11 dezembro 2017

Guiné - Navegação de Cabotagem e Batelões


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 26 de Agosto de 2010)

Poucos militares que cumpriram missões na Guiné, especialmente da Marinha, terão esquecido totalmente um sem número de embarcações à vela, com motor ou simples batelões, que integravam a navegação de cabotagem na Guiné.

Numa passagem, em toda a extensão da avenida marginal entre a ponte-cais em T e as Instalações Navais de Bissau – INAB, fácil era visualizá-las com silhuetas variadas, atracadas ou amarradas à bóia, em faina de carga ou descarga entre o cais e o Pijiguiti.




Na sua maioria, salvo algumas excepções, eram propriedade de armadores que se identificavam com as principais casas comerciais que efectuavam os transportes de pessoas e bens entre portos daquele território numa complexa logística indispensável à vida económica daquele teatro.

António Silva Gouveia, Barbosas & Comandita, Fernando S. Correia, Sociedade Comercial Ultramarina são nomes que ficaram ligados não só ao comércio da Guiné em geral mas também às lojas de venda a retalho, em Bissau e noutras localidades, em que populações e militares se abasteciam regularmente.




Angola, Binta, Bigene, Cacheu, Cacine, Correia, Gouveia, Guadiana, Portugal, Rio Tua, Sta Comba, são alguns dos nomes entre muitos outros de embarcações que se inscreveram na história da guerra da Guiné, parte integrante da responsabilidade da Marinha no garante do apoio à logística global daquele território.

Os registos (oficiais) ressalvam, em escrita a encarnado, as embarcações que de que os “terroristas” se apoderaram assim como algumas fotografias em falta no registo.

Assim se publicam as fotos existentes da maioria das embarcações e daremos conta de algumas das acções da Marinha bem sucedidas. Evitaram a utilização continuada de algumas de que o inimigo de então se apoderou.




Em cima, «Angola», «Barreiros», «Bico» e «Bigene»; em baixo, «Bihé», «Binta»,
«Cabo São Vicente» e «Cacheu»





Cada imagem de embarcação ou batelão encerra, em si própria, uma história diferente de todas as outras. Um desfilar de factos diferenciados de cada um dos outros, personalizado em diferentes situações vividas, nas missões que lhes foram atribuídas pelos proprietários e armadores, ao serviço de uma logística dura e repetitiva.

Tarefa insubstituível numa economia pobre, maioritariamente dependente do abastecimento de produtos vindos do exterior e do retorno, pela exportação, dos excedentes de uma produção agrícola limitada ao arroz, mancarra (amendoim), óleo de palma e coconote.




Em cima, «Cacine», «Calequisse», «Canchungo» e «Chegado»; em baixo, «Corneille», «Correia I»,
«Correia II» e «Douro»




Alguns produtos agrícolas de subsistência como a mandioca, batata-doce, banana, feijão, milho, laranja e manga, outros de pecuária como gado bovino, caprino e suíno, e a exploração de alguns tipos de madeiras, completavam a actividade económica.




«Damasco» e «Monte Murtosa»

Toda a população do litoral, bem como a que se fixava na margem dos rios se dedicava à pesca. Os cursos de água e as bacias hidrográficas possuíam abundantes recursos piscatórios, com centros em Bissau, Bolama, Cacheu e nos Bijagós. Embora dispondo de uma frota pesqueira artesanal garantiam o regular abastecimento das populações.



Em cima, "Evangelista", "Farim", "Gaivota" e "Geba"; em baixo, "Guadiana", "Gouveia 15",
"Gouveia 16" e "Gouveia 17".



As licenças para a pesca artesanal, atribuídas com regulamentação própria e definindo áreas de permissão, foram sempre fiscalizadas pelas unidades navais da Marinha de Guerra conforme os locais por onde, aleatoriamente, navegavam e patrulhavam, repartidas pelas diferentes missões atribuídas naquela província.

A quase totalidade dos transportes marítimos logísticos de abastecimento e escoamento de produtos, entre portos, foi sempre organizado pelo Comando de Defesa Marítima da Guiné com o apoio da Esquadrilha de Lanchas que procedia ao seu enquadramento, numa planificação que tinha em conta necessidades, prioridades, locais, horários das marés e unidades a utilizar em função da avaliação dos riscos corridos quanto a emboscadas e ataques possíveis do inimigo.




Em cima, «Lisboa», «Mansoa», «Maria Augusta» e «Maria Gorete»; em baixo, «Minho», «Mondego»,
«Murtosa» e «Pardelhas»




Por norma, eram organizados combóios com uma ou várias embarcações e batelões, invariavelmente apoiadas por LDM reforçadas por Fuzileiros de Companhias ou Destacamentos.

Estes combóios eram normalmente comandados por oficiais subalternos dos Quadros Permanentes ou da Reserva Naval e, em zonas de risco considerado acrescido, a escolta era reforçada por uma LFP ou mesmo ainda por uma LFG. Quando julgado necessário era solicitado apoio aéreo em alguns troços do percurso a efectuar.




Em cima, «Pecixe», «Portuense», «Portugal» e «Rajá»; em baixo, «Regina Maria», «Rio Douro»,
«Rio Tua» e «Sado»




Os rios Cacheu e Cumbijã foram paradigmáticos em situações de combate desencadeadas por um PAIGC agressivo que, de forma sistemática, emboscava e flagelava embarcações comerciais e unidades navais sempre que possível, obrigando a mobilizar meios e criando a noção de insegurança permanente nas guarnições dos transportes efectuados.

Na memória de cada elemento das tripulações das embarcações listadas, elemento da população ou militar do exército transportado, militar da FAP que tenha efectuado apoios aéreos e das guarnições das unidades navais que as escoltaram ou ainda fuzileiros que tenham integrado essa escoltas, haverá episódios marcantes, outros bizarros e alguns dramáticos.




Em cima, «Sagres», «Sta Comba», «Sta Maria» e «Tagus»; em baixo, «Tejo», «Torreira»,
«Uracane» e «Vencedor»




Deslumbramento pelos percursos efectuados, convívios e vivências únicas havidas, mas também o sofrimento ou a morte que chegou das margens, sem destinatário definido mas sempre com o mesmo remetente.

Fácil será a cada um perder-se na repetida leitura da listagem das embarcações, recordando algumas das escoltadas em missões isoladas sem qualquer outra ligação e os nomes de outras desfilarem sem nenhum facto especialmente significativo lembrarem.




«Vouga» e «BZé Carlos»

Muitas delas, como para as unidades navais, foram igualmente vítimas das emboscadas das margens. Sem danos de maior na maioria das vezes, atingidas algumas e gravemente danificadas outras, com feridos e perdas de vidas.

Na sua maioria, também elas tiveram um quinhão na guerra da Guiné. Recordo especialmente o Guadiana.




Fontes:
Texto do autor do blogue com fotos originais do Arquivo da Marinha, digitalizadas e adaptadas pelo autor;


mls

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