17 dezembro 2016

A Epopeia da LDM 302 na Guiné (2)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 2 de Dezembro de 2008)

(continuação)

Novo ataque e incêndio da lancha em 10 de Junho de 1968


No dia seguinte, a 20 de Dezembro, equipas do SAO - Serviço de Assistência Oficinal e da secção de mergulhadores sapadores, rumaram para Ganturé embarcadas na LFG «Sagitário» com a finalidade de procederem ao salvamento da LDM 302. Aquela unidade naval, conjuntamente com a LFP «Canopus», garantiram apoio próximo e também escolta ao rebocador «Diana».




A LDM «302» em Ganturé durante a manobra de encalhe para recuperação

Reposta a lancha a flutuar e ainda sob escolta da mesma LFG, foi rebocada para Bissau, onde subiu o plano inclinado no dia 23. Os trabalhos de reparação prolongaram-se até 6 de Janeiro do ano seguinte.

Dia de alegria e também de orgulho para toda a equipa, foi aquele em que a LDM «302» içou à popa a bandeira nacional e recomeçou a navegar com nova guarnição, pronta para outras missões.




Depois de recuperada, a LDM «302» navega em experiências

Entendeu o Comando da Esquadrilha de Lanchas que deveria regressar ao rio Cacheu, agora integrada na organização operacional do dispositivo de contra-penetração ali montado, a Operação «Via Láctea», que viria a manter-se até final de 1971.

Seis meses depois do primeiro afundamento e exactamente no mesmo local, Porto de Coco, Tancroal, no dia 10 de Junho, descendo também o Cacheu, foi novamente atacada com canhão sem recuo, lança-granadas foguete, morteiros, metralhadoras pesadas e armas ligeiras, numa dura demonstração de poder de fogo do inimigo.



Em cima, no rio Cacheu, assinalado o Tancroal, o mesmo local de ataque à LDM «302»

Apesar da reacção imediata da LDM «305», comandada pelo cabo de manobra Lobo que navegava nas suas águas, logo aos primeiros disparos do inimigo foi atingido mortalmente por uma munição de lança-granadas foguete o grumete artilheiro António Manuel. Outro projéctil idêntico atingiu o escudo da Oerlinkon, fragmentando-se em numerosos estilhaços que feriram com gravidade, no tronco e nas pernas, o marinheiro artilheiro Manuel Luís Lourenço da Silva.

Mesmo ferido, continuou o artilheiro a fazer fogo sobre o inimigo, até que uma granada de morteiro deflagrou no poço da lancha, ateando um incêndio que se propagou à cobertura do poço e ao bote de borracha, provocando tal fumarada que o forçou a abandonar o posto da peça.

Ajudado pelo marinheiro fogueiro Ludgero Henrique de Oliveira, lançou o bote à água, fazendo o mesmo com o depósito de gasolina, pelo perigo que constituia. Colocaram o camarada já sem vida à popa, a salvo das chamas, voltando seguidamente à peça e continuando a fazer fogo até calar o inimigo.

O incêndio já tinha tomado proporções alarmantes estendendo-se a toda a lancha e o patrão, cabo de manobra Francisco Pereira da Silva, resolveu abicar à margem Norte. Saltaram então para a água e nadaram para terra conseguindo atingir o tarrafo.

A LDM «305», que não fora atingida, aproximou-se do local, embarcou todos os elementos e seguiu para Ganturé, onde o patrão da lancha, em estado de choque e o marinheiro artilheiro ferido, foram evacuados de avião juntamente com o corpo do artilheiro morto em combate.

No dia seguinte, a LDM “302” que continuava a arder foi rebocada pela LDM “305” para Ganturé, onde mais uma vez a equipa SAO e uma equipa de mergulhadores sapadores, com guarda montada por um destacamento de fuzileiros especiais a conseguiram repor em condições de ser rebocada para Bissau.




A LDM «302» encalhada em Ganturé, após o incêndio

Apoio próximo dado pelas LFP «Canopus» e LFG «Orion», tendo esta última procedido ao reboque da lancha até Barro, continuado depois pelo rebocador «Diana» até Bissau, com escolta daquela LFG.

Além dos elementos referidos, faziam igualmente parte da guarnição da LDM «302» o marinheiro telegrafista António Marques Martins e o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira.

