26 abril 2019

LDP 208 no Leste de Angola, 1971/1973 - Rio Zambeze, Chilombo


Angola, 1971/1973 - LDP 208, Rio Zambeze e Chilombo




Em cima, no rio Zambeze a «LDP 208» abicada para reabastecimento e, em baixo, em plena faina logistica




O Rio Zambeze, um dos grandes rios de Moçambique e de África, atravessa o extremo leste de Angola no saliente do Cazombo, pouco depois da sua nascente em território zambiano. Em Caripande, o rio Zambeze deixa o território angolano voltando a território da Zâmbia.

Na sua margem esquerda, mais concretamente no Chilombo, esteve baseado o Destacamento de Marinha do Zambeze - DESTACMARZAMBEZE - que, a par do Destacamento de Marinha do Lungué Bungo - DESTACMARLUNGUE - e do Destacamento de Marinha do Rivungo - DESTACMARRIVUNGO - constituíam as Forças de Marinha no Leste de Angola.

O Destacamento de Marinha do Zambeze integrava um Destacamento de Fuzileiros Especiais, um Pelotão de uma Companhia de Fuzileiros, uma Lancha de Desembarque Pequena, a «LDP 208», e uma Lancha de Transporte, a «Caripande».

No saliente do Cazombo, estavam aquarteladas várias unidades do Exército de entre as quais o Comando do Sector e do Batalhão na povoação do Cazombo, uma Companhia na Lumbala Velha, uma Companhia na Lumbala Nova, e um Pelotão reforçado no Posto Fronteiriço de Caripande.

A «LDP 208» foi transportada para o rio Zambeze – Chilombo, seccionada em três partes, primeiro de combóio, no conhecido Caminho de Ferro de Benguela, desde o Lobito até Vila Teixeira de Sousa e depois em coluna militar durante vários dias até ao Chilombo. Durante a paragem em Teixeira de Sousa, esta Vila sofreu um ataque violento.




Rio Zambeze, Chilombo - O cais das lanchas, sendo visíveis a «LDP 208», a lancha de transporte «Caripande», botes dos fuzileiros e uma viatura do Exército

Foi determinante a iniciativa do Marinheiro Artilheiro que acompanhava a lancha que resolveu abrir fogo com a peça Oerlinkon montada numa das partes da LDP 208. Naquela Vila considerava-se que a sua acção tinha evitado um banho de sangue dado que os habitantes não estavam preparados para situações como aquela e porque os atacantes vinham anestesiados com drogas e armados principalmente com armas brancas.

No Chilombo, depois de os técnicos do Serviço de Assistência Oficinal vindos de Luanda agruparem as três partes, a «LDP 208» ficou operacional e começou a cumprir a sua missão de transporte de carga e de pessoal. Navegou entre o Cazombo e Caripande, mas fundamentalmente entre o Chilombo e Caripande.

O caudal de água do rio Zambeze diminuía significativamente na época seca deixando o seu leito a descoberto em várias zonas. A navegação para montante em direcção ao Cazombo estava limitada a dois meses por ano, exigindo mesmo assim muitos cuidados, muita sondagem, muitas paragens, algum risco pessoal e material.

Entre o Chilombo e a Lumbala a navegação era possível durante quase todo o ano. Já para jusante em direcção a Caripande só eram garantidos três a quatro meses de navegação com carga embarcada.

A guarnição da «LDP 208» era constituída por um Cabo Manobra, o Patrão, por um Marinheiro Fogueiro e por um Marinheiro Artilheiro. A navegar embarcava uma secção de fuzileiros e um oficial, normalmente o Comandante do Pelotão de Apoio; em algumas circunstâncias como, por exemplo, nas idas ao Cazombo, a lancha era escoltada por uma secção de botes.

A «LDP 208» armava com uma peça Oerlinkon de 20 mm instalada numa torre montada ligeiramente para vante e por cima da “ponte” e com duas MG 42 instaladas no poço a meio navio, uma a cada bordo. O poço da «LDP 208» era fechado e sobre-elevado por forma a permitir o transporte de pessoal em pé e com protecção. Mais tarde foi instalado um lança-foguetes de 37 mm.

