21 março 2019

Reserva Naval em navios-tanques ou navios de apoio logístico


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 13 de Abril de 2012)

Reserva Naval em navios-tanques ou navios de apoio logístico


Desde o início da publicação destes esboços de memória histórica que utilizamos a expressão de Navios Reserva Naval, aplicando-a a unidades navais que, em tempo, tenham servido de suporte a formação e instrução práticas dos cursos de formação de Oficiais da Reserva Naval em embarques de fim-de-semana, treino ou nas viagens de instrução no final dos cursos.

Mais tarde, já como oficiais da Reserva Naval, esta classificação de cariz marcadamente afectivo e familiar, nunca com qualquer suporte institucional além da aceitação tolerante, foi alargada aos navios em que desempenharam missões como oficiais da Marinha de Guerra Portuguesa e que, ao tempo, abrangeram a quase totalidade do dispositivo naval existente.

Entre 1958 e 1975, período temporal que inclui os conflitos em África, terão mesmo sido raras as unidades navais que não integraram na guarnição oficiais daquela classe.

Assim, avisos, contratorpedeiros, fragatas, navios auxiliares, navios-escola, navios hidrográficos, corvetas, navios-patrulhas, draga-minas, lanchas de fiscalização grandes, pequenas e de desembarque, formam uma amostragem digna de registo.

Destaque especial para as LFG – Lanchas de Fiscalização Grandes, LDG - Lanchas de Desembarque Grandes onde desempenharam as funções de Oficiais Imediatos ou ainda as LFP – Lanchas de Fiscalização Pequenas, em que exerceram o cargo de Comandantes. Naqueles tipos de unidades, aqueles cargos foram desempenhados na sua quase totalidade por oficiais da Reserva Naval.

Entre 1976 e 1992, terá havido alguma continuidade no desempenho de missões similares ainda que com redução progressiva, fruto do abate de vários tipos de navios (LFG, LFP e LDG) consequência do final da Guerra do Ultramar, com forte retracção do dispositivo naval, redefinição de vocações próprias e atribuição de prioridades operacionais específicas.

A partir daquele último ano, considerado como marcando a extinção da Reserva Naval, palco do último curso realizado, o 2.º CFORN TE 1991/92, com promoção a Aspirantes em Maio de 1992 e que apenas incluiu Especialistas, não deverá ser possível encontrar oficiais da Reserva Naval embarcados. Contudo, apenas com pesquisa adequada até agora não efectuada, será possível garantir de forma mais rigorosa aquela afirmação.

Para os navios-tanques/navios de apoio logístico, já detalhadamente descritos em diversas publicações e lugares na Internet, a abordagem será reduzida, considerando-os apenas sob a perspectiva de terem sido ou não navios Reserva Naval. Dentro desse conceito, tem cabimento considerar os navios «Sam Brás», «S. Gabriel», «Bérrio» e ainda, complementarmente, o «S. Miguel» e o «S. Rafael».


NAL «Sam Brás» A523





Construído no Arsenal do Alfeite e aumentado ao efectivo dos navios da Armada em 13-11-1942 foi transformado em navio de apoio logístico em 27-12-1965. Largou para Moçambique em 12-2-1970, regressou a Portugal e a partir de 5-9-1975 foi para Vila Franca de Xira, onde serviu como ponto de alojamento e desdobramento da Escola de Máquinas no Grupo n.º 1 de Escolas da Armada.

Foi abatido ao efectivo em 18-2-1980.




Desempenharam funções no NRP «Sam Brás», em Moçambique, os seguinte oficiais da Reserva Naval:

2TEN RN Rui Moura da Silva, 12º CFORN, 1970/72;
2TEN AN RN António de Paiva e Silva, 13º CFORN, 1970/72;
2TEN RN José Miguel Bourbon de Sequeira Braga, 16º CFORN, 1970/72;
2TEN AN RN Jorge Manuel Vieira Jordão, 23º CFORN, 1974/75;


NA «S. Gabriel» A5206





Construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foi aumentado ao efectivo dos navios da Armada em 27-3-1963. Efectuou a primeira viagem entre Lisboa e Curaçao em Maio de 1973, a que se seguiram numerosas jornadas entre Lisboa e Luanda, com escalas na Guiné, Cabo Verde e S. Tomé. Também com alguma regularidade aportou a Maracaíbo e outros portos venezuelanos.

