21 janeiro 2019

Reserva Naval no NTM "Creoula" em 24 Setembro 2011 - Organização AORN (Parte I)


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 7 de Janeiro de 2012)

NTM «Creoula» e Reserva Naval (Parte I)




NTM «Creoula»

Introdução

0 NTM «Creoula» é um lugre de quatro mastros. Construído no início de 1937 nos estaleiros da CUF para a Parceria Geral de Pescarias, o navio foi lançado à água no dia 10 de Maio a efectuou ainda nesse ano a sua primeira campanha de pesca. Um número a reter é o facto de o navio ter sido construído no tempo recorde de 62 dias úteis.
As obras-vivas a vante, com particular destaque para a roda de proa, tiveram construção reforçada uma vez que o navio iria navegar nos mares gelados da Terra Nova e Gronelândia.
Até à sua última campanha em 1973, o navio possuía mastaréus, retrancas e caranguejas em madeira. O gurupés, conhecido como « pau da bujarrona», que também era em madeira, deixou de existir em 1959, passando o navio a dispor apenas de duas velas de proa: giba e polaca.
As velas que agora são em dacron, material sintético mais leve e mais resistente, eram na altura feitas de lona de algodão, possuindo o navio duas andainas de pano, que eram manufacturadas pelos próprios marinheiros de bordo. O pano latino era feito com lona de algodão n° 2, o velacho (redondo) com lona de algodão n° 4 e as extênsulas com algodão n° 7, o mais resistente. As tralhas das velas eram em cabo de manila. Quanto ao aparelho fixo, esse sempre foi em aço, mas o de laborar era outrora em sizal.
O espaço que medeia hoje entre a zona da coberta de vante (coberta das praças) e a casa da máquina, era na época o porão do peixe e em cujos duplos fundos se fazia a aguada do navio. O navio estava assim dividido em três grandes secções por duas anteparas estanques que delimitavam, a vante e a ré, o porão do peixe. A vante do porão ficavam os alojamentos dos pescadores, o paiol de mantimentos e as câmaras frigoríficas para o isco; a ré, os alojamentos dos oficiais, a casa da máquina, os tanques do combustível, o paiol do pano e aprestos de pesca. Tinha ainda nos delgados de vante e de ré vários piques utilizados como reserva de aguada, armazenamento de óleo de fígado, carvão de pedra para o fogão e óleos lubrificantes.
Todo o interior do navio era revestido a madeira de boa qualidade e o porão calafetado para evitar o contacto da moura com o ferro.
O mastro de vante (traquete) servia de chaminé à caldeirinha e ao fogão a carvão, fogão este que se encontra hoje no Museu Marítimo de Ílhavo

In: https://www.marinha.pt/pt



Nota do autor:

Quando comecei a escrever este texto, tinha a ideia de que ia suceder o inevitável que mais não é do que, nas linhas rascunhadas, navegar ao sabor de um hipotético vento ou encapelado mar. Num dia inicialmente pardacento que virou excelente tarde soalheira, aquele figurino de tempo não passou de mera imaginação ao serviço de memórias que não consigo evitar quando percorro os diferentes molhes da Base Naval de Lisboa. Desculpas de um Reserva Naval que não consegue apagar no tempo a herança cultural de uma grada fatia de formação complementar adquirida e sedimentada naquelas casas, quer sob o ponto de vista académico quer como pessoa e como homem.

Parafraseando Álvaro de Campos, in «Ode Marítima”, Lisboa, 1915:

“As viagens agora são tão belas como eram dantes
E um navio será sempre belo só porque é um navio”





A AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval com o apoio da Marinha, organizou um embarque no NTM «Creoula» que teve lugar em 24 de Setembro de 2011. Desta feita, num pormenor complementar de requinte institucional, embarcaram igualmente o Chefe de Gabinete do CEMA, Contra-Almirante Francisco Braz da Silva e um oficial, primeiro-tenente médico naval, não fossem os balanços de mar cavado, o içar do velame ou a escalada pelos enfrechates criar problemas às articulações dos veteranos.




O Chefe de Gabinete do CEMA, Contra-Almirante Francisco Braz da Silva e o oficial primeiro-tenente médico naval que o acompanhou

Jornada quase obrigatória, como parte do planeamento anual de eventos a levar então a cabo pela Associação, reunia os condimentos necessários para que os antigos “marinheiros” da Reserva Naval regressem ao ambiente e fainas do mar sem que a veterania viesse a pesar negativamente nas memórias, sempre revividas na ocasião.

Foi proporcionada aos sócios e familiares da AORN um embarque naquele antigo lugre bacalhoeiro de quatro mastros, depois de uma concentração junto ao Portão Verde do Laranjeiro com transporte em autocarro até à Base Naval de Lisboa, no Alfeite. Sessão de cumprimentos finalizada, reencontros diversos testemunhados, os participantes dirigiram-se para o cais de embarque onde estava acostado o navio.




