confidencial) da Academia de Marinha do primeiro-tenente Nuno Gonçalo Vieira Matias, comandante do Destacamento Nº 13 de Fuzileiros Especiais (hoje, chefe de Estado-Maior da Armada) os guerrilheiros tinham muito armamento, sobretudo russo, checoslovaco e chinês (de todas as épocas) para além de aparecer uma arma ou outra obtida no mercado internacional - como as pistolas metralhadoras Thompson» - de origem americana.

Um outro relatório reservado das FA descreve, exaustivamente, o potencial das FARP: Utilizando armamento de muitas origens e procedências, presentemente, verifica-se uma maior incidência de armamento russo e países satélites, perfeitamente adequado à guerra que desenvolve. O In apoia-se ainda em técnicos cubanos, existentes em TN (Território Nacional) e no estrangeiro, para melhoria das condições imediatas de utilização do armamento de que dispõe, nomeadamente de armamento pesado. Podem apreciar-se as seguintes fases de apreciação de armamento In: 1ª fase: no início da luta armada, em 1963 e início de 1964, o armamento inimigo caracterizava-se por armas caçadeiras e gentílicas e ainda pistolas, pistolas-metralhadoras, espingardas, granadas de mão e alguns engenhos explosivos; 2ª fase: desde 1964 e até meados de 1966, caracterizado pelo aparecimento de armas pesadas, morteiros 82 e metralhadoras pesadas, bem assim um longo emprego de engenhos explosivos. No final de 1964, assistiu-se ao abandono das armas gentílicas e caçadeiras, sendo estas substituídas por armas automáticas, semi-automáticas e de repetição.

Os portugueses notaram desde Junho de 1966 uma forte melhoria no material pesado (canhões sem recuo e morteiros 120) culminando com o aparecimento de foguetes 120 mm.

Para além da URSS, há mais países a apoiar convictamente as FARP. Um documento classificado revela que os guerrilheiros receberam em 1961 cursos de guerra subversiva (adaptados às características da Guiné) na Checoslováquia, China e Gana, constituindo este o primeiro apoio concreto ao 'partido', feito por países estrangeiros» e, em 1962, ao mesmo tempo que são capturadas as primeiras armas de origem soviética, é também referenciada nova estadia de elementos do PAIGC recebendo instrução de guerra subversiva nos três países já referidos e também em Marrocos, no Mali e na Guiné-Conacri, onde a instrução foi ministrada por argelinos que para o efeito ali se encontravam radicados.

A partir de 1963, ano em que as actividades do inimigo atingem já uma expressão muito significativa - largo uso de armas automáticas e emprego de minas anticarro -, o PAIGC continuou a contar com o auxílio permanente e diversificado dos países já citados (o apoio do Gana só até à queda de N'Krumah) e ainda da Bulgária, RDA, Hungria, Cuba e predominantemente da URSS. E de mais alguns países europeus. Cabral conta ainda com a solidariedade política e material de várias organizações internacionais, designadamente da OUA.

Sábado, 20 de Julho de 1968. Às 23h45 ouvimos um rebentamento e logo a seguir o assobio da carga e o estrondo a uns 50 metros da proa da lancha. Corremos todos para fora do abrigo. A lancha estremeceu. Os fuzileiros também estavam debaixo de fogo. Os rebentamentos do canhão sem recuo continuaram. Os malditos turras não arredavam pé, deviam estar a bater a zona. O patrulha 'Lira' bombardeou então a clareira e aquela cambada de cobardolas que só actuava à traição desandou. Só mesmo assim é que podiam ganhar a guerra, escreve o patrão da LDM 204, revoltado e ao mesmo tempo impotente, certamente por desconhecer Clausewitz e Sun Tzu.

