10 fevereiro 2018

Reserva Naval na Classe «Cacine»- Parte I


Os navios-patrulha classe «Cacine»-Parte I

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 19 de Junho de 2010)


Desta vez, em vez de abordar directamente um descritivo sobre a normal integração de oficiais da Reserva Naval nas guarnições dos navios da classe Cacine, entendo ter sentido tecer algumas considerações prévias.

São observações meramente pessoais e, como tal, subjectivas. Talvez devam ser consideradas como meras conjecturas filosóficas de um antigo oficial da Reserva Naval que desempenhou as funções de oficial imediato da LFG «Orion», na Guiné.

O decorrer do tempo tem vindo a criar-me uma acrescida predisposição para estabelecer comparativos entre os dois tipos de unidades navais e questionar algumas vertentes de menor entendimento pessoal. Congratular-me-ei com algum interesse que possa vir a despertar em quem integra, ou integrou, guarnições em navios-patrulha da classe «Cacine».



O navio-patrulha «Cacine» a navegar

Em 1975, com o final da Guerra do Ultramar, houve como que um súbito desaparecimento de uma classe inteira de navios – os dez navios da classe «Argos». Duas delas, as LFG «Cassiopeia» e «Sagitário», muito degradadas e já algo canibalizadas, foram afundadas na Guiné, 104 milhas a oeste de Bissau.

Com as LFG «Lira» e «Orion» a navegar, as LFG «Argos», LFG «Dragão» e LFG «Hidra» rebocadas pelo «Schultz Xavier» e ainda as LDG «Alfange» e LDG «Ariete», todas estas unidades integradas na que foi apelidada de “Incrível Armada – Missão de Reboque”, foram escoltadas pela corveta «António Enes» até Angola. Ali foram entregues, desarmadas e abatidas, juntando-se às que lá estavam, as LFG «Pégaso» e LFG «Centauro» ou lá foram ter mais tarde, como a LFG «Escorpião».

Não houve adaptação progressiva ao envelhecimento das unidades atracadas, com desarmamento gradual por fases e abate progressivo numa rotineira habituação visual típica de uma base naval em que, mais dia menos dia, acabariam como sucata num ferro velho.

Dos navios–patrulha da classe «Cacine» foram fabricadas dez unidades, sucessores naturais das LFG – Lanchas de Fiscalização Grandes da Classe «Argos», com igual número de unidades produzidas, arquitectura de construção muito semelhante e com as quais mantiveram ainda uma larga coexistência no tempo. Não cá, mas em África, sobretudo em Angola.



A LFG «Escorpião» a navegar nas águas de Cabo Verde

Excepção para a Guiné, onde os navios-patrulha «Quanza» e «Zambeze» efectuaram curtas comissões. O primeiro, entre Julho de 1973 e Outubro de 1974 com uma curta interrupção em que esteve em Cabo Verde. Regressou depois ao Continente. O segundo, em 24 de Abril de 1974 ali rumou tendo participado em diversas missões em Cacine, patrulhamento na costa e fiscalização da pesca. Em Maio regressou a Cabo Verde e ali permaneceu até regressar a Portugal em Fevereiro de 1975.

A primeira destas unidades, com aquele nome, foi aumentada ao efectivo em 6 de Maio de 1969. Era então Comandante Naval do Continente e da Base Naval de Lisboa o Vice-Almirante Ferrer Caeiro. Embora não recorde a cerimónia, foram muitas ao longo de dois anos, onde estive presente. Penso que terei estado no Arsenal do Alfeite uma vez que fui ajudante de ordens daquele oficial general durante aquele período de tempo.

Não tenho conhecimento do critério que presidiu à escolha e atribuição de nomes aos navios da classe «Cacine» mas, uma vez seleccionado o de rios das ex-províncias ultramarinas, eu teria escolhido um nome do mais emblemático teatro de guerra – a Guiné, de onde elegeria o Cacheu, por tudo quanto aquele curso de água significou, durante uma dúzia de anos, para todo o dispositivo naval da Marinha.