A velocidade da lancha era muito baixa e o ruído do motor permitia a sua detecção a grande distância o que associado à sua pouca manobrabilidade e à pouca largura do rio tornava as navegações ao mesmo tempo perigosas e maçadoras.




Rio Zambeze - fotografia aérea próxima da fronteira com a Zâmbia



No início dos anos 70 um Pelotão reforçado da Companhia sediada na Lumbala Nova “assegurava a presença portuguesa” na fronteira. Rendia de três em três meses.

Representava o pior destino possível na região: sujeito a fogo de morteiro quase todas as noites a partir de território da Zâmbia obrigando a pernoita nos abrigos; reabastecimento muito difícil pelas limitações das vias de comunicação – o rio, que só era navegável com a «LDP 208» durante três meses do ano, uma picada intransitável e com muitas minas, e uma aeronave que uma vez por semana (nem sempre) sobrevoava baixo para largar correio e uns poucos kilos de carne; sem população.

Representava um verdadeiro desterro. Em meados de 1971 a «LDP 208» sofreu um ataque com armas de tiro curvo e tiro tenso numa curva do rio quando o subia em direcção à Lumbala Nova, depois de ter reembarcado cerca de cem militares que regressavam de uma operação de nomadização. A peça encravou depois da primeira rajada em consequência do fino e quase invisível pó que permanentemente pairava sobre o rio.

O poço da lancha quase não permitia movimento no seu interior. A MG 42 de estibordo, o exposto ao ataque, também encravou. A Bazooka foi perfurada por um tiro de que resultaram estilhaços que feriram o respectivo apontador, o MAR FZE Dias. Este, apesar de ferido, desceu ao poço da Lancha e conseguiu fazer mudar a outra MG 42 para estibordo acabando por conseguir impor supremacia de fogo e ganhar tempo para que a lancha, habilmente manobrada pelo respectivo Patrão, o Cabo Manobra Sabino, se afastasse da zona de morte.




Rio Zambeze - A «LDP 208», navega preparada para qualquer eventualidade

O reabastecimento do Destacamento de Marinha no Zambeze e das unidades do Exército estacionadas nas Lumbalas e em Caripande era assegurado quase exclusivamente por avião Nord Atlas da FAP que voava a partir do Luso em direcção à Lumbala Nova uma vez por semana (em princípio). Para além do lançamento e da recolha de grupos de combate das Companhias do Exército, cabia essencialmente à «LDP 208» fazer chegar ao Chilombo e a Caripande a carga transportada pelo avião.

As navegações para Caripande são justamente motivo de especial orgulho pessoal e de sentimento de dever cumprido por parte das guarnições da «LDP 208». Asseguravam durante três meses por ano o reabastecimento semanal e o reabastecimento de bens não perecíveis e de necessidades em material para o resto do ano viabilizando a sobrevivência dos militares ali estacionados.


J.M.Dias da Silva, 16.º CFORN
CMG FZ




Nota:
Karipande é uma aldeia do Alto Zambeze no Moxico, em Angola. Dista 600 km de Luena e tem 7.000 habitantes. Na língua soba chama-se Mukumbi Munhau. Karipande foi o local da morte do "Comandante Hoji-ya-Henda"(José Mendes de Carvalho), com 27 anos de idade. Foi sepultado próximo do rio Lundoji a 30 quilómetros do então quartel de Karipande, da Frente Leste/3ª Região Político-Militar (14 de abril de 1968).

Fontes:
Texto do autor compilado a adaptado a partir da Revista n.º 20 de Novembro de 2012 da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval, com imagens cedidas por José Manuel Dias da Silva, 16.º CFORN (CMG FZ);

; Nota final de "Karipande" in https://pt.wikipedia.org/wiki/Karipande;

mls

15 abril 2019

Guiné, 1968 - Visita Presidencial à Guiné no paquete N/M «Funchal»


(Post reformulado a partir de outros já publicados em 29 de Agosto e 7 de Novembro de 2006)

N/M «Funchal» em "Visita Presidencial" à Guiné de 2 a 7 de Fevereiro




Em cima, o N/M «Funchal» atracado na ponte-cais, com iluminação de gala e, em baixo,
fotografado a partir da LFG «Orion» sendo igualmente visível a FF »Almirante Pereira da Silva»





Em 2 de Fevereiro de 1968, visível para trás, já atracado na ponte-cais em Bissau, o N/M «Funchal» que transportou o Presidente da República de então, Almirante Américo Tomás, bem como toda a sua comitiva, na viagem que efectuou a Cabo Verde e à Guiné, tendo permanecido neste último território de 2 a 7 daquele mês.

