12 agosto 2017

Memórias do 13.º CFORN - Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval


Memórias do 13 º CFORN, 1968

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 5 de Maio de 2010)


Fazer uma caminhada pelo tempo que passou, sinto-o, é cada vez mais fácil; e, se acaso estivermos em grupo, é altamente compensador. Ao pedirem-me para procurar relatar um ou outro caso, simpático, em que estivessem envolvidos os jovens cadetes do 13º CFORN, não demorou muito a que as imagens aparecessem, depois os sons e, depois também, a saudade.

Mas, dentro do 13º CFORN, havia o 21º Curso de Fuzileiros (FZE), o qual se desenvolvia no chamado 2º ciclo do CFORN. Abordarei este em primeiro lugar.

O 21º Curso FZE era constituído por jovens oriundos de dois dos três vértices do arquipélago, grande parte dos quais já licenciados e, por isso, com experiências de vida bem diferenciadas.

A uni-los, o espírito de grupo e uma bem cuidada oposição aos instrutores, passando esta pela liderança dos mais velhos.

E, pelos instrutores passava, o terrível Xavier (o papá Xavi, nosso camarada já falecido, a quem aqui deixo expressa sentida homenagem). O então 2TEN Xavier, grande, desembaraçado, invariavelmente com uma ofensiva na mão, procurava em todas as suas deambulações pelo campo de batalha, deixar referência quanto aos especiais cuidados pelos quais se deveria reger a actuação dos Fuzileiros e quanto às tácticas a adoptar perante o Inimigo (o IN, todos se lembrarão da sigla).

1.º Mandamento:



...e, os alunos depressa entendiam a força do mandamento, pois caso não fosse praticado, chovia granada. As caminhadas pelas agrestes cotas da serra da Arrábida eram extremamente árduas e comum a distância a pique do mar.

Mesmo para a juventude de então, seria penoso procurar o meandro de estrada mais aconselhado para atravessar o alcatrão. Então que fazer? Cumprir o mandamento ou debandar com as granadas que cairiam sobre nós? Não, o melhor seria confiar numa alternativa de carácter técnico, talvez proveniente da tradicional criatividade que teimosamente nos vai acompanhando ao longo dos tempos...

Assim, o comandante do destacamento mandou cortar vários arbustos e dispô-los tipo brecha, perpendicularmente à estrada (recentemente vim a saber que a vegetação era do tipo paraclimático. Naquela altura parecia-me mais do tipo rasgante, tal o modo como se manifestava à nossa passagem. Feita a abertura, todo o destacamento atravessou em segurança!... Os instrutores não se manifestaram perante tamanha ousadia! O pior foram os minutos seguintes…

2.º Mandamento:



...os alunos entenderam; mas, o limite do seu pensamento ia mais longe e, à cautela, procuraram dar uma olhadela pela escala do oficial de serviço e saber quando é que estaria de serviço o tenente Xavier.

Vista a escala, constatámos não dispor de muito tempo para criar defesas…dois dias era muito pouco e, ainda não tínhamos completado o Manual de Minas e Armadilhas… Ninguém tinha dúvidas que o Xavier iria ao nosso alojamento (à tabanca,lembram-se?), sobressaltar o nosso tão merecido e querido descanso…

A imaginação circulou de mente em mente e, a umas quantas horas do anoitecer, já a braçadeira do oficial de serviço se procurava ajustar ao braço do Xavi, o grupo tinha encontrado as contramedidas: primeiro, dois baldes de lodo; depois, uma ligação por fio entre a porta de entrada na tabanca e o grande extintor que lhe ficava três metros à frente; por último, um grande quadro com letra bem desenhada expressando o seguinte: os Fuzileiros, frente a uma tabanca IN, (o nosso 2.º Mandamento)...

Os baldes de lodo ficariam por cima das portas de acesso aos cotes e o dito, ao ser colocado, vinha fresquinho; por sorte, um encontrava-se recheado com uma gaivota que havia praticado o seu último mergulho. Tudo preparado por altura do recolher. De momento, restar-nos-ia apenas aguardar que a noite avançasse e que o Xávi deixasse largar os seus impulsos…

O que aconteceu por volta das duas da manhã foi magnífico!... A porta abre-se, a luz acende-se e…um silvo diz-nos que a primeira armadilha havia sido accionada, acompanhado de um Oh! a confirmar os efeitos. Em paralelo, o grande quadro lembrava que um princípio táctico havia sido violado por um Fuzileiro Especial; porém, o momento não aconselhava dar cedências ao flanco…

"Sim senhor, pá, é mesmo assim pá, vejo que estão a aprender pá" – e lá cai o balde de lodo, quando a porta do cote é aberta, certamente para o Sr. Tenente felicitar a acção dos cadetes… Ao formarmos, foi a ordem recebida, qualquer coisa nos poderia acontecer.

Nada ultrapassaria a imagem multicolor do Sr. Tenente Xavier!...

A propósito da tabanca, não seria possível a sua recuperação à época, mostrando como dormíamos, como arrumávamos o nosso uniforme de licença e o nosso equipamento de combate?... Se nada se fizer, daqui a uns anos não haverá mostra de nenhum artigo, nem se poderão medir quaisquer imagens do passado... Talvez por terem uma história muito curta, os americanos preservam tudo o que tem significado e que pertenceu a ontem. Com este procedimento manterão, no futuro, imagens que os mais antigos normalmente perdem.

Quanto ao 13.º CFORN em geral, esse era constituído por jovens provenientes do então todo nacional. Para além da grande e longa formatura nocturna, na qual os Srs. oficiais Escolinhas pretendiam saber quem havia roubado o boné do Belfas (designação também carinhosa), a qual destroçou sem sucesso para o outro lado, recordo os momentos de angústia claramente sentidos pelo «cadetame» detido por motivos escolares, no fim de semana, ao verem partir de licença e, garbosamente fardados, os outros camaradas. De facto, o teste de Organização não tinha corrido bem para uns tantos.

As imagens do passado dizem-me que alguns ocupam hoje cargos importantes, mas eu prometo levar este saber para a tumba!

Para todos um grande abraço




Hernâni Vidal de Rezende
CMG FZE - 13º CFORN




Fontes:
Texto compilado e actualizado pelo autor do blogue a partir do publicado na Revista n.º 17 da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval, Março 2004; Imagens do do autor do blogue;


mls

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