(Post reformulado a partir de outro já publicado em 1 de Junho de 2012)
Gadamael_Porto e o corredor da morte
Região de Cacine, parte montante do rio com o mesmo nome
(clique na imagem para ampliar)
João José de Lima Alves Martins, foi Alferes Miliciano de Artilharia e, entre 1967/69, foi destacado para a Guiné. Comandou um pelotão do BAC1, tendo desempenhado diversas missões naquele território que o transportaram de Bissau a Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael_Porto, Guileje, Bissau, Bigene, Ingoré e, então de regresso, novamente a Bissau.
Em cima, o porto interior de Bedanda no rio Cumbijã e,
em baixo, um combóio de LDM e batelões sobe o rio Cacine rumo a Gadamael_Porto
em baixo, um combóio de LDM e batelões sobe o rio Cacine rumo a Gadamael_Porto
“...Já estava relativamente bem inserido na comunidade de Bedanda quando recebo a bombástica informação que tinha que rumar a Guileje. Sabia que não podia ser coisa boa pois fica a pouca distância da República da Guiné onde o IN tinha as suas bases e os seus apoios. Embarcámos os obuses em três LDM, descemos o rio Cumbijã e subimos o rio Cacine que achei espectacular com as suas águas estanhadas reflectindo a beleza das margens e desembarcámos em Gadamael_Porto, onde passei a melhor semana em que estive na Guiné...”
Gadamael_Porto, só com acesso a LDM e o cais de atracação
Além da trouxa às costas tinham por companhia de jornada as incómodas e pesadas, mas também imponentes e ameaçadoras peças de artilharia de 11.4 cm, cujo transporte por picadas, instalação e manutenção eram verdadeiras epopeias de resistência às dificuldades de movimentação e utilização.
Notável nomadismo de percurso, algo parecido com os de Marinha, apenas no que de comum tiveram as jornadas efectuadas e apoiadas pelas LDG’s ou LDM’s, Lanchas de Desembarque Grandes ou Médias, e também alguns dos locais, a norte ou a sul. Outros nem tanto já que, daquela relação, Piche e Guileje eram inacessíveis à navegação.
De ambas as povoações se conhecia a fama de locais pouco recomendáveis aos militares em serviço naquela antiga Província, estando o último conotado como uma obrigatória menção de pertencer ao “corredor da morte”, designação por que ficou conhecido o percurso que, na península do Quitafine, corria paralelo à fronteira, a sul e a leste, com a República da Guiné.
A estrada, classificação de luxo para a ligação referida, tinha um último reduto sul em Cameconde, a cerca de oito quilómetros de Cacine, passava por Cacoca, Gadamael_Porto, Guileje, Aldeia Formosa e Mampatá, junto aos rápidos da Saltinho do rio Corubal.
A proximidade da fronteira e da base inimiga de Sansalé eram pontos de permanente tensão e combates para as unidades militares que, na área, se empenhavam em cortar um caminho natural às cambanças logísticas de armamento e pessoal do PAIGC para o interior do território.
Gadamael_Porto na preia e na baixa-mar
A dimensão dos conflitos na Guiné, Angola e Moçambique, bem como a ausência de empenhamento político determinado, reforça a minha convicção de que ainda está por encetar uma verdadeira história conjunta da Guerra do Ultramar, escrita com a participação dos três ramos das Forças Armadas, em que nada seja excluído.
E, portanto, que inclua necessariamente a versão da geração de oficiais dos Quadros Permanentes que a encabeçaram e dirigiram, mas também os contributos de todos os milicianos, sejam eles Oficiais, Sargentos ou Praças dos três ramos das Forças Armadas, incluindo igualmente os Oficiais da Reserva Naval que nela participaram e sem os quais não teria sido sequer possível o início.
Entretanto, ir-se-ão coleccionando retalhos individuais diversos, tecidos por soldados, marinheiros e aviadores a que falta todo um complexo encadeado de explicações que os interliguem culturalmente, para que a História possa ser construída a partir dos alicerces com perspectiva social, política e económica estruturadas.
Historiadores e sociólogos cumprirão futuramente a tarefa. Há que corrigir distorções militares de conveniência que, por vezes sem as competências devidas, se afadigam a escrever provisoriamente, com um certo ar de definitivo. Muitas vezes sem cuidar de ouvir testemunhos de participantes.
Em cima, no cais de Bedanda o denominado "matador" para carregar os obuses e,
em baixo, aspecto de uma coluna militar de artilharia.
em baixo, aspecto de uma coluna militar de artilharia.
João José Alves Martins, com elevado sentido de amizade e camaradagem disponibilizou-me pessoalmente textos e imagens de que, modestamente, me limito a reproduzir alguns trechos ilustrados deixando, a quem melhor que eu, saiba fazer relatos históricos de outra guerra, a que se vivia em terra.
“...Mais, o sentimento mais profundo que trago como recordação, é que, na Guiné, eu não estava no estrangeiro, mas em Portugal, e quando estou com alguém de lá, não posso deixar de lhe dar o meu abraço de “irmão”, porque vejo nele um português que vive no estrangeiro...”
“...Parte de mim ficou na Guiné, para sempre, não só pelo sentimento do dever cumprido que é independente do regime que vigorava na altura, mas sobretudo, pela experiência e pelo reconhecimento de cerca de 500 anos de convivência e de pertença à mesma Nação, e esta realidade não se esquece, não se apaga e não está à venda…”
Revelou-me nutrir grande paixão pela Marinha a que, certamente, não é alheia a genética paterna por ele herdada e alimentada na qualidade de filho de oficial dos Quadros Permanentes.
Aqui lhes dedico, a ambos, estes rabiscos de alguém empenhado na impossível tarefa de não deixar ninguém para trás no registo de memórias Reserva Naval.
Mais informação em:
(clicar nos links)
Rio Cacine (I) - Condições de navegabilidade do rio Cacine, 1969
Rio Cacine (II) -A LFP «Deneb», 1961/1971
Rio Cacine (I) - Condições de navegabilidade do rio Cacine, 1969
Rio Cacine (II) -A LFP «Deneb», 1961/1971
Fontes:
Texto do autor do blogue; extractos assinalados e fotos cedidas gentilmente por João Alves Martins, Alferes Miliciano de Artilharia, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69;
Texto do autor do blogue; extractos assinalados e fotos cedidas gentilmente por João Alves Martins, Alferes Miliciano de Artilharia, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69;
mls
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