(Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Março de 2008/reformulado em 4 de Abril de 2016)
53 anos depois - Relato de uma emboscada à LFG «Lira»
Região dos rios Tombali, Cumbijã e Cacine
Nota:
Desta acção se replica acinma acima um pequeno extracto de um ficheiro de audio obtido numa dessas escoltas, em 4 de Abril de 1967 e abaixo publicada. O local, meios envolvidos e acções de fogo são reais, com relato recreado e adaptado de acções semelhantes com várias unidades navais e em várias datas; a LFG «Orion», cuja guarnição integrei dois anos, também ostentava na ponte a placa de honra do rio Cumbijã como várias outras unidades navais. Aqui os lembramos em bloco, guarnições de unidades navais, fuzileiros, aquartelamentos e também populações civis.
Estas linhas não pretendem estabelecer qualquer analogia com algum tratado de estratégia militar e são publicadas como simbólica homenagem a todas as guarnições de unidades navais que, ao longo dos anos, isoladamente ou em grupo, em escoltas a combóios navais, foram emboscadas violentamente naquele percurso do rio Cumbijã, entre a foz e o porto de Bedanda.
Ao longo dos 13 anos de guerra naquele teatro, a Marinha com o dispositivo naval disponível que incluia LFG – Lanchas de Fiscalização Grandes, LFP – Lanchas de Fiscalizadção Pequenas, LDG – Lanchas de Desembarque Grandes, LDM – Lanchas de Desembarque Médias e também LDP - Lanchas de Desembarque Pequenas, nunca retirou de qualquer rio ou bacia hidrográfica.
Em todas aquelas unidades e missões a Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa esteve sempre presente, comandando combóios, lanchas ou ainda integrando guarnições de outras unidades navais.
Com alguns riscos calculados de anteriores percursos e alguns imprevistos, as guarnições das unidades navais, sózinhas ou apoiadas por grupos de Fuzileiros de Destacamentos ou Companhias, cumpriram a difícil missão de manter o apoio logístico e militar a aquartelamentos e populações de toda aquela área da Guiné, bastando lembrar Catió, Cabedú, Cufar, Bedanda e Chugué.
Houve outros, ainda que para o cabal desempenho dessas missões fosse necessário enfrentar o temível “Cantanhês“ (também dito “Cantanhez“) com locais de redutos PAIGC que iam ganhando nomes lendários de que lembramos Catió, Cabedú, Cafine, Cadique, Caboxanque e Darsalame, entre outros.
Homenagem extensiva aos militares daqueles mesmos aquartelamentos, pelo apoio militar efectivo que nunca regatearam mas também sem esquecer a Camaradagem e Amizade como nos receberam, lembrando igualmente a Força Aérea que representou, muitas vezes, a diferença decisiva entre um combóio passar ou não de forma segura.
De 1965 e até meados de 1968, o dispositivo naval no Sul da Guiné incluía o estacionamento permanente de uma LFG - Lancha de Fiscalização Grande da classe «Argos» que, por um período de cerca de 12 dias, mais dia menos dia se mantinha-se em cruzeiro na área, fiscalizando e patrulhando as bacias hidrográficas dos rios Cumbijã e Cacine, no que era coadjuvada por uma ou duas LDM.
Decorrido aquele período era rendida por uma irmã gémea, efectuando-se normalmente a rendição a meio caminho de Bissau, a que regressava com a que ia iniciar o cruzeiro, ambas atracadas parcos minutos de braço dado, trocando informações e instruções importantes, pessoal cavaqueando novidades e também entregando o ambicionado correio recebido.
Mais a Norte, uma LFP - Lancha de Fiscalização Pequena da classe «Bellatrix», em conjunto com uma LDM, efectuava a fiscalização da área nos rios Tombali e Cobade. Aquelas unidades navais, partilhavam e complementavam o dispositivo naval da área garantindo a segurança da navegação, transportes de pessoas, bens e equipamentos, apoio à população civil e forças militares. Também o abastecimento de víveres e o escoamento de produtos agrícolas eram assegurados por aqueles meios.
Aos Destacamentos de Fuzileiros Especiais (Comandante), pertencia o comando de uma unidade territorial «TU» com responsabilidade nas bacias hidrográficas, dos rios Cacheu, Geba/Mansoa/Corubal, Grande de Buba/Tombali e Cumbijã/Cacine. Para o cabal desempenho dessa missão tinha atribuído um DFE, duas LDM e uma LDP. Contudo para operações/missões de maior envergadura podia ser reforçado com outros meios.