Apenas por uma única vez, em 1969, esteve em Lourenço Marques e, em 1975, deu importante apoio ao processo de descolonização angolano, especialmente no transpoerte de milhares de refugiados e militares para Luanda, durante os meses de Setembro e Outubro de 1975. No dia 10-11-1975, poucas horas antes da proclamação da independência de Angola deixou Luanda, rumo a Lisboa.

Após 1975, foram alteradas substancialmente as missões do navio, tendo participado em exercícios, muitas vezes integrado em forças navais nacionais e internacionais.

Foi abatido ao efectivo dos navios da Armada em 14-7-1995.

Desempenharam funções no NRP «S. Gabriel» os seguinte oficiais da Reserva Naval:

2TEN MN RN Agostinho Diogo Jorge de Almeida Santos, 8.º CEORN, 1966/67;
2TEN RN António José do Carmo Silva, 17.º CFORN, 1971/72;
2TEN RN João Manuel Nogueira Mendes Simões, 17.º CFORN, 1971/73;
2TEN RN Armando Manuel Dinis Correia, 20.º CFORN, 1973/74;
2TEN RN Joaquim da Silva Azevedo Costa, 24.º CFORN, 1974/75;


NA «Bérrio» A5210




Este navio reabastecedor de esquadra foi construído nos estaleiros Swan Hunter, em Hebburn-on-Tyne, tendo sido lançado à água no dia 11-11-1969. Entrou ao serviço da Royal Fleet Auxiliary no dia 15-7-1970, com o nome de «Blue Rover» A270, tendo participado no bloqueio naval realizado ao porto da Beira pela Marinha Inglesa a partir de 1966 e no conflito das Falkland de 1982, onde actuou nos teatros operacionais da Geórgia do Sul e de San Carlos.

Adquirido pelo Governo Português, foi aumentado ao efectivo dos navios da Armada em Portsmouth, no dia 31-3-1993. Entrou em Lisboa pela primeira vez no dia 25-5-1993 e foi o primeiro navio da Marinha Portuguesa que incluiu militares do sexo feminino na sua guarnição normal.

Em Setembro de 1995 esteve no Mar Adriático empenhado na operação “Sharp Guard” e tem participado regularmente em exercícios navais. Actualmente ainda ao serviço da Armada.

Nenhum oficial da Reserva Naval deverá ter pertencido à guarnição desta unidade naval.





NA «S. Miguel» A5208


Construído em 1962 nos estaleiros Howaldtswerke, em Kiel, por encomenda da Companhia Nacional de Navegação, foi baptizado com o nome «Cabo Verde». Operou como cargueiro e navegou na carreira de África até 1974 e, depois, nas ligações entre a África, Europa e América do Norte. A sua última viagem comercial foi entre Bissau e Lisboa, onde chegou em 19-9-1985.

Adquirido pela Marinha, foi incorporado no efectivo dos navios da Armada em 8-11-1985 como navio de apoio logístico. Passou a efectuar missões desse tipo nos Açores, Madeira e também duas outras missões específicas aos Estados Unidos e Moçambique.

Em 1991, foi o único navio português na Guerra do Golfo, ao efectuar duas missões logísticas entre Portsmouth e Aljubail, na Arábia Saudita.




Em 20-12-1993 foi abatido ao efectivo dos navios da Armada. Posteriormente veio a ser afundado ao largo da costa continental portuguesa com munições obsoletas que pertenciam à Região Militar de Lisboa, tendo explodido durante essa arriscada operação.

Não há conhecimento de algum oficial da Reserva Naval tenha pertencido à guarnição deste navio entre 1985 e 1993, facto que apenas poderá ser confirmado com pesquisa adequada.