Sábado, 27 de Julho. Bolama, Bolama de Baixo, Uato, Mandinga, Areia Branca, Jabicunda, Canena, Nova Sintra e Cacheu recebem a visita do governador e comandante-chefe da Guiné, brigadeiro António de Spínola, no prosseguimento dos seus contactos directos com as populações e Forças Armadas, comunica a agência noticiosa ANI.

Na altura em que o chefe da província está a efectuar um reconhecimento aéreo do rio Cacheu e do corredor de Sambuiá, o patrão da lancha 204 está a contas com algo mais prosaico: os mosquitos. Estava cheio de comichão de picadelas de mosquitos. Às 14:30 larguei com os fuzileiros do DFE 12. Começou a chover a cântaros.

O segundo-tenente Pedro Serradas Duarte (hoje, capitão de fragata já reformado), imediato do DFE 12 e que na altura comandava o destacamento (cujo comandante era Fernando Gomes Pedrosa), determina que um grupo de 21 fuzileiros especiais comandados por Benjamim Lopes de Abreu parta em sete zebros (botes de borracha com motores de 50 cv) para o rio Tancroal. Missão: montar mais uma emboscada.

Era mais uma operação em que estávamos a atingir objectivos concretos: destruir os meios de cambança. O pessoal emboscado começa a ser atingido por canhão sem recuo, morteiro e metralhadoras pesadas, para além dos inevitáveis tiros de armas ligeiras. Mas tinham que sair dali sem utilizar os motores para não denunciarem a sua posição. A LFG do comandante Dias Souto avançou, entretanto, para a Clareira do Tancroal em simultâneo com 2 LDM e 1 LF, que abriram fogo contra as forças atacantes referenciadas pelo clarão dos disparos do canhão sem recuo. E os fuzileiros lá conseguiram sair do rio. Era mais um ataque por força do sucesso que a operação 'Via Láctea' estava a ter, dada a impossibilidade de o PAIGC fazer chegar ao interior da Guiné o material de guerra de que tanto carecia, conta Serradas Duarte.



Cinco semanas antes tinha começado uma das maiores operações de sempre (decidida por Spínola), destinada a impedir a entrada e a circulação de material do PAIGC.

De acordo com um documento secreto, o corredor das cambanças de Sambuiá era a principal preocupação do Comandante-Chefe. O corredor começava na região de Samine (no Sul do Senegal), passava por Cumbamory e acabava no rio Cacheu. Era aqui que os guerrilheiros cambavam o material de canoa entre Porto de Coco e Porto da Ponta do Pau.

Em 1968, o PAIGC dispõe no sector de Sambuiá de dois bigrupos (cada um deles com 52 homens) que têm por missão proteger as colunas de abastecimento. No sector de Morés existe outro bigrupo e no sector de Biambi mais um. Junto à margem sul do Cacheu opera ainda o grupo de artilharia (comandado por Irénio do Nascimento Lopes, mais conhecido por Réni) cuja principal missão é atacar a navegação portuguesa. A LDM 302 afundada é uma das lanchas que este grupo atacou.

Um documento militar a que o Expresso teve parcialmente acesso indica que o General Spínola mandou quatro Companhias do Exército executar uma operação na península de Sambuiá. A operação não teve sucesso (apagado). O General Spínola deu ordem à Marinha para executar uma operação na mesma península quatro dias depois. Foram utilizados dois Destacamentos, o DFE 13, que seguiu ao longo de um dos rios, e o DFE 12, sob o comando do primeiro-tenente Gomes Pedrosa (um extraordinário combatente) que seguiu junto do outro rio, e conseguiram um sucesso pela surpresa, trazendo populações e sobretudo obtendo informações que mais tarde vieram a permitir que fizessem, talvez, a maior captura de armamento de toda a história do conflito em África.

Por essa razão, dois comandantes de sector do PAIGC foram fuzilados a mando de Nino Vieira. Ansumane Mané confessou, anos mais tarde, que Nino também o queria matar porque os tugas apanharam o material todo. De qualquer modo, a operação terá tido como resultado a extinção quase total dos ataques do PAIGC a sul do rio Cacheu.