Com a frequência que a prática demonstrava como necessária, a Marinha constituia TUs (Task Units), no caso um conjunto de unidades navais e embarcações civis, essencialmente integradas por LDM e batelões que largavam de Bissau, iniciando o percurso para Sul, com escala e horários previamente definidos para várias localidades e aquartelamentos.
Normalmente a frequência era mensal. Bolama, o ponto TT (confluência dos rios Tombali e Cobade, Catió, o ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã), Cabedu, Impungueda (que servia o aquartelamento de Cufar), Bedanda (porto interior) e ainda Cacine e Gadamael eram escalas habituais, embora alguns destes locais fossem aportados pelas LDG - Lanchas de Desembarque Grandes que, pelo seu porte e complexa manobrabilidade, não tinham acesso a todos eles.
Para comandar o combóio naquelas missões era nomeado um oficial de uma Companhia de Fuzileiros ou da Esquadrilha de Lanchas, quer dos QP ou da Reserva Naval, com uma ou duas esquadras de fuzileiros que reforçavam o dispositivo de protecção e defesa do combóio em pessoal e armamento.
Em percursos de maior risco de acções hostis, caso do rio Cumbijã, na zona do Cantanhês, a escolta integrava, nessa área de maior perigo de ataque, uma LFG -Lancha de Fiscalização Grande da classe «Argos» deslocada do habitual cruzeiro na área do rio Cacine que, por norma e como mais antigo, assumia o comando da escolta (CTU), completada pelo apoio da Força Aérea uma parelha de aviões Harvard T-6.
Naquele dia, 4 de Abril de 1967, cumprida a rota de ida sem incidentes, iniciou-se então a viagem para juzante, em postos de combate, com o apoio da aviação, rumo à confluência dos rios Cumbijã e Cobade, comboiando duas embarcações civis carregadas com arroz proveniente de Bedanda.
Tanto embarcações civis como unidades navais navegavam estrategicamente em coluna com uma LDM na testa e a outra na cauda do combóio, aproveitando a maré na vazante com os batelões encaixados a meio da coluna. Cada uma das embarcações civis levava uma guarda de fuzileiros constituída por 4 elementos. Comunicações em cima.
A LFG «Lira», em cruzeiro na área e vinda do rio Cacine para o Cumbijã para apoio e escolta ao combóio, mantinha-se interposta entre a cauda do combóio e a margem, ligeiramente caída para ré. Com cerca de um quarto de hora de navegação, para juzante, ouviu-se fogo de rajada de metralhadoras ligeiras da margem esquerda.
A LDM da frente informou serem de flagelação inimiga pela amura de BB, sem que fosse possível localizar correctamente a origem. Foram dadas instruções para manter o silêncio de fogo para que, visualmente, fossem melhor localizadas as armas, pela chama à boca, evitando manobras de diversão do inimigo com o intuito de desviar a atenção do centro de fogo principal, instalado mais a montante.
O desenrolar dos acontecimentos veio corroborar a hipótese!
Pelas características hidrográficas do rio Cumbijã, na curva frente a Cadique, delimitando um estreito canal de navegação existente, o combóio via-se forçado a navegar a uma distância de 30 a 40 metros da margem. Precisamente nessa zona, numa extensão de cerca de milha e meia, foi desencadeado violento ataque.
Quando a zona provável de origem da flagelação se encontrava no enfiamento do través do navio testa, toda a margem, numa vasta extensão de cerca de 600 metros que abarcava todo o combóio, irrompeu num fogo intenso de armas, com metralhadora pesada e ligeira, pistolas-metralhadoras e bazookas visando, sem distinção, todas as unidades do combóio.
Quase de seguida, foi desencadeado ataque de morteiro com salvas contínuas de projecteis, algumas com o tiro bem regulado, outras com enquadramento sistematicamente longo, com as granadas a deflagrar para lá de meio do rio.
As unidades navais reagiram instantaneamente e, em conjunto, bateram sistematicamente com Bofors, Oerlinkon e MG 42 toda a área de ataque apoiadas pelos aviões T-6 que sobrevoavam a zona, picando em sucessão e metralhando o local de ataque.
