Uma coluna auto, do Destacamento de Marinha do Zambeze, emboscada na picada de Chilombo para Lumbala.
Resultado: 4 mortos e 1 ferido grave.
Resultado: 4 mortos e 1 ferido grave.
(Post reformulado a partir de outro já publicado em 26 de Novembro de 2009)
Em cima, vista aérea do aquartelamento do Chilombo, junto ao rio Zambeze e, em baixo, a perspectiva do aquartelamento, da margem oposta do rio
Em 2 de Junho de 1973, após a formatura de serviço, foram preparadas duas viaturas, uma Mercedes e um Unimog, para seguir para a Lumbala, com uma escolta de uma secção comandada por um sargento.
Em cima, um posto de observação guarnecido com metralhadora Oerlinkon, de 20 mm e,
em baixo, podem observar-se os tejadilhos das cabines das viaturas Mercedes retirados,
para minorar o efeito das minas.
em baixo, podem observar-se os tejadilhos das cabines das viaturas Mercedes retirados,
para minorar o efeito das minas.
Não tendo aquele percurso sido sujeito a qualquer emboscada inimiga desde o início da comissão da unidade, na escolta das colunas, era mantido o efectivo de uma secção com LGF e MG-42.
A regularidade da coluna tinha por objectivo levar e trazer o correio, de e para a unidade, aproveitando para o efeito um táxi aéreo fretado pela JATA que, todos os Sábados, escalava Lumbala.
Em cima, a Picada do Chilombo para Lumbala e, em baixo, a LDP 208 varada na margem do rio, junto ao aquartelamento, durante a estação seca. A lancha era utilizada para a realização de operações e reabastecimento logístico.
Em serviço, seguia também na viatura o STEN FZ RN António Bernardino Apolónio Piteira e era acompanhado pelo Sr. Medeiros, instrutor da Auto-Eunice do Luso que necessitava levar documentação para seguir para o Luso, referente aos elementos da unidade que pretendiam tirar as cartas de condução.
Como habitualmente, seguia também na coluna um moço de botica, com bolsa de primeiros socorros e um operador com um rádio RACCAL TR-28A, tendo a coluna deixado a unidade às 07:55.
A cerca de oito quilómetros e meio do aquartelamento, o Unimog imobilizou-se, devido a um furo. A viatura da frente, a Mercedes, devido à nuvem de poeira levantada pelos rodados, não se apercebeu do facto, tendo continuado isolada e, cerca de quilómetro a quilómetro e meio à frente, caiu numa emboscada.
Tinham decorrido escassos minutos desde imobilização do Unimog, e ainda o condutor tentava mudar o pneu quando, mais adiante, se ouviram rebentamentos e tiros. O sargento que seguia nesta viatura e que transportava consigo o rádio, contactou imediatamente o Chilombo, informando do sucedido enquanto eram feitos todos os esforços para concluir a mudança da roda e seguirem em socorro do pessoal da Mercedes.
A distância entre as viaturas, a ser percorrida a pé, ocasionaria grande demora e, por outro lado, deficiências no equipamento de elevação do Unimog, associado a grande nervosismo, não permitiu concluir nos minutos seguintes a operação com sucesso, enquanto passavam pelo veículo imobilizado os primeiros reforços, a caminho do local provável do ataque.
Esta coluna de reforço, integrando duas outras viaturas, comandada por um oficial, foi mandada sair cerca das 08:10, depois de serem ouvidos, para sul do aquartelamento, rebentamentos e disparos de armas com grande intensidade.
Mais tarde, colhidas informações dos sobreviventes da Mercedes atacada, foi possível reconstituir, aproximadamente, os acontecimentos ocorridos, entre a hora de saída do aquartelamento e a altura da emboscada e que a seguir se reproduzem.
Num local habilmente escolhido pelo inimigo, foram abertos abrigos em meia-lua dos dois lados da picada. Por detrás deles, uma extensa floresta possibilitava uma retirada segura e, à frente, uma enorme “chana” dificultava o abrigo do pessoal das viaturas.