Participaram em escoltas diversas as LFG «Lira» e LFG «Orion», além de outras unidades navais que, quer na chegada a 2 de Fevereiro quer na partida a 7 do mesmo mês, acompanharam o navio presidencial entre a bóia do Caió-Bissau e vice-versa.

Durante o périplo presidencial fez igualmente parte da comitiva a fragata «Almirante Pereira da Silva», navio que escoltou o N/M «Funchal» durante toda a viagem, sob o comando do CFR Mário Esteves Brinca.




Em cima, o N/M «Funchal» atracado na ponte-cais, sempre engalanado,
e, em baixo, fotografado da LFG «Lira» quando era sobrevoado por uma esquadrilhas de helicópteros




Nos cinco dias que o N/M «Funchal» permaneceu em Bissau, foram levadas a cabo múltiplas realizações destinadas a comemorar a efeméride que incluiu no programa oficial, além de outros cerimónias e espectáculos, desfiles militares e exibição de grupos oriundos de várias etnias, nos arruamentos e praças da cidade.

Mais tarde, a 7 do mesmo mês e na largada do N/M «Funchal», entre Bissau e a bóia do Caió, repetir-se-ia o cenário, desta vez também com a LFG «Cassiopeia».

Alguns oficiais imediatos das LFG - Lanchas de Fiscalização Grandes, nesses dias estacionadas em Bissau e outros oficiais à margem da participação nos festejos, para lá de funções permanentemente desempenhadas por inerência do cargo, foram chamados a prestar serviços adicionais como oficial de serviço à ponte-cais de Bissau, garantindo a segurança em conjunto com uma equipa de mergulhadores-sapadores.




Em cima, o N/M «Funchal» numa interessante perspectiva obtida da LFG «Sagitário» e,
em baixo, anverso e verso da medalha comemorativa da vista presidencial




Dispunham para o efeito, além da habitual guarda à ponte-cais de uma esquadra de de fuzileiros comandada por um Sargento.

No final, pelo desempenho da missão a contento, como tantos outros militares, foram agraciados com uma medalha comemorativa profusamente distribuída.




N/M «Funchal» - Resenha Histórica

Foi construído pelo estaleiro Helsingør Skipsværft A/S, na Dinamarca, por encomenda da Empresa Insulana de Navegação, com projecto de Rogério de Oliveira. Foi o maior navio de passageiros construído na Dinamarca à data da sua entrega em Outubro de 1961, tendo sido lançado ao mar a 10 de Fevereiro de 1961. Tinha então como função a ligação marítima regular entre Lisboa e as ilhas dos Açores, da Madeira e das Canárias, efectuando mensalmente duas viagens consecutivas com o itinerário Lisboa-Funchal-Tenerife-Funchal-Lisboa seguidas de uma viagem aos Açores via Funchal.

Integrava na década de 1960 uma importante frota de navios e passageiros portugueses constituída à época por mais de vinte navios, com destaque para os navios "N/T Infante Dom Henrique","N/T Santa Maria", "N/T Vera Cruz" e "N/T Príncipe Perfeito", os quatro maiores paquetes portugueses, abatidos em 2004, 1973 e 2001, respectivamente.

Foi nele que, à época do presidente Américo Tomás, foram transportados os restos mortais de Pedro IV de Portugal para o Brasil, sob escolta militar (1972).