Embarque que não evitou que, pelo caminho, ao longo do cais, à esquerda e à direita, se fossem mirando e identificando outras unidades navais, onde alguns oficiais da Reserva Naval terão ocasionalmente embarcado ou prestado serviço. Visíveis o navio-escola «Sagres» o navio abastecedor «Bérrio», além de outros unidades navais onde se destacavam fragatas e navios-hidrográficos, reacendendo memórias incontornáveis ainda que fugazes.




Adormecidas nos pontões respectivos, lá estavam as corvetas «João Roby» - F487 e «António Enes» – F471 que viram nos anos 70, pela primeira vez, as águas onde navegaram.




A corveta «João Roby» participou, no final do ano de 1975, em diversas acções na ilha de Ataúro, em Timor, onde estava estacionada, aquando da invasão daquele território pela forças da Indonésia. Juntamente com a corveta «Afonso Cerqueira» que rendeu, foram as duas últimas unidades navais a abandonar aquela antiga possessão portuguesa no final daquele ano.




Na «António Enes», em comissão de 1973 até final de 1974, prestou serviço o 2TEN RN Álvaro Eduardo Osório de Meneses Bastos do 22.º CFORN que, no final do curso, após o juramento de bandeira e promoção, ali prestou serviço a partir de Outubro de 1973.

Esta corveta escoltou a célebre "Incrível Armada" constituída pelo navio-balizador «Schultz Xavier» rebocando as LFG «Argos», LFG «Dragão» e LFG «Hidra». Integraram também aquele combóio naval as LFG «Lira» e LFG «Orion» a navegarem por meios próprios e ainda as LDG«Ariete» e LDG «Alfange».

Em 3 de Dezembro de 1974 deixaram Porto Grande na ilha de S. Vicente de Cabo Verde, rumo a Angola onde atracaram no cais de Luanda depois de escalarem S. Tomé, percorridas 2.900 milhas ao longo de 19 dias de navegação.




Lá estavam acostados também os navios-patrulha «Zaire» – P1146 e «Cuanza» – P1144, navios da classe «Cacine», construídos em número total de dez unidades a partir de 1969.

Como apontamento pessoal, estive no Arsenal do Alfeite em 6 de Maio de 1969, data da entrega do NRP «Cacine», já que desempenhava as funções de ajudante de ordens do Almirante Francisco Ferrer Caeiro, então Comandante Naval do Continente e que esteve presente na cerimónia de lançamento da primeira unidade naval daquela classe.

Neles, algumas dezenas oficiais da Reserva Naval, de vários cursos, ali prestaram serviço nos teatros de Angola, Guiné, Cabo Verde ou também no Continente e Ilhas, mesmo de cursos alistados depois de 1975.

Importante referir que substituiram a anterior geração das LFG - Lanchas de Fiscalização Grandes da classe «Argos», construídas entre 1963 e 1965, especificamente para a Guerra do Ultramar e em igual número. Cerca de sete dezenas de oficiais da Reserva Naval nelas desempenharam as funções de oficiais Imediatos.




"Neta e Avó", em cima, a LFR «Sagitário» (de 2001) atracada no Alfeite e, em baixo, a LFG «Sagitário» (de 1965) a navegar no rio Cacheu, próximo de Ganturé, no ano de 1971



Já foi possível encontrar ali as descendentes, agora «netas» daquela geração anterior, as Lanchas de Fiscalização Rápida, LFR «Dragão» – P1151, LFR «Sagitário» – P1158 e LFR «Orion» – P1156.

Foram baptizadas com os mesmos nomes mas divididas em duas classes diferentes: a classe «Argos» com as LFR «Argos», LFR «Dragão», LFR «Escorpião», LFR «Cassiopeia» e LFR «Hidra» aumentadas ao efectivo em 1991, e a classe «Centauro» com as LFRLFR «Centauro» em 2000, e as LFR LFR «Sagitário», LFR «Hidra» e LFR «Orion» , estas em 2001.

Seria previsível adivinhar, num futuro próximo, o baptismo de uma outra e talvez última nova LFR «Lira», única com o nome em falta, para a renovação familiar completa das dez unidades navais aumentadas ao efectivo três a quatro décadas depois da anterior classe «Argos». Até hoje nunca veio a verificar-se. Terá havido alguma razão especial para a exclusão deste nome nas novas LFR?




"Neta e Avó", em cima a LFR «Orion» (2001) atracada no Alfeite e, em baixo, a LFG «Orion» (1964) a navegar frente ao Terreiro do Paço, antes de seguir para a Guiné



Manuel Lema Santos
8.º CEORN


(continua)




Fontes:
Texto e imagens de arquivo do autor do blogue; Setenta e Cinco Anos no Mar, Comissão Cultural da Marinha, Vols 8.º, 10.º e 15.º, Lisboa; imagens cedidas pelo Museu de Marinha (NTM «Creoula»), Comandante Adelino Rodrigues da Costa (LFG «Sagitário»), Revista da Armada (LFG «Orion»);


mls

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