NA «S. Rafael» A5214


Foi anteriormente o navio de apoio a mergulhadores «Medusa», que foi classificado como navio de apoio logístico em 27-12-1965. Em 2-2-1972 passou ao estado de desarmamento e em 7-1-1976 foi abatido aos navios da Armada. Nos seus registos, não consta ter navegado alguma vez. Nenhum oficial da Reserva Naval pertenceu à guarnição desta unidade naval.




Fontes:
Texto e imagens de arquivo do autor do blogue; cedências diversas do Arquivo de Marinha e Revista da Armada; Dicionário de Navios & Efemérides, Adelino Rodrigues da Costa, Edições Culturais da Marinha, 2006.


mls

19 março 2019

LFP «Saturno», 1965 - Memórias Reserva Naval


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 10 de Abril de 2012)


LFP «Saturno», 1965 - Placa de construção dos Estaleiros Navais do Mondego





Algures no tempo, no final dos anos '60 e início dos anos '70, a LFP «Saturno» atracada no cais da Base Naval de Metangula, Lago Niassa, instalada pela Marinha Portuguesa e onde operavam as forças navais.

A vila de Metangula é hoje a sede do distrito moçambicano do Lago, na província do Niassa. Administrativamente, Metangula é um município com um governo local eleito.

A vila, de acordo com o Censo de 1997, tinha uma população de 6.852 habitantes.

O primeiro estabelecimento português em Metangula foi um posto militar, construído em 1900, no contexto dos esforços portugueses para ocupar a margem oriental do Lago Niassa.

Em Dezembro de 1963 a denominação da vila foi alterada, para Augusto Cardoso, por portaria do governo do Estado Novo, revertendo para o nome original depois da independência nacional. Mesmo enquanto durou o conflito armado, a base foi sempre mais correntemente conhecida como Base Naval de Metangula.

Em 1999, com o apoio da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval, foi levada a cabo, de 11 a 20 de Maio daquele ano, uma "Viagem a Moçambique" denominada "Missão Metangula 1999", organizada pelo antigo 2TEN MN RN (Médico Naval da Reserva Naval) Prof. Dr. Ricardo Migães de Campos do 11.º CFORN que, de 1968 a 1970, ali tinha prestado serviço como clínico, enquanto ao serviço da Marinha de Guerra Portuguesa, quer no Comando de Defesa Marítima dos Portos do Lago Niassa quer na Companhia de Fuzileiros n.º 4.

Dos oito oficiais que comandaram a LFP «Saturno» entre 29 de Julho de 1965, data em que foi aumentada ao efectivo dos navios da Armada, e 31 de Março de 1975, data do seu abate, seis foram oficiais da Reserva Naval e os restantes dois dos Quadros Permanentes.

Mais elementos sobre estes temas em:





Fontes:
Texto e imagens de arquivo do autor do blogue; https://pt.wikipedia.org/wiki/Metangula; registo fotográfico da LFP «Saturno» por amável cedência, com indicação de autor desconhecido;


mls

17 março 2019

NRP “Baptista de Andrade” - F 486


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 29 de Março de 2012)

Breve apontamento de memória histórica da corveta «Baptista de Andrade» F 486

Nota:

O Vice-Almirante José Baptista de Andrade, patrono da corveta «Baptista de Andrade» empreendeu em 1885 uma série de brilhantes campanhas em Angola para subjugar revoltas de vários sobas indígenas. Em 1873, tendo sido nomeado governador de Angola, pacificou a Província, aquando da revolta dos Dembos. Em 1890 foi nomeado Comandante Geral da Armada e, em 1892, vice-presidente do Conselho do Almirantado.





Em 14 de Novembro de 2014 a Marinha publicava oficialmente no Facebook:

A corveta Baptista de Andrade faz hoje 40 anos que entrou ao serviço da Marinha.
Cerca de 50 mil horas navegadas, mais de 600 mil milhas percorridas e muitas histórias para contar enchem estas 4 décadas da vida do navio ao serviço de Portugal.
À actual guarnição que se encontra em missão nos Açores, e antigas guarnições muitos parabéns.
Deixe também a sua mensagem nesta data tão especial para o NRP Baptista de Andrade.