Nos jornais da capital, a única informação sobre a Guiné é um comunicado lacónico das Forças Armadas: Morreram em combate o primeiro-cabo 01357567 António André Santos, natural de Vila Nova de Gaia e o soldado da milícia Iero Cajiko.

A actualidade é dominada pelo fogo na Serra do Trancoso (destaque para uma reportagem do jovem jornalista Carlos Pinto Coelho, enviado especial do Diário de Notícias: Costa imensa, calçada de negro. Pedras erguidas como muros, serra acima, e também elas tela do mesmo pintor em fúria: o lume. Por sobre cinza e troncos carbonizados a pedra causticada - a prostração de corpos, o esgotamento de espíritos.), a nomeação de monsenhor Lopes da Cruz para prelado consultor da Comissão Pontifícia e o artigo do «The Tablet» do deputado britânico John Biggs-Davison, publicado no Diário de Notícias: As superpotências pretendem dominar o Mundo, e a África é rica em minerais, em portos e em posições de decisiva vantagem estratégica. Os portugueses já estavam na Guiné quando fomos vencidos na Guerra dos Cem Anos.




Quinta-Feira, 10 de Outubro. Às 08:30 desembarcou metade do Destacamento de Fuzileiros. Estávamos ainda em Bigene quando demos com um turra morto que estava a ir rio abaixo. Tinha dentro de um saco de pergamóide uma máquina fotográfica municiada de tripé, binóculos, uma bússola, uma pistola e uma série de livros de comunismo. O corpo seguiu com a corrente, escreve Capelinha.

Terça-Feira, 23 de Outubro. Às 22h embarco no 'Alfredo da Silva' com destino a Lisboa. Arrumo as minhas coisas no camarote número 20 e subo ao convés para fazer adeus a Bissau.

Quarta-Feira, 1 de Novembro. Entro em casa às 21h, e dou por findo o meu diário de dois anos na guerrilha na província da Guiné Portuguesa.




Fontes:
Texto e imagens compilados integralmente, com a devida autorização e agradecimento pessoal ao jornalista Rui Araújo, a partir do seu artigo publicado na revista do "Jornal Expresso" de 31 de Março de 2001, reportando-se todos os acontecimentos referenciados a essa data de relato;




Manuel Lema Santos
1TEN RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto

17 dezembro 2016

A Epopeia da LDM 302 na Guiné (2)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 2 de Dezembro de 2008)

(continuação)

Novo ataque e incêndio da lancha em 10 de Junho de 1968


No dia seguinte, a 20 de Dezembro, equipas do SAO - Serviço de Assistência Oficinal e da secção de mergulhadores sapadores, rumaram para Ganturé embarcadas na LFG «Sagitário» com a finalidade de procederem ao salvamento da LDM 302. Aquela unidade naval, conjuntamente com a LFP «Canopus», garantiram apoio próximo e também escolta ao rebocador «Diana».




A LDM «302» em Ganturé durante a manobra de encalhe para recuperação

Reposta a lancha a flutuar e ainda sob escolta da mesma LFG, foi rebocada para Bissau, onde subiu o plano inclinado no dia 23. Os trabalhos de reparação prolongaram-se até 6 de Janeiro do ano seguinte.

Dia de alegria e também de orgulho para toda a equipa, foi aquele em que a LDM «302» içou à popa a bandeira nacional e recomeçou a navegar com nova guarnição, pronta para outras missões.




Depois de recuperada, a LDM «302» navega em experiências

Entendeu o Comando da Esquadrilha de Lanchas que deveria regressar ao rio Cacheu, agora integrada na organização operacional do dispositivo de contra-penetração ali montado, a Operação «Via Láctea», que viria a manter-se até final de 1971.

