08 maio 2019

Guiné, 1967 – Rio Cacine, Gadamael_Porto (III)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 1 de Junho de 2012)


Gadamael_Porto e o corredor da morte




Região de Cacine, parte montante do rio com o mesmo nome

(clique na imagem para ampliar)


João José de Lima Alves Martins, foi Alferes Miliciano de Artilharia e, entre 1967/69, foi destacado para a Guiné. Comandou um pelotão do BAC1, tendo desempenhado diversas missões naquele território que o transportaram de Bissau a Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael_Porto, Guileje, Bissau, Bigene, Ingoré e, então de regresso, novamente a Bissau.




Em cima, o porto interior de Bedanda no rio Cumbijã e,
em baixo, um combóio de LDM e batelões sobe o rio Cacine rumo a Gadamael_Porto




“...Já estava relativamente bem inserido na comunidade de Bedanda quando recebo a bombástica informação que tinha que rumar a Guileje. Sabia que não podia ser coisa boa pois fica a pouca distância da República da Guiné onde o IN tinha as suas bases e os seus apoios. Embarcámos os obuses em três LDM, descemos o rio Cumbijã e subimos o rio Cacine que achei espectacular com as suas águas estanhadas reflectindo a beleza das margens e desembarcámos em Gadamael_Porto, onde passei a melhor semana em que estive na Guiné...”




Gadamael_Porto, só com acesso a LDM e o cais de atracação

Além da trouxa às costas tinham por companhia de jornada as incómodas e pesadas, mas também imponentes e ameaçadoras peças de artilharia de 11.4 cm, cujo transporte por picadas, instalação e manutenção eram verdadeiras epopeias de resistência às dificuldades de movimentação e utilização.

Notável nomadismo de percurso, algo parecido com os de Marinha, apenas no que de comum tiveram as jornadas efectuadas e apoiadas pelas LDG’s ou LDM’s, Lanchas de Desembarque Grandes ou Médias, e também alguns dos locais, a norte ou a sul. Outros nem tanto já que, daquela relação, Piche e Guileje eram inacessíveis à navegação.

De ambas as povoações se conhecia a fama de locais pouco recomendáveis aos militares em serviço naquela antiga Província, estando o último conotado como uma obrigatória menção de pertencer ao “corredor da morte”, designação por que ficou conhecido o percurso que, na península do Quitafine, corria paralelo à fronteira, a sul e a leste, com a República da Guiné.

A estrada, classificação de luxo para a ligação referida, tinha um último reduto sul em Cameconde, a cerca de oito quilómetros de Cacine, passava por Cacoca, Gadamael_Porto, Guileje, Aldeia Formosa e Mampatá, junto aos rápidos da Saltinho do rio Corubal.

A proximidade da fronteira e da base inimiga de Sansalé eram pontos de permanente tensão e combates para as unidades militares que, na área, se empenhavam em cortar um caminho natural às cambanças logísticas de armamento e pessoal do PAIGC para o interior do território.




Gadamael_Porto na preia e na baixa-mar



A dimensão dos conflitos na Guiné, Angola e Moçambique, bem como a ausência de empenhamento político determinado, reforça a minha convicção de que ainda está por encetar uma verdadeira história conjunta da Guerra do Ultramar, escrita com a participação dos três ramos das Forças Armadas, em que nada seja excluído.

E, portanto, que inclua necessariamente a versão da geração de oficiais dos Quadros Permanentes que a encabeçaram e dirigiram, mas também os contributos de todos os milicianos, sejam eles Oficiais, Sargentos ou Praças dos três ramos das Forças Armadas, incluindo igualmente os Oficiais da Reserva Naval que nela participaram e sem os quais não teria sido sequer possível o início.

Entretanto, ir-se-ão coleccionando retalhos individuais diversos, tecidos por soldados, marinheiros e aviadores a que falta todo um complexo encadeado de explicações que os interliguem culturalmente, para que a História possa ser construída a partir dos alicerces com perspectiva social, política e económica estruturadas.

Historiadores e sociólogos cumprirão futuramente a tarefa. Há que corrigir distorções militares de conveniência que, por vezes sem as competências devidas, se afadigam a escrever provisoriamente, com um certo ar de definitivo. Muitas vezes sem cuidar de ouvir testemunhos de participantes.




Em cima, no cais de Bedanda o denominado "matador" para carregar os obuses e,
em baixo, aspecto de uma coluna militar de artilharia.




João José Alves Martins, com elevado sentido de amizade e camaradagem disponibilizou-me pessoalmente textos e imagens de que, modestamente, me limito a reproduzir alguns trechos ilustrados deixando, a quem melhor que eu, saiba fazer relatos históricos de outra guerra, a que se vivia em terra.

“...Mais, o sentimento mais profundo que trago como recordação, é que, na Guiné, eu não estava no estrangeiro, mas em Portugal, e quando estou com alguém de lá, não posso deixar de lhe dar o meu abraço de “irmão”, porque vejo nele um português que vive no estrangeiro...”

“...Parte de mim ficou na Guiné, para sempre, não só pelo sentimento do dever cumprido que é independente do regime que vigorava na altura, mas sobretudo, pela experiência e pelo reconhecimento de cerca de 500 anos de convivência e de pertença à mesma Nação, e esta realidade não se esquece, não se apaga e não está à venda…”

Revelou-me nutrir grande paixão pela Marinha a que, certamente, não é alheia a genética paterna por ele herdada e alimentada na qualidade de filho de oficial dos Quadros Permanentes.

Aqui lhes dedico, a ambos, estes rabiscos de alguém empenhado na impossível tarefa de não deixar ninguém para trás no registo de memórias Reserva Naval.


Mais informação em:




Fontes:
Texto do autor do blogue; extractos assinalados e fotos cedidas gentilmente por João Alves Martins, Alferes Miliciano de Artilharia, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69;


mls

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