Não pretende este pequeno retalho histórico ser um tratado sobre a corveta «Baptista de Andrade», mas apenas um pequeno apontamento ocasional de uma unidade naval que deu o nome a uma classe de corvetas a que pertenceram igualmente as corvetas «João Roby, «Afonso Cerqueira» e «Oliveira e Carmo».

Ainda que na data de publicação original ainda estivesse ao serviço dos navios da Armada, nesta data já foi abatida, sendo que a única desta classe que continua ao serviço nesta data é a «João Roby».

Sobre a corveta «Baptista de Andrade» F 486 que, ao tempo, ainda integrava o dispositivo naval da Marinha de Guerra Portuguesa podem assinalar-se algumas curiosidades, de parte do historial daquela unidade naval, ao longo dos mais de 40 anos de vida operacional:

Foi construída nos estaleiros da Empresa Nacional Bazan de Construcciones Navales Militares, em Cartagena, segundo o projecto português, modificado, das corvetas da classe «João Coutinho». Em 16 de Março de 1973 efectuou-se em Cartagena o lançamento à água, tendo sido aumentada ao efectivo dos navios da Armada em 19 de Novembro de 1974.




Depois de completada a construção, armamento, equipamento e provas diversas, o navio entrou em Lisboa, pela primeira vez, em 20 de Dezembro do mesmo ano.

Deslocou-se a bordo o então Chefe do Estado-Maior da Armada, Vice-Almirante Pinheiro de Azevedo, mais tarde Primeiro-ministro. Foi recebido a bordo pelo Comandante Naval do Continente, Comodoro Molarinho do Carmo, pelo Director das Construções Navais, Comodoro ECN Rogério de Oliveira e pelo CTEN Contreras de Passos, nomeado para comandar aquela unidade naval.

Depois de algumas curtas missões na costa portuguesa partiu em 3 de Março de 1975 para uma comissão em Cabo Verde, então em processo de descolonização, onde permaneceu durante cerca de cinco meses.

Em 5 de Julho de 1975, data da independência de Cabo Verde, largou com destino a Lisboa na companhia da fragata «Comandante Roberto Ivens», da corveta «Augusto Castilho» e da LDG «Bombarda» tendo embarcado nas quatro unidades todo o pessoal da Armada que prestava serviço naquela antiga Província portuguesa, nomeadamente Comando Naval, Repartição dos Serviços de Marinha, Oficinas Navais de S. Vicente e também elementos do Pelotão de Fuzileiros n.º 2. Atracaram na Base Naval de Lisboa no dia 9 seguinte.

Nesse mesmo ano ainda cumpriu uma missão nos Açores e outra em Portsmouth.




Em 1979 visitou a Alemanha e a Holanda durante uma viagem de instrução de cadetes e, em Janeiro de 1980, apoiou as populações das ilhas Terceira e S. Jorge por ocasião do violento sismo que abalou as ilhas do grupo central açoriano.

Desde então tem desempenhado as mais variadas missões, incluindo patrulha, fiscalização, apoio e salvamento na área costeira de Portugal continental e ilhas, com comissões nos Açores e Madeira, bem como diversas participações em exercícios navais, viagens de instrução e outros.

De entre as suas principais missões destaca-se a operação "Sharp Vigilance” no mar Adriático, em Setembro de 1992, integrando as forças da UEO e, no final desse ano, a participação na operação “Cruzeiro do Sul”, em que permaneceu durante cerca de dois meses no Atlântico Sul, por ocasião de graves perturbações internas verificadas na cidade de Luanda.

São desta unidade naval os recentes registos fotográficos efectuados, fundeada e a navegar em Cascais, onde alguns oficiais da Reserva Naval ainda prestaram serviço. Registos fotográficos de situação geográfica privilegiada que me permitiram este pequeno apontamento.

Alguns comentários efectuados por familiares do patrono da corveta e o facto de as imagens me terem sido cedidos por um camarada da Reserva Naval do meu 8.º CEORN, além de ombrearmos na Guiné durante dois anos, ele como comandante da LFP «Deneb», ao logo dos mais de 50 anos decorridos se manteve sempre como intransigente amigo pessoal, personalidade pessoal vincada, nunca confundindo amizade com favores ou preferências.