Seis meses depois do primeiro afundamento e exactamente no mesmo local, Porto de Coco, Tancroal, no dia 10 de Junho, descendo também o Cacheu, foi novamente atacada com canhão sem recuo, lança-granadas foguete, morteiros, metralhadoras pesadas e armas ligeiras, numa dura demonstração de poder de fogo do inimigo.



Em cima, no rio Cacheu, assinalado o Tancroal, o mesmo local de ataque à LDM «302»

Apesar da reacção imediata da LDM «305», comandada pelo cabo de manobra Lobo que navegava nas suas águas, logo aos primeiros disparos do inimigo foi atingido mortalmente por uma munição de lança-granadas foguete o grumete artilheiro António Manuel. Outro projéctil idêntico atingiu o escudo da Oerlinkon, fragmentando-se em numerosos estilhaços que feriram com gravidade, no tronco e nas pernas, o marinheiro artilheiro Manuel Luís Lourenço da Silva.

Mesmo ferido, continuou o artilheiro a fazer fogo sobre o inimigo, até que uma granada de morteiro deflagrou no poço da lancha, ateando um incêndio que se propagou à cobertura do poço e ao bote de borracha, provocando tal fumarada que o forçou a abandonar o posto da peça.

Ajudado pelo marinheiro fogueiro Ludgero Henrique de Oliveira, lançou o bote à água, fazendo o mesmo com o depósito de gasolina, pelo perigo que constituia. Colocaram o camarada já sem vida à popa, a salvo das chamas, voltando seguidamente à peça e continuando a fazer fogo até calar o inimigo.

O incêndio já tinha tomado proporções alarmantes estendendo-se a toda a lancha e o patrão, cabo de manobra Francisco Pereira da Silva, resolveu abicar à margem Norte. Saltaram então para a água e nadaram para terra conseguindo atingir o tarrafo.

A LDM «305», que não fora atingida, aproximou-se do local, embarcou todos os elementos e seguiu para Ganturé, onde o patrão da lancha, em estado de choque e o marinheiro artilheiro ferido, foram evacuados de avião juntamente com o corpo do artilheiro morto em combate.

No dia seguinte, a LDM “302” que continuava a arder foi rebocada pela LDM “305” para Ganturé, onde mais uma vez a equipa SAO e uma equipa de mergulhadores sapadores, com guarda montada por um destacamento de fuzileiros especiais a conseguiram repor em condições de ser rebocada para Bissau.




A LDM «302» encalhada em Ganturé, após o incêndio

Apoio próximo dado pelas LFP «Canopus» e LFG «Orion», tendo esta última procedido ao reboque da lancha até Barro, continuado depois pelo rebocador «Diana» até Bissau, com escolta daquela LFG.

Além dos elementos referidos, faziam igualmente parte da guarnição da LDM «302» o marinheiro telegrafista António Marques Martins e o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira.

... e novamente recuperada, já não voltou ao Cacheu!

Em 26 de Julho voltou a subir o plano inclinado donde saíra quinze dias antes, mantendo-se ali em reparações até 10 de Novembro, data de aprontamento para regressar às habituais fainas.

Sabido que, na generalidade dos casos, os marinheiros são supersticiosos, não seria de estranhar que as guarnições da LDM «302» fossem sedimentando a convicção de que a lancha não se dava bem com os ares do Cacheu.

Compreensivelmente, o Comando da Esquadrilha de Lanchas decidiu-se pelo não regresso da lancha àquele rio, atribuindo-a à TU4*, conjunto de unidades navais encarregadas de manter o dispositivo de contra-penetração no rio Grande de Buba e com as mesmas missões de sempre, ou seja, transporte de forças de desembarque, apoio de fogo em operações militares e escoltas a combóios mercantes além de outras acções.

Já em 1969, pelas 11:30 horas do dia 18 de Fevereiro, quando navegava em missão de fiscalização, frente à foz do rio Uajá, afluente do rio Grande de Buba, foi atacada violentamente da margem esquerda com canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras ligeiras e pesadas.