As bermas da picada, na “zona da morte” foram armadilhadas com cargas de trotil – foram retirados 23 kgs. – a serem accionadas por detonadores eléctricos. Por motivos que se desconhecem, provavelmente retirada precipitada, os detonadores não foram accionados à distância, evitando uma verdadeira chacina.
Cabina da viatura emboscada, sendo visíveis os efeitos dos impates dos tiros e, do lado esquerdo, os danos provocados pelo armamento inimigo.
A viatura Mercedes, ao abrandar numa cova do piso, foi simultaneamente atingida na cabine e no motor, com uma munição de morteiro 60 mm e um projéctil de LGF de 37 mm. Logo nessa altura, previsivelmente, os três ocupantes da cabine, os STEN FZ RN António Bernardino Apolónio Piteira, Mar FZE 771/68 António Cardoso Saraiva e o Sr. Medeiros, terão sido mortalmente atingidos, uma vez que a cabina e toda a parte dianteira da viatura se reduziram a uma amálgama de ferros torcidos e chapas esventradas.
Os três elementos que seguiam na caixa, os Mar FZE 717/70 João Gonçalves Nunes Pereira, Mar FZE 1214/70 Henrique Manuel Pais Fernandes e o Mar FZE 451/70 Rogério Fernandes Martins, logo que a viatura foi atingida e resvalou para a berma direita, tentaram saltar para esse mesmo lado.
O Mar FZE 717/70 João Pereira foi mortalmente atingido na cabeça, tendo ficado prostrado, agonizante, junto à viatura. O Mar 1214/70 Henrique Fernandes, que transportava a MG-42, foi ferido numa perna e o Mar FZE FZE 451/70 Rogério Martins saltou da viatura e abrigou-se na berma. Narra este último que, ao saltar para o solo, as explosões de morteiro e LGF eram contínuas, intervaladas com rajadas de metralhadoras. Tentou aproximar-se do camarada Mar FZE 717/70 João Pereira que ainda dava alguns sinais de vida mas expirou pouco depois.
Narrou ainda que, em seguida, se aproximou do outro camarada ferido, o Mar FZE 1214/70 Henrique Fernandes, que sangrava abundantemente duma perna e já tinha largado a MG-42. Não vendo quaisquer sinais de vida no local e continuando o fogo cerrado do inimigo decidiu transportá-lo e afastou-se, ladeando sempre a berma da picada, a única vereda onde existia ainda capim alto permitindo uma razoável camuflagem.
Distanciaram-se assim do local da emboscada, na direcção do Chilombo, mostrando já o Mar FZE Henrique Fernandes grande dificuldade em andar. Atravessaram um rio e já no meio dos caniçais o Mar FZE Rogério Martins efectuou um garrote na perna do camarada ferido. Alcançaram entretanto a picada, na altura em que chegavam os primeiros socorros.
Referiu o oficial que seguia na viatura da frente da coluna de reforço e alcançou primeiro a Mercedes alvejada que o IN já tinha abandonado o local quando lá chegaram. Ordenou que um grupo seguisse no encalço dos atacantes, enquanto outro prestava os primeiros socorros e montava segurança no local.
O Mar FZE 717/70 João Pereira encontrava-se morto junto à Mercedes. O STEN FZ RN António Piteira e o condutor da viatura, Mar FZE 771/68 António Saraiva foram encontrados na “chana” a cerca de 50 metros do local. O Sr. Medeiros foi também encontrado perto da viatura. Os três militares encontravam-se sem fardamento, equipamento ou objectos pessoais e também não foram encontradas as armas, uma MG-42 e quatro G3’s.
Inicialmente, apenas foram mencionadas três armas G3’s. Só mais tarde se confirmou que, consequência de uma troca de última hora de condutores, a precipitação fez com que o primeiro deixasse ficar a arma na cabina tendo o condutor que substituiu levado também a sua arma pessoal.