Até um dia destes Mio!


Fontes:
“Dicionário de Navios”, Adelino Rodrigues da Costa, Edições Culturais da Marinha, 2006; “Setenta e Cinco Anos No Mar”, 8.º Vol, Comisão Cultural da Marinha, 1993; imagens gentilmente cedidas por Karen Lima de Freitas, 2012; imagem final com a devida vénia em https://www.facebook.com/MarinhaPortuguesa/photos/a-corveta-baptista-de-andrade-faz-hoje-40-anos-que-entrou-ao-servi%C3%A7o-da-marinhac/850465698307948/
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mls

12 março 2019

Rio Zambeze, leste de Angola - A LDP 208 no Chilombo em 1971/1973


Angola, 1971/1973 - LDP 208 no rio Zambeze, Chilombo





Contradição

No rio Zambeze, Chilombo, no leste de Angola, 1971/73, um fuzileiro, integrado na guarnição da LDP 208 - Lancha de Desembarque Pequena, encostado no reduto da peça, num inspirado momento de lazer, ensaia uns acordes de guitarra, alheado do local onde pratica.

Nem sempre era assim. A paz aparente podia ser bruscamente interrompida por uma emboscada ocasional da margem. O ameaçador cano da metralhadora anti-aérea de 20 mm e duas espingardas automáticas G3 encostadas ao fundo, são disso testemunho.

Participação instrumental e música passavam a ser outras...





Em cima, o "kimbo" em primeiro plano, o aquartelamento dos fuzileiros do Chilombo
em segundo plano e o rio Zambeze ao fundo.
Em baixo, no rio Zambeze, um grupo de botes com fuzileiros, em fiscalização e patrulha




Fontes:
Texto do autor compilado com imagens cedidas por José Manuel Dias da Silva (CMG FZ);


mls

05 março 2019

Leste de Angola, saliente do Cazombo, anos '70 - Chilombo e Lumbala


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 6 de Agosto de 2013)


Angola - Uma abordagem Reserva Naval ao Chilombo e Lumbala






Nunca pisei solo de Angola.

Como tal, remeto-me a uma humilde ignorância que essa realidade me impõe da terra, das gentes, das vivências e dos sentires. Durante dois anos ali residiu uma irmã minha casada com um oficial da FAP que cumpria o SMO, mas nem essa vivência familiar me trouxe especial valor acrescentado ao conhecimento de Angola.

Ainda assim, gostaria de disponibilizar algum conhecimento adquirido ao longos dos anos, nas pesquisas efectuadas, nos contactos havidos e na documentação ou imagens cedidas por Camaradas que ali desempenharam missões e a quem deixo aqui expresso o meu público agradecimento.

Em Unidades Navais, Destacamentos ou Companhias de Fuzileiros participaram em múltiplas e complexas missões, muito para além do que é comum cingir-se à ideia do conceito de guerra, combates e operações militares. Apoio social e humano a populações carenciadas, incluindo assistência médica, estiveram sempre presentes no espírito de todos os que ali cumpriram comissões.

Neste meu aprendizado pessoal, fui obrigado a retroverter muitos dos vocábulos que trazia do meu "Prontuário Ortográfico Guiné", começando pela universal Tabanca.

Em dialecto gentílico, Kimbo no distrito do Moxito, com sede na cidade do Luso, entendia-se como um aldeamento indígena ou aglomerado de cubatas. Cada habitação era construída com paredes de argila convenientemente amassada e comprimida numa estrutura de troncos de madeira com cerca de 15 cm de diâmetro, ligados entre si por lianas entrelaçadas.

Depois de cobertas com capim penteado com as mãos adquiriam, umas a forma cónica e outras com quatro abas, conferindo àquelas habitações isolamento térmico natural e um conforto que ajudava a enfrentar aquele agressivo clima tropical.