... e novamente recuperada, já não voltou ao Cacheu!

Em 26 de Julho voltou a subir o plano inclinado donde saíra quinze dias antes, mantendo-se ali em reparações até 10 de Novembro, data de aprontamento para regressar às habituais fainas.

Sabido que, na generalidade dos casos, os marinheiros são supersticiosos, não seria de estranhar que as guarnições da LDM «302» fossem sedimentando a convicção de que a lancha não se dava bem com os ares do Cacheu.

Compreensivelmente, o Comando da Esquadrilha de Lanchas decidiu-se pelo não regresso da lancha àquele rio, atribuindo-a à TU4*, conjunto de unidades navais encarregadas de manter o dispositivo de contra-penetração no rio Grande de Buba e com as mesmas missões de sempre, ou seja, transporte de forças de desembarque, apoio de fogo em operações militares e escoltas a combóios mercantes além de outras acções.

Já em 1969, pelas 11:30 horas do dia 18 de Fevereiro, quando navegava em missão de fiscalização, frente à foz do rio Uajá, afluente do rio Grande de Buba, foi atacada violentamente da margem esquerda com canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras ligeiras e pesadas.

Logo aos primeiros disparos, a cobertura da lancha ficou parcialmente destruída e foi ferido com gravidade o marinheiro artilheiro Dimas de Sousa Correia que, mesmo perdendo muito sangue, se manteve no seu posto de combate, disparando ainda quatro carregadores da Oerlinkon sobre o inimigo.

Talvez o seu sacrifício tenha evitado piores consequências ainda que, mesmo assim, registassem ferimentos ligeiros o marinheiro telegrafista, já mencionado em ocasião anterior, e o marinheiro fogueiro Custódio Mestre Paquete.

Houve igualmente um princípio de incêndio, originado por estilhaços dum projéctil de lança-granadas foguete que atingiu a cobertura do poço, mas foi rapidamente extinto.

O patrão da lancha era o cabo de manobra Manuel António Inácio, e ainda fazia parte da guarnição o marinheiro fogueiro Nogueira, numa prova evidente e confirmando o popular ditado de que não há duas sem três...




Cinco homens da guarnição que sofreu o último ataque, da esquerda para a direita: Mar CM Paquete, Cabo M Inácio, Mar A Correia, Mar CM Nogueira e Mar CE Martins (o penúltimo estava presente em três ataques à lancha e o último, no segundo e terceiro ataques).

Depois de evacuados e substituídos os elementos da guarnição referidos neste combate, a LDM «302» continuou a cumprir as habituais missões no rio Grande de Buba.

Até ao final da sua vida operacional, nunca mais foi atacada a gloriosa e nobre LDM «302». Passou à situação de desarmamento em 27 de Julho de 1972, tendo sido abatida ao efectivo dos navios da Armada em 30 de Novembro desse mesmo ano.

Notável historial de uma pequena unidade da Marinha de Guerra, a roçar a ficção ou o lendário, não tivessem sido reais os combates travados e as baixas sofridas. Os elementos das sucessivas guarnições, sem excepção, honraram ao mais alto nível um dever pátrio, no cumprimento das missões de que foram incumbidos, pagando alguns deles com a vida, a dedicação, a determinação e o estoicismo.

Estarão sempre presentes na nossa memória!



* TU4 - Task Unit 4

Das Unidades presentes:

• LFG «Sagitário» tinha como oficiais: 1TEN Joaquim Manuel Vaz Chaves Ubach (Comandante) e 2TEN RN José Horácio Gomes de Miranda (Imediato);
• LFG «Orion» tinha como oficiais: 1TEN Luis Joel Alves de Azevedo Pascoal (Comandante) e STEN RN Luis Mendes do Nascimento (Imediato);
• LFP «Canopus» tinha como oficial: STEN RN Henrique Nunes de Oliveira Pires (Comandante).


Fontes:
Arquivo de Marinha, Revista da Armada n.º 129 de Julho 1982, Setenta e Cinco Anos no Mar da Comissão Cultural da Marinha - Volumes diversos; Anuário da Reserva Naval, 1958-1975, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, 1992; Fuzileiros-Factos e Feitos na Guerra de África, 1961-1974, Crónica dos Feitos da Guiné, Luís Sanches de Baêna, Comissão Cultural da Marinha, 2006;


mls

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