Fuzileiros e Reserva Naval no rio Cuando - Angola, 1967
(Post reformulado a partir de outro já publicado em 12 de Setembro de 2010)
Brindado com uma comissão de dois anos na Guiné nunca pisei solo angolano, nem como oficial da Marinha de Guerra, ao tempo da Reserva Naval, nem tão pouco como cidadão português, seja na perspectiva anterior seja na posterior ao final da Guerra do Ultramar, após a independência daquele território.
Por mera analogia com Moçambique, partilho pacificamente e dialogo abertamente sobre estes temas, ouvindo opiniões multifacetadas de camaradas, amigos e até familiares que ali se radicaram temporária ou definitivamente, quer como militares no cumprimento de missões quer como simples cidadãos.
Missão Católica de Santa Cruz do Cuando – Da esquerda para a direita:
CFR Raul Sousa Machado, 2TEN FZ RN Frederico da Luz Rebelo
e CMG Fernando da Silva Soares Branco (Segundo-Comandante Naval de Angola).
CFR Raul Sousa Machado, 2TEN FZ RN Frederico da Luz Rebelo
e CMG Fernando da Silva Soares Branco (Segundo-Comandante Naval de Angola).
Não consigo rabiscar letras e muito menos escrever páginas, sobre temas que, nas memórias gravadas no meu espírito, escapam ao meu sentir e conhecimento. Representará sempre uma fasquia de honestidade limite que nunca estarei disposto a transpor, caindo no outro lado.
Missão Católica de Santa Cruz do Cuando – Da esquerda para a direita, o CFR Armando António Pimentel Saraiva - CEM do Comando Naval de Angola, o 2TEN FZ RN Frederico da Luz Rebelo e o CFR Raul Sousa Machado.
Contudo, considero estar em condições de afirmar que escrever ou relatar com verdade pesquisada e documentada, optando pelo rigor histórico em detrimento de algum rápido sucesso literário, é tarefa penosa com custos pessoais pesados, no tempo e meios empenhados.
Em alguns dos temas que abordo, procuro compensar a ausência de episódios e vivências havidas com conhecimento adquirido, lendo alguma coisa e pesquisando muito, tentando chegar a algum valor acrescentado nos episódios e relatos dispersos que submeto à paciência dos leitores que me acompanham.
Duas imagens do transporte da LDP 105 para o Chicove.
Angola e o rio Cuando, no sudeste, não obrigam ninguém a dissertar sobre Bosquímanos, Bantos ou qualquer outra etnia. Para mim, a memória resvalaria inevitavelmente para “Os Deuses Devem Estar Loucos”, 1980, de Jamie Uys e a história do “Xi atrás da coisa – a garrafa de Coca-Cola”.
Tive vários camaradas da Reserva Naval que foram chamados a desempenhar missões naqueles locais remotos, por muitos apelidados de “cus de judas” e quase, se não mesmo, exclusivamente da classe de Fuzileiros.
Não sei de forma exaustiva quem por lá passou, nem para isso vou ter tempo. Tão pouco vou ter sequer a pretensão de fazer disso um objectivo pendente. Há um ror de camaradas, felizmente muitos deles ainda entre nós, dos vários Ramos das Forças Armadas que ali permaneceram ainda que pontualmente.
Mais do que ninguém, têm condições privilegiadas para registar memórias de acontecimentos havidos, parte de um legado histórico que se vai perdendo nos testemunhos desaparecidos pela mão da inexorável gadanha que a todos vai tolhendo a prazo.
Não significa também que aqui não deixe relatos ou testemunhos parciais, simples retalhos, para que alguém ou outros possam encontrar algumas pistas para o conhecimento acrescentado e dinâmico que se deseja na “História”.
Referindo apenas o meu curso, o 8.º CEORN – Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval, foram para Angola integrados na Companhia de Fuzileiros n.º 1 (1966/1968), os 2TEN FZ RN Rui Camargo de Sousa Eiró (falecido), 2TEN MN RN Frederico Aníbal Saldanha da Silveira Machado, 2TEN FN RN António Luis Marinho de Castro (falecido) e o 2TEN FZ RN Joaquim José de Carvalho.