A LFG, com máquinas a vante toda a força, interpôs-se entre o combóio e o fogo, protegendo a coluna e batendo cadenciadamente a margem com as peças Bofors de 40 mm apoiadas pelas MG 42 montadas nas asas da ponte, pelo fogo das LDM’s reforçadas pelos fuzileiros. A cadência de fogo de barragem provocava um ruído ensurdecedor e obrigava a arrefecer os canos das anti-aéreas Boffors com as mangueiras de água ligadas. Os invólucros de latão espalhavam-se fragorosamente pelo convés junto ás peças de vante e de ré.
Com alguma certeza e à medida que a navegação prosseguia, puderam contar-se diversas bocas de fogo de LGF postadas ao longo do percurso, possivelmente actuados por atiradores colocados em abrigos, bem como atiradores com armamento portátil. A intensidade de fogo e a extensão da frente inimiga permitiu estimar o grupo em mais de uma centena de homens, todos colocados junto à margem, deitados na bolanha ou em abrigos cavados. Observaram-se mesmo movimentação de alguns, dada a curta distância.
De Cafal, quase simultaneamente, foi feito fogo de canhão sem recuo, embora apenas três ou quatro disparos e mal direccionados. O campo de tiro a partir daquela zona, não era tão afectado pela limitação natural provocada pela diferença de altura das marés. Seria possível vir a enquadrar, no mesmo enfiamento, todas as unidades que navegassem no local, para montante ou para juzante, oferecendo ao inimigo condições quase ideais para interditar a passagem à navegação.
Provavelmente posicionado a cerca de 400 metros do combóio porquanto se ouvia distintamente o disparo, sentia-se o sopro do projécteis passando sobre as unidades para, decorrido tempo sensivelmente igual, rebentarem na margem oposta junto à água, na bolanha.
Na foz do rio Macobum, o combóio inflectiu o rumo para a margem contrária continuando a ser batido intensamente do lado de Cadique, sobretudo com metralhadora pesada e armas ligeiras, enquanto de Cafine rompia também fogo com armas automáticas e morteiro.
Entretanto a LFG, ao chegar àquela zona inverteu o rumo e manteve-se frente a Cafine, a efectuar a cobertura de protecção do combóio, voltando a fechar a cauda da coluna, batendo sistematicamente as posições do ataque e calando o inimigo pouco depois. Tinha decorrido uma longa hora e um quarto, sem quaisquer baixas mas com diversos impates nas embarcações e nas LDM’s.
Baixas prováveis no inimigo mas carecendo de confirmação.
Num esclarecimento muito pessoal, este texto representa também uma homenagem pessoal ao nosso Camarada da Reserva Naval, 2TEN RN Jorge Calado Marques, 8.º CEORN da Escola Naval, então o oficial imediato da LFG «Lira». Já falecido, eram dele os arquivos de som - tenho a fita original gravada através das vigias de vante - que me tinha cedido sem reservas, conjuntamente com o álbum de fotos pessoal. A imprevisibilidade do destino último que lhe tolheu o percurso de vida, impediu-me de lho devolver. Cuidarei de que um dia possa encontrar local e mãos correctas.
Tínhamos agendado um almoço em Coimbra que apenas veio a ter lugar, em sua memória, em 15 de Outubro de 2011, com 3 dos 4 oficiais imediatos do mesmo curso e que desempenharam idênticas funções, no decorrer de igual período, 1966/1968 nas LFG «Cassiopeia», LFG «Hidra» e LFG «Orion».
RIP Calado Marques!
Desta acção se replica acinma acima um pequeno extracto de um ficheiro de audio obtido numa dessas escoltas, em 4 de Abril de 1967 e abaixo publicada. O local, meios envolvidos e acções de fogo são reais, com relato recreado e adaptado de acções semelhantes com várias unidades navais e em várias datas; a LFG «Orion», cuja guarnição integrei dois anos, também ostentava na ponte a placa de honra do rio Cumbijã como várias outras unidades navais. Aqui os lembramos em bloco, guarnições de unidades navais, fuzileiros, aquartelamentos e também populações civis.
Estas linhas não pretendem estabelecer qualquer analogia com algum tratado de estratégia militar e são publicadas como simbólica homenagem a todas as guarnições de unidades navais que, ao longo dos anos, isoladamente ou em grupo, em escoltas a combóios navais, foram emboscadas violentamente naquele percurso do rio Cumbijã, entre a foz e o porto de Bedanda.