Logo aos primeiros disparos, a cobertura da lancha ficou parcialmente destruída e foi ferido com gravidade o marinheiro artilheiro Dimas de Sousa Correia que, mesmo perdendo muito sangue, se manteve no seu posto de combate, disparando ainda quatro carregadores da Oerlinkon sobre o inimigo.

Talvez o seu sacrifício tenha evitado piores consequências ainda que, mesmo assim, registassem ferimentos ligeiros o marinheiro telegrafista, já mencionado em ocasião anterior, e o marinheiro fogueiro Custódio Mestre Paquete.

Houve igualmente um princípio de incêndio, originado por estilhaços dum projéctil de lança-granadas foguete que atingiu a cobertura do poço, mas foi rapidamente extinto.

O patrão da lancha era o cabo de manobra Manuel António Inácio, e ainda fazia parte da guarnição o marinheiro fogueiro Nogueira, numa prova evidente e confirmando o popular ditado de que não há duas sem três...




Cinco homens da guarnição que sofreu o último ataque, da esquerda para a direita: Mar CM Paquete, Cabo M Inácio, Mar A Correia, Mar CM Nogueira e Mar CE Martins (o penúltimo estava presente em três ataques à lancha e o último, no segundo e terceiro ataques).

Depois de evacuados e substituídos os elementos da guarnição referidos neste combate, a LDM «302» continuou a cumprir as habituais missões no rio Grande de Buba.

Até ao final da sua vida operacional, nunca mais foi atacada a gloriosa e nobre LDM «302». Passou à situação de desarmamento em 27 de Julho de 1972, tendo sido abatida ao efectivo dos navios da Armada em 30 de Novembro desse mesmo ano.

Notável historial de uma pequena unidade da Marinha de Guerra, a roçar a ficção ou o lendário, não tivessem sido reais os combates travados e as baixas sofridas. Os elementos das sucessivas guarnições, sem excepção, honraram ao mais alto nível um dever pátrio, no cumprimento das missões de que foram incumbidos, pagando alguns deles com a vida, a dedicação, a determinação e o estoicismo.

Estarão sempre presentes na nossa memória!



* TU4 - Task Unit 4

Das Unidades presentes:

• LFG «Sagitário» tinha como oficiais: 1TEN Joaquim Manuel Vaz Chaves Ubach (Comandante) e 2TEN RN José Horácio Gomes de Miranda (Imediato);
• LFG «Orion» tinha como oficiais: 1TEN Luis Joel Alves de Azevedo Pascoal (Comandante) e STEN RN Luis Mendes do Nascimento (Imediato);
• LFP «Canopus» tinha como oficial: STEN RN Henrique Nunes de Oliveira Pires (Comandante).


Fontes:
Arquivo de Marinha, Revista da Armada n.º 129 de Julho 1982, Setenta e Cinco Anos no Mar da Comissão Cultural da Marinha - Volumes diversos; Anuário da Reserva Naval, 1958-1975, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, 1992; Fuzileiros-Factos e Feitos na Guerra de África, 1961-1974, Crónica dos Feitos da Guiné, Luís Sanches de Baêna, Comissão Cultural da Marinha, 2006;


mls

16 dezembro 2016

A Epopeia da LDM 302 na Guiné (1)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 28 de Novembro de 2008)

19 de Dezembro de 1967 – O ataque e afundamento da lancha




A LDM «302» antes de seguir para a Guiné a bordo de um navio mercante


A «LDM 302», de que apenas o casco veio dos EUA em 1963, foi adaptada nos estaleiros da Argibay, onde permaneceu para esse efeito de 9 de Outubro desse ano a fins de Janeiro do ano seguinte.

Foi aumentada ao efectivo das navios da Armada em 18 de Janeiro de 1964.

Chegou à Guiné, Bissau, a bordo de um navio da Marinha Mercante, na manhã de 23 de Fevereiro desse ano. Era seu patrão de então o marinheiro de manobra n.º 2156, Aristides Lopes.