Em cima, aspecto geral do "Kimbo" junto ao aquartelamento de Fuzileiros no Chilombo, Zambeze e,
em baixo, pormenor da construção




Sobre Angola, fiquei-me pelos magros ensinamentos que colhi de uma disciplina liceal de Geografia, com encurtado conhecimento adquirido pela minha pouca apetência para a matéria. Densa, monótona e pouco motivadora de dedicada atenção e estudo por parte dos alunos, eu incluído.

E, meu Deus, como se notava a falta de “bonecos” esclarecedores daquela embrulhada de nomes. Que necessidade sentia de uma qualquer banda desenhada a explicar melhor onde nascia o Quanza ou porque é que o Zambeze corria de Angola para Moçambique. Havia mapas, mas eram muito silenciosos e estavam plasmados nas paredes.

Que, para nós, numa visão descomprometida de ensino, ler e interpretar com correcção, fazia-se com o Cavaleiro Andante, o Mosquito ou o Zôrro. Não havia linha que não fosse bem compreendida sem qualquer dificuldade. Épicas aventuras, letras a legendar os balões, cores e sombras da bonecada diversa entranhavam-se-nos no espírito, suspensos no tempo à espera do próximo número.

A Geografia não tinha história, enredo nem personagens que encaixassem no nosso ideário aventureiro. Não era fácil sonhar com aquela complicada delimitação de território, quer a norte, quer nos outros lados todos. Sim, porque havia sempre mais uma série de lados a que chamavam limites geográficos, cujo destino óbvio era o simples empinanço.

Perfilavam-se em seguida as províncias, clima, principais elevações e rios, cidades e portos, estradas e caminhos de ferro, actividades económicas. Um sem fim de prolongado sacrifício, quase pesadelo, para culminar num debitar papagueado em duas ou três páginas de pontos com datas marcadas. Depois, a revisão e a espera das notas com umas chamadas a meio, num constante martírio.

No meio de uma confusa e escassa memorização de um outro tempo de permanência de Portugal em África, ainda registei os nomes de algumas regiões, como os planaltos do Congo, Benguela, Huila, Malange e Bié. Alguns nomes, ditos por esta ordem e penso que era assim, soavam-me bem.

Disparava-se esta metralha, tipo rajada e pronto, estava certo.

O saliente do Cazombo, Lumbala e o Chilombo, na região do Moxico, representaram sempre para mim uma espécie de silêncio cultural.




O saliente do Cazombo, Lumbala e, a norte, o Chilombo

Depois, havia um enclave em Cabinda, que para quem quisesse explicar mais claro, era como que uma "excrescência" próxima que nos pertencia, mas já fora do território. Tenho ideia de que foi a única vez na vida que tropecei naquela palavra “enclave”. Aquilo de que mais próximo me lembro, pronunciado, era a clave de sol mas acho que a música é outra.

Ficaram-me ainda registados nomes de cidades como Luanda, Lobito, Benguela e Moçâmedes ou os rios Zaire, Quanza e o Cunene. Claro que lembro outros mas apenas estaria a aumentar um conjunto de vocábulos sem grande expressão afectiva, pelo desconhecimento que tenho de locais e gentes.

Não era apenas eu que repudiava os temas assim abordados mas, tempos de ensino e diferentes qualidades didácticas dos mestres que nos ensinaram, ditaram para mim resultados médios quase exclusivamente posicionados entre as linhas sofrível e suficiente.

Talvez como compensação subconsciente, ganhei o hábito que ainda hoje mantenho de rabiscar tudo quanto era canto de papel limpo de escrita. Aí me manifestava rascunhando, evadindo-me imaginariamente do anfiteatro onde éramos sujeitos a tão maciças quanto indigestas doses de ciência geográfica.

No escoar do tempo tudo se foi modificando, e a Guerra do Ultramar como que nos aproximou dos territórios além-mar nas constantes idas e vindas de militares em serviço, pelas conversas e convívios, encurtando distâncias e trazendo a lume nomes de locais até então pouco divulgados.

Para um Reserva Naval, depois de ingressar na Marinha e concluído o curso da Escola Naval, passava a ser possível, num horizonte temporal próximo, a permanência de dois anos em Angola, numa unidade naval, em terra ou ainda numa Companhia/Destacamento de Fuzileiros.