Ao longo dos 13 anos de guerra naquele teatro, a Marinha com o dispositivo naval disponível que incluia LFG – Lanchas de Fiscalização Grandes, LFP – Lanchas de Fiscalizadção Pequenas, LDG – Lanchas de Desembarque Grandes, LDM – Lanchas de Desembarque Médias e também LDP - Lanchas de Desembarque Pequenas, nunca retirou de qualquer rio ou bacia hidrográfica.
Em todas aquelas unidades e missões a Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa esteve sempre presente, comandando combóios, lanchas ou ainda integrando guarnições de outras unidades navais.
Com alguns riscos calculados de anteriores percursos e alguns imprevistos, as guarnições das unidades navais, sózinhas ou apoiadas por grupos de Fuzileiros de Destacamentos ou Companhias, cumpriram a difícil missão de manter o apoio logístico e militar a aquartelamentos e populações de toda aquela área da Guiné, bastando lembrar Catió, Cabedú, Cufar, Bedanda e Chugué.
Houve outros, ainda que para o cabal desempenho dessas missões fosse necessário enfrentar o temível “Cantanhês“ (também dito “Cantanhez“) com locais de redutos PAIGC que iam ganhando nomes lendários de que lembramos Catió, Cabedú, Cafine, Cadique, Caboxanque e Darsalame, entre outros.
Homenagem extensiva aos militares daqueles mesmos aquartelamentos, pelo apoio militar efectivo que nunca regatearam mas também sem esquecer a Camaradagem e Amizade como nos receberam, lembrando igualmente a Força Aérea que representou, muitas vezes, a diferença decisiva entre um combóio passar ou não de forma segura.
A LFG «Lira» a navegar para montante do rio Cumbijã
De 1965 e até meados de 1968, o dispositivo naval no Sul da Guiné incluía o estacionamento permanente de uma LFG - Lancha de Fiscalização Grande da classe «Argos» que, por um período de cerca de 12 dias, mais dia menos dia se mantinha-se em cruzeiro na área, fiscalizando e patrulhando as bacias hidrográficas dos rios Cumbijã e Cacine, no que era coadjuvada por uma ou duas LDM.
Decorrido aquele período era rendida por uma irmã gémea, efectuando-se normalmente a rendição a meio caminho de Bissau, a que regressava com a que ia iniciar o cruzeiro, ambas atracadas parcos minutos de braço dado, trocando informações e instruções importantes, pessoal cavaqueando novidades e também entregando o ambicionado correio recebido.
Mais a Norte, uma LFP - Lancha de Fiscalização Pequena da classe «Bellatrix», em conjunto com uma LDM, efectuava a fiscalização da área nos rios Tombali e Cobade. Aquelas unidades navais, partilhavam e complementavam o dispositivo naval da área garantindo a segurança da navegação, transportes de pessoas, bens e equipamentos, apoio à população civil e forças militares. Também o abastecimento de víveres e o escoamento de produtos agrícolas eram assegurados por aqueles meios.
Aos Destacamentos de Fuzileiros Especiais (Comandante), pertencia o comando de uma unidade territorial «TU» com responsabilidade nas bacias hidrográficas, dos rios Cacheu, Geba/Mansoa/Corubal, Grande de Buba/Tombali e Cumbijã/Cacine. Para o cabal desempenho dessa missão tinha atribuído um DFE, duas LDM e uma LDP. Contudo para operações/missões de maior envergadura podia ser reforçado com outros meios.
Com a frequência que a prática demonstrava como necessária, a Marinha constituia TUs (Task Units), no caso um conjunto de unidades navais e embarcações civis, essencialmente integradas por LDM e batelões que largavam de Bissau, iniciando o percurso para Sul, com escala e horários previamente definidos para várias localidades e aquartelamentos.
No rio Cumbijã, a LFG «Lira» bate a margem com fogo Bofors da peça de vante
Normalmente a frequência era mensal. Bolama, o ponto TT (confluência dos rios Tombali e Cobade, Catió, o ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã), Cabedu, Impungueda (que servia o aquartelamento de Cufar), Bedanda (porto interior) e ainda Cacine e Gadamael eram escalas habituais, embora alguns destes locais fossem aportados pelas LDG - Lanchas de Desembarque Grandes que, pelo seu porte e complexa manobrabilidade, não tinham acesso a todos eles.