Após um curto período de adestramento da guarnição, foi atribuída ao DFE 2 - Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 2, ao qual competia a fiscalização da zona do rio Geba tendo aí iniciado intensa vida operacional.

Efectuou um primeiro cruzeiro de fiscalização naquele rio, em 18 de Março, sem que nada de anormal tivesse ocorrido, o que poderia ser interpretado como bom augúrio naquele teatro de guerra.

De 9 a 11 de Abril, pela primeira vez, em conjunto com a LDM «101», LDM «201«, LFG «Escorpião», LFP «Canopus» e os DFE 8 e DFE 9, foi incluída numa missão de apoio de fogo e transporte de fuzileiros, a operação «Tenaz», levada a cabo no rio Cumbijã.

Em 22 de Abril o baptismo de fogo. Frente a Jabadá quando, em conjunto com mais três LDM procedia a um desembarque de fuzileiros, o inimigo tentou opor-se com fogo de armas ligeiras mas não conseguiu evitar o desembarque.

No dia 22 de Julho, foi atacada pela segunda vez, desta feita no rio Cacheu, em Porto de Côco. O inimigo, emboscado nas margens, utilizou metralhadoras pesadas e morteiro, sem consequências.

Durante o resto do ano de 1964 tomou parte em várias operações no rio Geba e recolheu ao SAO – Serviço de Assistência Oficinal, onde foi submetida a alterações no poço, procedendo-se à instalação de uma cozinha e alojamentos para a guarnição. Foram também protegidos com chapa balística a casa do leme e o escudo da peça Oerlinkon de 20 mm.

A partir de então ficou com possibilidades de alojar permanentemente a guarnição, como viria a revelar-se indispensável.

1965, veio a revelar-se para a LDM «302» um ano muito duro. Continuando a desempenhar denodadamente missões de fiscalização, escoltas a combóios de barcaças mercantes, transporte de tropas e apoio de fogo, no dia 4 de Fevereiro, em frente de Tambato Mandinga, no rio Cacheu, foi violentamente atacada das margens com morteiros e metralhadoras ligeiras, sofrendo 30 impactos no costado e superestruturas. Não houve baixas na guarnição para o que muito contribuiu, certamente, a sua pronta e valorosa reacção.




A LDM «302» navegando no Cacheu, junto ao tarrafo da margem
A – Poço(resguardado com chapa balística); B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme;
E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC.


No dia 4 de Outubro, no rio Armada, um afluente do Cacheu, em missão de transporte de forças terrestres, foi atacada das margens com metralhadoras ligeiras e granadas de mão, resultando 10 feridos ligeiros entre os militares embarcados.

Novamente, em 28 de Outubro, a leste de Farim, na margem do Cacheu, durante uma operação de desembarque de fuzileiros foi alvejada, sem consequências, com tiros de espingarda.

Foi de relativa tranquilidade o ano de 1966 dado que, apesar de ter estado sempre no rio Cacheu no cumprimento das missões que lhe foram atribuídas, não teve qualquer contacto de fogo directo. Mercê do seu constante vaivém nos rios da zona, tornara-se já perfil conhecido e respeitada pelo inimigo.

Trágico viria a revelar-se o ano de 1967, ainda que pelo escoar do tempo se assemelhasse ao anterior, aparentemente tranquilo. Chegara-se a meados de Dezembro sem qualquer acção hostil e apenas no dia 16, em violenta acção do inimigo contra Binta, auxiliou com eficácia as forças terrestres na defesa daquele aquartelamento.

Não viriam aqueles seis homens de guarnição a terminar assim o ano quando, a 19 de Dezembro, pelas 11:00, a LDM “302” descia o rio Cacheu, em postos de combate, calor já a apertar, margens de tarrafo denso a entranhar-se pelo rio.