O grupo que efectuou a perseguição encontrou três trilhos iniciais, muitas grades de cerveja espalhadas que, originalmente, tinham sido carregadas na Mercedes, no Chilombo e, bastante para o interior, na mata, garrafas vazias e dispersão de trilhos no sentido geral S/SE. Considerado inútil manter a perseguição nestas condições o grupo regressou, tendo nomadizado a área até cerca das 11:00, hora a que os fuzileiros foram rendidos no local por militares do Exército de Lumbala.
Os corpos das vítimas foram retirados para o Chilombo, onde ficaram em câmara ardente durante duas noites, até 4 de Junho, com guarda de honra. Na manhã desse dia, pelo capelão do BCAÇ 3847, foi celebrada missa de corpo presente já com as urnas fechadas e, ainda durante a manhã, seguiram em coluna auto para o Cazombo.
Porta de Armas do aquartelamento do Chilombo.
À saída do aquartelamento, foram prestadas honras militares por toda a guarnição da unidade, profundamente abalada com o sucedido, numa última homenagem aos camaradas falecidos e que, de maneira tão trágica, perderam a vida ao serviço da Marinha e da Pátria. A morte daqueles camaradas e a conivência da população, deixaram marcas profundas que dificilmente se apagarão da memória de quantos ali viveram ou prestaram serviço.
Mortos em combate:
– STEN FZ RN António Bernardino Apolónio Piteira, CF 1, do 18.º CFORN
– Mar FZE 771/68 António Cardoso Saraiva, DFE 10
– Mar FZE 717/70 João Gonçalves Nunes Pereira, DFE 10
Ferido em combate:
– Mar FZE 1214/70 Henrique Manuel Pais Fernandes, DFE 10
O tipo de acção havida, a sua cuidadosa bem como pormenorizada montagem e a suspeita envolvência da população suscitou dúvidas, com alguns considerandos pertinentes:
• Facto inédito a assinalar naquela manhã foi o não aparecimento de qualquer elemento da população a pedir boleia para a Lumbala.
• Ainda mais significativo e denunciador de que a população do Chilombo estaria a par da presença de elementos inimigos nas proximidades, ou talvez até da própria acção – atitude pouco consentânea com o comportamento habitual do MPLA - foi a circunstância de, logo pela manhã, não ter aparecido nenhuma criança para vir buscar pequeno-almoço, nem quaisquer elementos da população para jogarem no campo de futebol de salão o que, invariavelmente, acontecia todas as manhãs.
• Acresce ainda que, a população do Chilombo, ao amanhecer desse dia e antes da acção, não saíu do “Kimbo”, provavelmente antevendo prováveis represálias que receavam seguirem-se à emboscada inimiga. Esta atitude da população reflectia, inequivocamente, um estado de comprometimento para não dizer de conivência.
• A montagem do minucioso dispositivo da emboscada foi certamente iniciada na véspera, o que fez estranhar a passagem, sem incidentes e na tarde do dia anterior, no percurso Lumbala-Chilombo, de uma viatura Land-Rover, transportando o Administrador da Lumbala, sem qualquer escolta. Também no percurso Lumbala-Chilombo, passou um veículo de carga civil na noite anterior e outro na própria manhã da emboscada, com saída da Lumbala, pelas 07:00.
Fontes:
Relatório do Comandante do Destacamento de Marinha do Zambeze, 1TEN FZ Pedro Baptista Coelho; colaboração do CMG José António Ruivo - 21.º CFORN; fotos de arquivo pessoal do autor do blogue;
Dicionário:
CF - Companhia de Fuzileiros; DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais; LGF - Lança-Granadas Foguete; IN - inimigo; "Kimbo" - aldeamento nativo; "chana" - planície, equivalente a "chão"
Relatório do Comandante do Destacamento de Marinha do Zambeze, 1TEN FZ Pedro Baptista Coelho; colaboração do CMG José António Ruivo - 21.º CFORN; fotos de arquivo pessoal do autor do blogue;
Dicionário:
CF - Companhia de Fuzileiros; DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais; LGF - Lança-Granadas Foguete; IN - inimigo; "Kimbo" - aldeamento nativo; "chana" - planície, equivalente a "chão"
mls