28 setembro 2018

Cesária Évora e Reserva Naval - 1968


(Post reformulado a partir de outros já publicados em 31 de Janeiro de 2012)


Cabo Verde, 1968 - Cesária Évora com a Reserva Naval no Mindelo





A última publicação efectuada abordou Cesária Évora - "Cize", aquando do infausto desenlace que nos privou definitivamente do seu convívio. Ainda que nutrisse especial admiração e carinho por Cesária Évora parece-me de todo despropositado falar em conhecimento pessoal.

Uma perda irreparável como pessoa, como intérprete e embaixadora da música de Cabo Verde, mas também como exemplo de simplicidade de vida que nunca esqueceu as origens num caminho semeado de escolhos e dificuldades em que, mesmo nos momentos altos que lhe sorriram, nunca deixou de lembrar quem lhe estendeu a mão, tal como a procurou dar sempre aos amigos que dela precisaram.




Dizia Zeca Afonso na sua poesia «...quando eu morrer, rosas brancas, para mim ninguém as corte, quem as não teve na vida de que lhe servem na morte...» É já prática comum do foro da hipocrisia mediática. Como em casos idênticos, com outras personalidades e vultos da cultura, não apenas no contexto musical, a meritocracia reencontra-se na aplicação prática, sempre tardiamente e apenas, quase exclusivamente, a título póstumo. Historicamente repetitivo mas sempre lamentável, o reconhecimento de valores culturais post mortem.

Também como outros camaradas, cadete da Reserva Naval, incógnito, tive apenas um primeiro contacto efêmero com as gentes, hábitos e música de Cabo Verde, no decorrer da viagem de instrução do 8.º CEORN – Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval, efectuado nas fragatas «Diogo Cão» e «Corte Real» que, na segunda quinzena de Abril de 1966, aportaram àquelas ilhas. Eram comandadas, respectivamente, pelos CFR Peixoto Correia e CFR Pinheiro de Azevedo, vindo este último a exercer mais tarde as funções de Primeiro-Ministro, após o 25 de Abril.

Era tradicional organizarem-se festas, convívios ou recepções por ocasião da visita de navios da Marinha Portuguesa a Cabo Verde. Recordo esses momentos quer na ilha de S.Vicente, no Grémio do Mindelo quer na ilha de Santiago, na cidade da Praia, com visitas guiadas às ilhas a que não faltou uma passagem pelo Tarrafal.




Mais tarde, no decorrer dos anos de 1966 a 1968, voltei ali nas deslocações que, aproximadamente de seis em seis meses, a LFG «Orion», tal como todas as outras lanchas do mesmo tipo, faziam da Guiné a Cabo Verde, por imposição de trabalhos de conservação e manutenção nos estaleiros navais da ilha de S. Vicente.

Quando ali aportavam mantinham-se ali estacionadas cerca de um mês em cada uma das vezes que o faziam. Então, já casado e com família próxima ali estabelecida, sempre fui naquelas casas recebido e tratado com carinho e atenção especiais que aqui gratamente recordo e, entre guarnição e familiares ou amigos, nunca me senti acossado por qualquer sentimento de solidão ou insularidade.

Tudo fez parte de uma etapa da minha vida de que recordo, entre muitas outras pessoas, um tio da mãe das minhas filhas, o poeta Jorge Barbosa cujo nome mais tarde foi atribuído à Escola Secundária do Mindelo, e um sem número de familiares e amigos que partilharam comigo mesa e convívio.




Mindelo - Escola Secundária "Jorge Barbosa"

Na nostalgia de quem lembra de forma gratificante estas memórias, ficaram na “sodade di nha tempo ido” as sempre eternas mornas e coladeras que Cesária Évora tão bem interpretou e legou como herança cultural de um Povo. Algumas gravações, sempre escassas, guardo-as há muito comigo.

Como outros cursos, também o 11.º CFORN – Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval, em 1968, ali rumou na viagem de instrução de final de curso, nas mesmas Fragatas «Diogo Cão» e «Corte Real», desta vez comandadas respectivamente pelos CFR Eurico Serradas Duarte e CFR Mário Dias Martins. Teve lugar entre os dias 4 e 29 de Março de 1968, saindo de Lisboa e aportando a Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta, S. Vicente de Cabo Verde, Funchal e Porto Santo, antes de entrar de novo em Lisboa.

Tendo Cesária Évora nascido em 1941, no mês de Agosto, em Março de 1968 contava ainda 26 anos. A partir da chegada a Lisboa no dia 29 daquele mês, vamos ter em conta que no regresso da viagem de instrução as fragatas não foram a Porto Santo. Rumaram directamente para Lisboa, dois dias de viagem, com saída do Funchal num final de tarde. Fazendo contas "às arrecuas" concluir-se-á que a saída do Funchal se efectuou no dia 27. Deduzindo o tempo de permanência na Madeira de 2 a 3 dias e mais outros 3 a 4 para ali chegarem de Cabo Verde, ficará o dia 19 de Março como provável dia de saída de S. Vicente.

Sem a pretensão de total rigor, quer na data quer na informação, nos dois ou três dias anteriores, terá decorrido uma festa convívio que incluiu a actuação de Cesária Évora e de alguns elementos que, com "Cize", formavam o conjunto musical que a acompanhava.

Ainda que com meios empíricos, improvisados na hora, a sessão foi gravada, como é visível numa das fotos, mas da sua guarda e eventual conservação no tempo nada se sabe de concreto. Muito provavelmente, perdurará ainda esquecida num baú de recordações pertencente a algum dos muitos participantes na viagem.




Mindelo, Março de 1968 - Com Cesária Évora, da esquerda para a direita, Henrique Oliveira Pires, António Campos Teixeira, José Manuel Vieira de Sá e José António Trindade Leitão, todos do 11.º CFORN

Depois da chegada a Lisboa, do Juramento de Bandeira daquele 11.º CFORN e já como oficiais da Reserva Naval, Henrique Oliveira Pires foi destacado para a Guiné como comandante da LFP «Canopus», António Campos Teixeira para o Grupo n.º 1 de Escolas da Armada, José Manuel Vieira de Sá para Angola como comandante da LFP «Fomalhaut» e José António da Trindade Leitão para o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada.

Como curiosidade adicional, foi o último ano em que aquelas duas unidades navais efectuaram viagens de instrução a Cabo Verde. A FF «Diogo Cão» foi abatida ao efectivo dos navios da Armada em 21Out68 e a «Corte Real» em 19Nov68.


Fontes:
Texto, fotos de arquivo, edição e arranjo de imagem do autor do blogue com fotos cedidas por elementos do 11.º CFORN; imagem do Liceu Jorge Barbosa por cortesia de:
http://pt.trekearth.com/gallery/Africa/Cape_Verde/Barlavento/Sao_Vicente/Mindelo/photo530294.htm.




Manuel Lema Santos
1TEN RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto

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