Integrados na Companhia de Fuzileiros n.º 11 (1966/1969), foram também os 2TEN FZ RN Luis Domingos Costa Azevedo Vaquinhas, 2TEN FZ RN Frederico da Luz Rebelo (falecido) – o oficial que aparece no filme do rio Cuando - , 2TEN FZ RN Manuel José Gomes dos Santos Pereira e o 2TEN MN RN João Carlos Cabral Nunes Correia.
O primeiro comando da LDP 210 naquela zona e respectiva guarnição, depois de um transporte de antologia efectuado sob a égide da RMA – Região Militar de Angola, foi do 2TEN RN António Luis Marinho de Castro, epopeia que lhe valeu um louvor e medalha.
O 2TEN FZ RN Luis Marinho de Castro e a LDP 210.
Naturalmente que as rendições se foram sucedendo ao longo do tempo. Muitas guarnições de lanchas e oficiais de outras Companhias terão ali desempenhado missões de 1966 a 1975, naquela ou noutra unidade naval, sempre LDP, que para aquela zona tenha sido transportada.
A LDP 208 em patrulha no rio Zambeze.
De meu conhecimento documental, estiveram também no leste de Angola a LDP 208, na margem esquerda do Zambeze (Chilombo) e a LDP 105, mais conhecida como o “Expresso do Chicove”, no Rivungo.
Em cima, outra imagem do transporte da LDP 105 e, em baixo, pessoal em serviço no Chicove.
A lancha terá sido transportada por navio até Moçâmedes, seguindo depois de comboio até Serpa Pinto. Daí, numa distância de cerca de 600 Km e por picadas arenosas, seguiu em coluna militar até ao seu destino, o Rivungo, no rio Cuando (fronteira com a Zâmbia).
Apenas com contributos dinâmicos, consubstanciados em testemunhos e relatos de quem lá tenha estado ou investigadores interessados, se poderá ir dando corpo a uma história incompreensivelmente esquecida em baús de recordações ou arquivos de acesso muito limitado.
A LDP 105 (Expresso do Chicove) amarrada à LDP 210.
Abaixo se transcreve o comentário do leitor Egidio Cardoso - CCAÇ 3441 efectuado ao post anterior e lá publicado:
“Na verdade e tanto quanto sei, a Marinha no Cuando, estava representada por dois destacamentos, cada um com uma LDP (sendo uma a LDP 210), transportadas por estrada, desmontadas, em cima de viaturas: uma delas, como refere, no Chicove, a norte de Neriquinha. A outra, a que não faz referência, a sul da Neriquinha, mais exactamente no Rivungo (Destacamento de Marinha do Rivungo) local onde existia um destacamento com um pelotão da companhia de caçadores estacionada na Neriquinha.
Veja o nosso blog, especificamente o post:
E.C.”
Bem vindo na visita, tanto pelo comentário como pelo endereço do blogue que publico. Permite uma breve sortida ao passado recente da História Marinha em Angola - Rivungo mostrando que na LDP 210, nos confins do mundo, também se perdeu a vida em combate.
Depois de atenta leitura considero um dever pessoal honrar a memória de quem ali, ao serviço da Marinha de Guerra e do País, perdeu a vida em combate, identificando quem foi quem, e deixando pistas para ulteriores pesquisa do tema a quem pretenda.
“O 1GR FZ 2862/69 Celestino Mesquita de Carvalho, integrando a guarnição da LDM 210, em Angola, no dia 8 de Abril de 1972, morreu em combate quando aquela unidade naval se encontrava a patrulhar o rio Cuando e foi atacada pelo inimigo. A praça em questão foi atingida com várias rajadas de metralhadora que lhe provocaram a morte, tendo caído à água. O corpo nunca foi encontrado.”
Para que nunca sejam esquecidos!
Fontes:
Anuário da Reserva Naval 1958-1975, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, Lisboa, 1992; Fuzileiros-Factos e Feitos na Guerra de África, 1961/1974, Angola, Luis Sanches de Baêna, Comissão Cultural de Marinha, 2006; Texto e fotos de arquivo do autor com amável cedência do 1TEN AN Ref Raul Sousa Machado; Arquivo da Marinha;
Anuário da Reserva Naval 1958-1975, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, Lisboa, 1992; Fuzileiros-Factos e Feitos na Guerra de África, 1961/1974, Angola, Luis Sanches de Baêna, Comissão Cultural de Marinha, 2006; Texto e fotos de arquivo do autor com amável cedência do 1TEN AN Ref Raul Sousa Machado; Arquivo da Marinha;
mls