Existindo ao tempo, ainda no efectivo, uma corveta com o nome Cacheu, esse facto tornaria impeditiva a sua utilização. Parece-me excessivamente fácil optar por Cacine em segunda escolha talvez porque, depois do Cacheu, não havia outra alternativa válida na minha perspectiva de "utente” de uma LFG –Lancha de Fiscalização Grande, naquele cenário.




O navio-patrulha «Quanza» em S. Vicente de Cabo Verde

Justificam-no as muitas horas por nós ali navegadas, as arriscadas idas a Cameconde, as marcas dos ferros em quase todos os pontos do rio que permitiam fundear, um aquartelamento e povoação com o mesmo nome que sempre encontraram na Marinha o apoio para rechaçar as morteiradas da margem oposta, a ponta Campeane no Quitafine com a sinistra península de Canefaque, onde os ameaçadores “Canhões de Navarone” visavam frequentemente, de Cassumba e Cassantene, a entrada da barra do rio, obrigando a demandar a barra norte e com ocultação de luzes.

Começa a ser frequente tropeçar em quem não saiba o que é, e onde é, o rio Cacine, ou qualquer outro dos nomes escolhidos para os dez navios-patrulhas mas, para as guarnições das LFG, LDG, LFP, LDM, LDP, DFE e CF, de algumas fragatas, corvetas e navios hidrográficos, as águas daquele rio da Guiné e também dos outros cursos de água, guardam vivências únicas, povoando ainda hoje memórias históricas de factos ocorridos há quase meio século.

Raciocínio análogo se aplica para Angola, Moçambique, S. Tomé, Cabo Verde e Índia. A sequência de nomes de rios é natural. «Geba», ainda na Guiné, «Cunene», «Quanza» e «Zaire» em Angola, «Rovuma», «Zambeze», «Limpopo» e «Save» em Moçambique e «Mandovi» na Índia, ainda que não seja esta a ordem correcta por que foram aumentados ao efectivo dos navios da Armada aquele conjunto de unidades navais.

Ficarão para a história as atribulações da ortografia do nome do navio «Quanza» que, desde antes do aumento ao efectivo, tem sido de permanente controvérsia. Para quem pretenda um esclarecimento complementar, mesmo em locais de comunicação oficial, não será fácil rectificar ou ratificar quer "Quanza" quer "Cuanza". Afinal sempre são palavras homófonas e, para quem ouve, não existe qualquer diferença. Pessoalmente fico-me por "Quanza", como sempre escrevi.

Para navios de concepção tão semelhante aos da classe «Argos», nos planos de construção naval, nas características gerais, no armamento, nos equipamentos e máquinas propulsoras, sobressaem, nas diferenças, os cerca de seis metros adicionais do comprimento, fora a fora.



Guiné - A LFG «Orion» no rio Cacheu

Para missões idênticas e desempenhadas nos mesmos cenários e onde ainda coexistiram ambas as classes, caso específico de Angola, não será tão linear quanto isso, compreender o porquê da inclusão de mais um oficial, dois sargentos e três praças na guarnição.

Na Guiné, parece-me estar fora de causa qualquer comparativo no esforço exigido às guarnições, pelo tempo de permanência quer a bordadas quer em postos de combate, ou até à especial dificuldade das condições de navegação em muitos pontos do território. Não seria então escassa a guarnição das LFG «Argos»?

Frequentemente, quando são abordadas como tema as LFG da classe «Argos» a amplitude de conhecimento apenas chega com facilidade até às novas Lanchas de Fiscalização Rápidas «Argos». Mais remotamente, a confusão com a classe «Cacine» é inevitável. Convenientemente exposta, talvez uma miniatura em madeira de uma LFG «Argos», existente no Museu da Marinha e que já visualizei, pudesse auxiliar a memória histórica daquela época.


(continua)

Fontes:
Texto compilado peloo autor do blogue com imagens da Revista da Armada; Setenta e Cinco Anos no Mar, Comissão Cultural da Marinha 10.º e 15.º Vols, 1999/2004; Ordem Da Armada, 1.ª Série;


mls

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