Para comandar o combóio naquelas missões era nomeado um oficial de uma Companhia de Fuzileiros ou da Esquadrilha de Lanchas, quer dos QP ou da Reserva Naval, com uma ou duas esquadras de fuzileiros que reforçavam o dispositivo de protecção e defesa do combóio em pessoal e armamento.
Em percursos de maior risco de acções hostis, caso do rio Cumbijã, na zona do Cantanhês, a escolta integrava, nessa área de maior perigo de ataque, uma LFG -Lancha de Fiscalização Grande da classe «Argos» deslocada do habitual cruzeiro na área do rio Cacine que, por norma e como mais antigo, assumia o comando da escolta (CTU), completada pelo apoio da Força Aérea uma parelha de aviões Harvard T-6.
Naquele dia, 4 de Abril de 1967, cumprida a rota de ida sem incidentes, iniciou-se então a viagem para juzante, em postos de combate, com o apoio da aviação, rumo à confluência dos rios Cumbijã e Cobade, comboiando duas embarcações civis carregadas com arroz proveniente de Bedanda.
Rio Cumbijã, LFG «Lira» - No convés, junto à peça Bofors de vante,
os invólucros de latão espalhavam-se fragorosamente...
os invólucros de latão espalhavam-se fragorosamente...
Tanto embarcações civis como unidades navais navegavam estrategicamente em coluna com uma LDM na testa e a outra na cauda do combóio, aproveitando a maré na vazante com os batelões encaixados a meio da coluna. Cada uma das embarcações civis levava uma guarda de fuzileiros constituída por 4 elementos. Comunicações em cima.
A LFG «Lira», em cruzeiro na área e vinda do rio Cacine para o Cumbijã para apoio e escolta ao combóio, mantinha-se interposta entre a cauda do combóio e a margem, ligeiramente caída para ré. Com cerca de um quarto de hora de navegação, para juzante, ouviu-se fogo de rajada de metralhadoras ligeiras da margem esquerda.
A LDM da frente informou serem de flagelação inimiga pela amura de BB, sem que fosse possível localizar correctamente a origem. Foram dadas instruções para manter o silêncio de fogo para que, visualmente, fossem melhor localizadas as armas, pela chama à boca, evitando manobras de diversão do inimigo com o intuito de desviar a atenção do centro de fogo principal, instalado mais a montante.
O desenrolar dos acontecimentos veio corroborar a hipótese!
Pelas características hidrográficas do rio Cumbijã, na curva frente a Cadique, delimitando um estreito canal de navegação existente, o combóio via-se forçado a navegar a uma distância de 30 a 40 metros da margem. Precisamente nessa zona, numa extensão de cerca de milha e meia, foi desencadeado violento ataque.
Quando a zona provável de origem da flagelação se encontrava no enfiamento do través do navio testa, toda a margem, numa vasta extensão de cerca de 600 metros que abarcava todo o combóio, irrompeu num fogo intenso de armas, com metralhadora pesada e ligeira, pistolas-metralhadoras e bazookas visando, sem distinção, todas as unidades do combóio.
Quase de seguida, foi desencadeado ataque de morteiro com salvas contínuas de projecteis, algumas com o tiro bem regulado, outras com enquadramento sistematicamente longo, com as granadas a deflagrar para lá de meio do rio.
No final da escolta ao combóio naval,
um avião Harvard T6 sobrevoa a LFG «Lira» pelo través de bombordo.
um avião Harvard T6 sobrevoa a LFG «Lira» pelo través de bombordo.
As unidades navais reagiram instantaneamente e, em conjunto, bateram sistematicamente com Bofors, Oerlinkon e MG 42 toda a área de ataque apoiadas pelos aviões T-6 que sobrevoavam a zona, picando em sucessão e metralhando o local de ataque.
A LFG, com máquinas a vante toda a força, interpôs-se entre o combóio e o fogo, protegendo a coluna e batendo cadenciadamente a margem com as peças Bofors de 40 mm apoiadas pelas MG 42 montadas nas asas da ponte, pelo fogo das LDM’s reforçadas pelos fuzileiros. A cadência de fogo de barragem provocava um ruído ensurdecedor e obrigava a arrefecer os canos das anti-aéreas Boffors com as mangueiras de água ligadas. Os invólucros de latão espalhavam-se fragorosamente pelo convés junto ás peças de vante e de ré.