No leme, o patrão, marinheiro de manobra Domingos Lopes Medeiros; nos seus postos, junto à Oerlinkon, os marinheiros artilheiros Manuel Luís Lourenço e Silva e Manuel Santana Carvalho; no posto de fonia, o marinheiro telegrafista Joaquim Claudino da Silva; na MG 42 o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira e junto aos artilheiros, pronto a acorrer onde necessário fosse, o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, de serviço aos motores, comandados da casa do leme.

A lancha deixara para trás uma das muitas curvas sinuosas do rio e passava frente à clareira do Tancroal, com a guarnição em redobrada atenção pelo comprovado perigo que representava, pelo historial anterior de ataques já desferidos contra diversas unidades navais.

Subitamente, observaram-se fumos na margem sul à boca de peças e, quase de seguida, fortes rebentamentos. O navio estremeceu violentamente e os motores pararam. Estavam sob violentíssimo ataque de canhão sem recuo, lança-granadas foguetes (RPG) e ainda metralhadoras, pesadas e ligeiras.




Em cima, no rio Cacheu, assinalado o Tancroal, local de ataque à LDM «302»

A lancha atingida e com o patrão gravemente ferido ficou sem leme, entrando pelo tarrafo da margem Norte. Os ramos vergaram de imediato e, de seguida, ao recuperarem a posição normal, projectaram a LDM «302» que recuou, ficando à deriva.

A lancha metia água e afundava-se rapidamente de popa. A inclinação era já muito grande e os artilheiros, com água pelo peito, ainda faziam fogo por cima do tecto da casa do leme com grande dificuldade. O posto de fonia, atingido por um estilhaço de granada, tinha ficado destruído e o patrão moribundo, jazia caído sem que alguém lhe pudesse sequer acudir no momento.

Sentido, de todo, que o navio estava perdido, os artilheiros viram-se forçados a abandonar a peça tentando então o telegrafista, socorrer o patrão. Fez um esforço para o por de pé mas foi-lhe de todo impossível. Atingido em cheio estava quase cortado em dois, pelas costas, com as vísceras de fora.

Inexplicavelmente, o inimigo deixou de fazer fogo. O telegrafista, o mais antigo depois do patrão, assumiu o comando e deu ordem para abandonar a lancha. Arriaram então o bote de borracha, colocaram lá dentro, o patrão, nessa altura já morto, os papéis de bordo e uma G3, dirigiram-se para a margem e esconderam-se no tarrafo. Fora de água, a lancha tinha apenas parte da porta de abater.

Era imperioso alguém ir a Bigene, o aquartelamento do Exército mais próximo, situado a cerca de três quilómetros e regressar com socorros. Sendo os restantes elementos novos na guarnição e o telegrafista o único conhecedor da zona, empunhou a arma e foi ele próprio, conseguindo lá chegar coberto de lama e sem precalços pelo caminho.

Entretanto, a LDM «304», que navegava não longe do local, alertada pelo ruído das explosões e tiros da LDM «302», dirigiu-se ao local deparando, para espanto da guarnição, com uma lancha totalmente afundada, sem ninguém à vista.

Passaram-lhe um cabo de reboque e seguiram rio abaixo, avistando pouco depois os sobreviventes que embarcaram e relataram o sucedido.

Mas nesse dia a má sorte acompanhava a LDM «302». Ao aportarem a Ganturé, local escolhido para encalhar a lancha, em águas poucos profundas para poder ser recuperada, o artilheiro Carvalho, que saltara do bote para a LDM «302» a fim de manobrar os cabos de reboque, caiu à água e nunca mais foi visto, não obstante os porfiados esforços dos seus camaradas, soldados e nativos de terra que tinham acorrido ao local.

Tudo tinha sido muito rápido, com consequências trágicas em escassos vinte minutos de duração, num combate desigual para a guarnição, que enfrentou o inimigo com perda de vidas mas com exemplar determinação, abnegação e estoicismo.