Ali, do Zaire aos rios Cuando/Cubango e do Quanza ao Zambeze, no decorrer dos anos de conflito armado, entre 1961 e 1975, dos 25 cursos realizados, prestaram serviço cerca de 250 oficiais da Reserva Naval das classes de Marinha, Médicos Navais, Administração Naval, Engenheiros Maquinistas Navais, Técnicos, Especialistas e Fuzileiros.

Um desses oficiais foi o STEN António Bernardino Apolónio Piteira do 18.º CFORN que naquele território esteve em missão, integrado na Companhia de Fuzileiros nº 1. Promovido a Aspirante FZ RN em 13 de Outubro de 1971, frequentou o curso de Fuzileiro e foi destacado para Angola, onde chegou a 18 de Setembro do ano seguinte, com o posto de STEN, assumindo o comando do 3.º Pelotão da Companhia n.º 1 de Fuzileiros.




Em cima, num primeiro plano o "Kimbo",
em segundo plano o aquartelamento dos Fuzileiros do Chilombo e ao fundo o Zambeze;
Em baixo, o rio Zambeze, sendo visível o porto de encosto das lanchas, com a LDP 208, a embarcação «Caripande» e botes do aquartelamento do Chilombo




No dia 2 de Junho de 1973, pelas oito horas da manhã, uma coluna de viaturas do Destacamento do Zambeze, em missão de serviço à Lumbala, foi alvo de uma emboscada inimiga. Dessa emboscada, ocorrida na Picada entre Lumbala e Chilombo, a cerca de dez quilómetros desta última localidade, resultou a morte de António Piteira. Foi o único Oficial da Marinha de Guerra morto em combate, no período em que decorreu a guerra nos três teatros em África.

Sem propriamente pretender repisar a lembrança de tão dramático quão triste de memória acontecimento, sucedeu que fui contactado há poucos meses por um outro combatente da Guerra do Ultramar que, em Angola, entre 1971 e 1973, durante 2 anos, permaneceu no aquartelamento de Lumbala-Velha.




O aquartelamento de Lumbala-Velha



Mário Regadas da Silva, esteve integrado na CArt 3416, unidade independente mas que dependia operacionalmente do BCaç 3847 com sede na vila do Cazombo, comandado pelo Tenente-coronel António da Graça Bordadágua. Trocámos algumas mensagens e achei interessante publicar alguns excertos das comunicações enviadas a que juntei imagens alusivas dos locais ali recordados, por aquele antigo militar que prestou serviço em Lumbala-Velha.

De acordo com Mário Silva:

“...Visitei uma vez o vosso quartel no Chilombo onde jantei (e que bem jantei...). Eram uma tropa à parte. Eu era aramista, estive impedido na secretaria. Tenho lembrança de ver os botes dos fuzileiros passando ao largo no Zambeze, tendo estado no vosso quartel com alguns camaradas fuzileiros em jogos de futebol. Recordo outra vez um acidente no rio, onde um bote com fuzileiros teve um acidente com más consequências...”

“... Tivemos três comandantes de companhia e um deles, o Tenente Eduardo Paiva Oliveira, morreu numa emboscada no dia 1 de Julho de 1973, no itinerário Chilombo-Lumbala, precisamente na mesma picada que vinha do Cazombo e bem perto do dito Destacamento de Fuzileiros do Chilombo; um camião Berliet ficou parcialmente destruído...”





"Informação" ou "A Verdade à Maneira do Inimigo"

Estranho destino que faz distar de um mês a morte de dois oficiais em combate, um do Exército e outro da Marinha, no mesmo local e na mesma fatídica picada de Angola. Lamentavelmente, na mesma ou ainda noutras acções de combate, outros militares ali encontraram o fim da linha de vida. Honrando a sua memória, recordando-os, aqui fica o registo da invulgar coincidência, aproveitando para publicar imagens de alguns do locais acima referidos