Com alguma certeza e à medida que a navegação prosseguia, puderam contar-se diversas bocas de fogo de LGF postadas ao longo do percurso, possivelmente actuados por atiradores colocados em abrigos, bem como atiradores com armamento portátil. A intensidade de fogo e a extensão da frente inimiga permitiu estimar o grupo em mais de uma centena de homens, todos colocados junto à margem, deitados na bolanha ou em abrigos cavados. Observaram-se mesmo movimentação de alguns, dada a curta distância.
Rio Cumbijã, LFG «Lira» - Um Mar A apontador apoia a acção com a MG 42 de estibordo
De Cafal, quase simultaneamente, foi feito fogo de canhão sem recuo, embora apenas três ou quatro disparos e mal direccionados. O campo de tiro a partir daquela zona, não era tão afectado pela limitação natural provocada pela diferença de altura das marés. Seria possível vir a enquadrar, no mesmo enfiamento, todas as unidades que navegassem no local, para montante ou para juzante, oferecendo ao inimigo condições quase ideais para interditar a passagem à navegação.
Provavelmente posicionado a cerca de 400 metros do combóio porquanto se ouvia distintamente o disparo, sentia-se o sopro do projécteis passando sobre as unidades para, decorrido tempo sensivelmente igual, rebentarem na margem oposta junto à água, na bolanha.
Na foz do rio Macobum, o combóio inflectiu o rumo para a margem contrária continuando a ser batido intensamente do lado de Cadique, sobretudo com metralhadora pesada e armas ligeiras, enquanto de Cafine rompia também fogo com armas automáticas e morteiro.
Rio Cumbijã - A LFG inverte o rumo e interpôe-se entre a margem e o combóio
Entretanto a LFG, ao chegar àquela zona inverteu o rumo e manteve-se frente a Cafine, a efectuar a cobertura de protecção do combóio, voltando a fechar a cauda da coluna, batendo sistematicamente as posições do ataque e calando o inimigo pouco depois. Tinha decorrido uma longa hora e um quarto, sem quaisquer baixas mas com diversos impates nas embarcações e nas LDM’s.
Baixas prováveis no inimigo mas carecendo de confirmação.
Em cima os 2TEN RN Manuel Sousa Santos - LFG «Cassiopeia», 2TEN RN Abílio Martins Silva - LFG «Hidra» e 1TEN RN Manuel Lema Santos - LFG «Orion» e, em baixo, as respectivas Senhoras.
Num esclarecimento muito pessoal, este texto representa também uma homenagem pessoal ao nosso Camarada da Reserva Naval, 2TEN RN Jorge Calado Marques, 8.º CEORN da Escola Naval, então o oficial imediato da LFG «Lira». Já falecido, eram dele os arquivos de som - tenho a fita original gravada através das vigias de vante - que me tinha cedido sem reservas, conjuntamente com o álbum de fotos pessoal. A imprevisibilidade do destino último que lhe tolheu o percurso de vida, impediu-me de lho devolver. Cuidarei de que um dia possa encontrar local e mãos correctas.
Tínhamos agendado um almoço em Coimbra que apenas veio a ter lugar, em sua memória, em 15 de Outubro de 2011, com 3 dos 4 oficiais imediatos do mesmo curso e que desempenharam idênticas funções, no decorrer de igual período, 1966/1968 nas LFG «Cassiopeia», LFG «Hidra» e LFG «Orion».
RIP Calado Marques!
Fontes:
Texto imagens de arquivo do autor compilados apartir do Arquivo de Marinha, Coloredo, Núcleo 236A; cedência de imagens e ficheiro de audio pelos 1TEN Carlos F. Dias Souto (CMG), 2TEN RN Jorge Manuel Calado Marques e Mar A Fernando Oliveira, à época, respectivamente Comandante, Imediato e Apontador da peça de vante da LFG «Lira»; "Anuário da Reserva Naval 1958-1975", Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, Lisboa, 1992;
Texto imagens de arquivo do autor compilados apartir do Arquivo de Marinha, Coloredo, Núcleo 236A; cedência de imagens e ficheiro de audio pelos 1TEN Carlos F. Dias Souto (CMG), 2TEN RN Jorge Manuel Calado Marques e Mar A Fernando Oliveira, à época, respectivamente Comandante, Imediato e Apontador da peça de vante da LFG «Lira»; "Anuário da Reserva Naval 1958-1975", Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, Lisboa, 1992;
mls
Sem comentários:
Enviar um comentário