Foram agraciados com a Cruz de Guerra na cerimónia anual do 10 de Junho, no Terreiro do Paço, estando os já ausentes representados pelas suas famílias.

A LDM «302» seria rapidamente recuperada e voltaria a navegar!


(continua)



Das Unidades presentes:

• LFG «Escorpião» tinha como oficiais: 1TEN José Olias Maldonado (Comandante) e 2TEN RN Fernando Tavares Farinha (Imediato);
• LFP «Canopus» tinha como oficial: 2TEN RN Luis Pinto Fernandes Sequeira (Comandante);
• DFE 2 tinha como oficiais: 1TEN Mário Augusto Faria de Carvalho (Comandante) que tinha substituído o 1TEN Pedro Manuel de Vasconcelos Caeiro, ferido em combate; 2TEN Adolfo Esteves Sousa (imediato), 2TEN FZ SE António Carlos Samões e 2TEN FZE RN José Luis Couceiro;
• DFE 8 tinha como oficiais: 1TEN Guilherme Almor Alpoim Calvão (Comandante), 2TEN José Manuel Malhão Pereira (Imediato) e 2TEN FZE RN José Luis Couceiro (3.º Oficial); este último tinha substituído o 2TEN FZE RN Abel Fernando Machado de Oliveira, ferido em combate;
• DFE 9 tinha como oficiais: 1TEN Horácio Gata Metelo de Nápoles (Comandante), 2TEN Francisco Isidoro Montes de Oliveira Monteiro (Imediato) e 2TEN FZE RN Emídio da Silva Simões (3.º Oficial);


Fontes:
Arquivo de Marinha, Revista da Armada n.º 129 de Julho 1982, Setenta e Cinco Anos no Mar da Comissão Cultural da Marinha - Volumes diversos; Anuário da Reserva Naval, 1958-1975, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, 1992; Fuzileiros-Factos e Feitos na Guerra de África, 1961-1974, Crónica dos Feitos da Guiné, Luís Sanches de Baêna, Comissão Cultural da Marinha, 2006;


mls

12 dezembro 2016

Guiné - LDM 302 atacada e afundada


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Novembro de 2008)

Rio Cacheu, 19 de Dezembro de 1967




A «LDM 302» antes de seguir para a Guiné a bordo de um navio mercante


A «LDM 302», a mais mítica «LDM» presente no dispositivo naval da Guiné, ganhou justificadamente o estatuto de lenda naval, durante o tempo em que esteve operacional ao longo de quase nove anos, no período compreendido entre 18 de Janeiro de 1964, data em que foi aumentada ao efectivo e 30 de Novembro de 1972, quando foi abatida.

E ganhou-o com todo o mérito, pela serenidade com que as guarnições enfrentaram sucessivas adversidades, pelo determinado desempenho no cumprimento das missões atribuídas e pela coragem demonstrada nas acções de combate.

Atacada e flagelada por oito vezes enquanto desempenhava as diferentes missões, em 19 de Dezembro de 1967, na sequência de um violento ataque sofrido no rio Cacheu, veio a afundar-se com o dramático balanço de dois mortos em combate.

Foi posteriormente recuperada e voltou à situação de operacional.

Da acção, de que resultou o seu afundamento, se publica uma curiosa e original banda desenhada, incluída na Revista da Armada, quando era então seu Director e primeiro nesse cargo, o CAlm Malheiro do Vale que anteriormente tinha desempenhado o cargo de 2.º Comandante da Defesa Marítima da Guiné.








Em tempo oportuno, voltaremos a abordar este tema - «LDM 302» - com um historial bastante mais completo daquela unidade naval.

Além desta versão histórica da LDM 302 publicada na Revista da Armada n.º 8 de Maio 1972 existe uma outra versão, igualmente em banda desenhada, da autoria de A. Vassalo.

Fontes:
Texto do autor do blogue com a devida vénia pela cedência de imagem da Revista da Armada n.º 8, Maio 1972.


mls