O aquartelamento de Lumbala-Nova





Notas do autor:
– Na foto que acima se publica, além da LDP 208 ainda sem o fortim superior, é visível a embarcação «Caripande», (karipande) herdado de uma pequeno aldeamento angolano no Alto Moxico, Zambeze, atribuído a uma simplificada embarcação/unidade naval que servia de posto avançado no saliente do Cazombo, Lumbala, para juzante do Zambeze. A proximidade da fronteira aliada aos frequente ataques do lado da Zâmbia e à insuficiência de meios de defesa levaram a abandonar o projecto.
Numa informação "Wikipédia" «Karipande» dista 600 km de Luena e tem 7.000 habitantes. Na língua soba chama-se Mukumbi Munhau. Karipande foi supostamente o local da morte do "Comandante Hoji-ya-Henda (José Mendes de Carvalho), com 27 anos de idade do MPLA junior. Foi sepultado próximo do rio Lundoji a 30 quilómetros do então quartel de Karipande, da Frente Leste/3ª Região Político-Militar (14 de abril de 1968).

– Algumas das fotos acima publicadas referem relatos, factos ou ocorrências, descritas no blogue noutras publicações anteriormente efectuadas. Para os leitores que o desejem, basta efectuarem a procura por tema/assunto/palavras na caixa de busca do blogue.




Fontes:
Texto e fotos de arquivo do autor do blogue; gentil cedência de fotos dos: CMG FZE José Manuel Dias da Silva (antigo oficial da Reserva Naval do 16.º CFORN), CMG FZE José António Ruivo (antigo oficial da Reserva Naval do 21.º CFORN) e de Mário Regadas da Silva, antigo Cabo Cond.Auto/Esc CArt 3416 do BCaç 3847.


mls

01 março 2019

Funchal - Pintura mural da LFR “Sagitário” no cais


Guarnição da LFR «Sagitário» inscreve a passagem da lancha no porto do Funchal

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 19 de Março de 2012)




O esforço é grande e o homem é pequeno
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
este padrão ao pé do areal moreno
e para deante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão signala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por fazer é só com Deus.

E ao immenso e possível oceano
Ensinam estas quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é portuguez.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.


In "Mensagem" - Fernando Pessoa




Tal como os padrões, ainda que não na representação mas com significado próximo, tornou-se um hábito das guarnições dos navios deixarem recordação da sua passagem quando escalavam portos.

Pinturas murais e inscrições, datas, registos diversos e assinaturas nos paredões dos portos, tornou-se corrente quer para os navios da Marinha de Guerra, quer para veleiros ou outros tipos de navios.

A Marina da Horta, símbolo da tradição náutica da ilha do Faial e ponto de encontro dos iates que atravessam o Atlântico Norte é um bom exemplo de muitos que estão espalhados por todo o planeta. No paredão da cais do Funchal, também ali ficou registada a passagem da LFR «Sagitário»





A LFR "Sagitário atracada no porto do Funchal

A LFR «Sagitário» P 1158, da classe «Centauro», foi construída nos Estaleiros Navais de Mondego e no Arsenal do Alfeite tendo sido aumentada ao efectivo dos navios da Armada no dia 27 de Março de 2001, juntamente com as LFR «Pégaso e LFR «Orion», totalizando 4 unidades navais.

A estrutura deste navio é inovadora, sendo totalmente construída em alumínio naval resistente à corrosão, que tem como enorme vantagem reduzir os custos de manutenção ao longo do ciclo de vida do navio.

Encontram-se agrupadas na Esquadrilha de Navios Patrulhas, sendo prioritária a sua utilização operacional nas acções de intervenção rápida em missões de serviço público.

Executam assim a patrulha costeira na área do Continente, especialmente nas Zona Centro e Sul e, pontualmente, na Região Autónoma da Madeira, escalando com frequência os diferentes portos nacionais no decurso das suas missões.

O navio tem a seguinte guarnição: 1 Oficial, 1 Sargento e 6 Praças, no total de 8 homens.




A LFR «Sagitário» sai o porto do Funchal, rumo ao mar



Fontes:
Imagem do mural, cedência do Dr. Carlos Silva, Furriel Mil da CCaç 2548; fotos da LFR "Sagitário" em http://www.http://naviosfunchal.blogspot.pt, com a devida vénia;


mls