No início da década de 1970 tendo o tráfego aéreo superado as viagens marítimas, em 1972 decidiu-se remotorizar o navio, substituindo as turbinas a vapor de origem por dois motores Diesel, e alterando os alojamentos e espaços públicos para classe única para utilização em cruzeiros turísticos internacionais. Pouco se alterou então o seu desenho exterior, mas após 1985 foram sendo efectuadas alterações graduais nomeadamente o prolongamento do convés "Promenade", então estendido até à popa. Internamente, as suas duas turbinas a vapor foram substituídas por motores a diesel.

No ano seguinte, 1974, a Insulana fundiu-se com a Companhia Colonial de Navegação, dando origem à CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, de Lisboa, passando o "Funchal" ser propriedade da Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos. Em 1975 encontrava-se desactivado em Lisboa, tendo sido identificado pelo empresário grego George Potamianos, que o apresentou a uma empresa sueca de navegação que o fretou e explorou por dez anos, até que a Arcalia Shipping - The Great Warwick Co. Inc, do Panamá, daquele empresário, o adquiriu, em hasta pública, da massa falida da CTM (1985).

Após aquisição pelo armador Potamianos foi registado no Panamá, em 1985, sofrendo sucessivos melhoramentos e modernizações, tendo voltado ao serviço em Dezembro de 1985.

O FUNCHAL terminou o seu último cruzeiro em Lisboa a 16 de Setembro de 2010 e foi retirado do serviço para modernização a efectuar no cais da Matinha em Lisboa, mas devido à conjuntura económica adversa, em Julho de 2011, esses trabalhos estimados em 15 milhões de Euros foram suspensos.

A entrada em vigor, a partir de 1 de outubro de 2010, de novas exigências da Convenção SOLAS 2010 para a salvaguarda da vida humana no mar obrigou a algumas alterações de natureza técnica a bordo do "Funchal", nomeadamente a substituição de materiais combustíveis. Aproveitando essa intervenção o armador decidiu proceder a uma completa actualização dos alojamentos e espaços para passageiros, por forma a torná-lo ainda mais apetecível.

Estava previsto para Julho de 2011 o regresso do navio ao mercado dos cruzeiros com duas viagens a partir de Lisboa que iriam comemorar os 50 anos da viagem inaugural em 1961.

Constituiu até essa altura o navio mais famoso da companhia Classic International Cruises, que contava ainda com os navios Princess Danae, Arion, Princess Daphne e Athena, todos a navegar sob bandeira portuguesa (registo da Madeira).

No entanto, por dificuldades económicas a Classic International Cruises de Lisboa foi encerrada em Novembro de 2012, passando o navio para a posse da principal entidade credora, o Montepio Geral. O "Funchal" permaneceu imobilizado em Lisboa desde 16 de Setembro de 2010 até Fevereiro de 2013.

Em Fevereiro de 2013, juntamente com mais 3 navios, foi adquirido por um investidor português, a "Portuscale Cruises". Depois de sofrer profundas remodelações voltou poder navegar em Agosto de 2013.

A 1 de Agosto de 2013 foi apresentado, após remodelação profunda, que incluiu uma pintura inspirada na original da Empresa Insulana.

A 22 de Agosto de 2013 o navio voltou a navegar, como propriedade da Portuscale Cruises, mas ficou retido no porto de Gotemburgo, Suécia devido a deficiências técnicas detectadas aquando de uma inspecção pelas autoridades, antes do que seria a sua viagem re-inaugural.[1] Efectuou o último cruzeiro ao serviço da PORTUSCALE CRUISES de 28 de Dezembro de 2014 a 2 de Janeiro de 2015 e encontra-se desde essa data imobilizado em Lisboa, tendo o programa de cruzeiros previsto para 2015 sido cancelado a 12 de Fevereiro de 2015.

Foi vendido em 5 de Dezembro de 2018 por £3,9 milhões, um décimo do valor gasto na renovação do navio, para ser hotel de festa flutuante entre Liverpool e as Ilhas Baleares.


Fontes:
Texto e imagens de N/M «Funchal» em http://pt.wikipedia.org/wiki/Funchal_%28paquete%29; texto e imagens do "post" de arquivo do autor do blogue com cedências parciais dos comandantes Adelino Rodrigues da Costa e Carlos Dias Souto;


mls