(Post reformulado a partir de outro já publicado em 6 de Agosto de 2013)
Angola - Uma abordagem Reserva Naval ao Chilombo e Lumbala
Nunca pisei solo de Angola.
Como tal, remeto-me a uma humilde ignorância que essa realidade me impõe da terra, das gentes, das vivências e dos sentires. Durante dois anos ali residiu uma irmã minha casada com um oficial da FAP que cumpria o SMO, mas nem essa vivência familiar me trouxe especial valor acrescentado ao conhecimento de Angola.
Ainda assim, gostaria de disponibilizar algum conhecimento adquirido ao longos dos anos, nas pesquisas efectuadas, nos contactos havidos e na documentação ou imagens cedidas por Camaradas que ali desempenharam missões e a quem deixo aqui expresso o meu público agradecimento.
Em Unidades Navais, Destacamentos ou Companhias de Fuzileiros participaram em múltiplas e complexas missões, muito para além do que é comum cingir-se à ideia do conceito de guerra, combates e operações militares. Apoio social e humano a populações carenciadas, incluindo assistência médica, estiveram sempre presentes no espírito de todos os que ali cumpriram comissões.
Neste meu aprendizado pessoal, fui obrigado a retroverter muitos dos vocábulos que trazia do meu "Prontuário Ortográfico Guiné", começando pela universal Tabanca.
Em dialecto gentílico, Kimbo no distrito do Moxito, com sede na cidade do Luso, entendia-se como um aldeamento indígena ou aglomerado de cubatas. Cada habitação era construída com paredes de argila convenientemente amassada e comprimida numa estrutura de troncos de madeira com cerca de 15 cm de diâmetro, ligados entre si por lianas entrelaçadas.
Depois de cobertas com capim penteado com as mãos adquiriam, umas a forma cónica e outras com quatro abas, conferindo àquelas habitações isolamento térmico natural e um conforto que ajudava a enfrentar aquele agressivo clima tropical.
Em cima, aspecto geral do "Kimbo" junto ao aquartelamento de Fuzileiros no Chilombo, Zambeze e,
em baixo, pormenor da construção
em baixo, pormenor da construção
Sobre Angola, fiquei-me pelos magros ensinamentos que colhi de uma disciplina liceal de Geografia, com encurtado conhecimento adquirido pela minha pouca apetência para a matéria. Densa, monótona e pouco motivadora de dedicada atenção e estudo por parte dos alunos, eu incluído.
E, meu Deus, como se notava a falta de “bonecos” esclarecedores daquela embrulhada de nomes. Que necessidade sentia de uma qualquer banda desenhada a explicar melhor onde nascia o Quanza ou porque é que o Zambeze corria de Angola para Moçambique. Havia mapas, mas eram muito silenciosos e estavam plasmados nas paredes.
Que, para nós, numa visão descomprometida de ensino, ler e interpretar com correcção, fazia-se com o Cavaleiro Andante, o Mosquito ou o Zôrro. Não havia linha que não fosse bem compreendida sem qualquer dificuldade. Épicas aventuras, letras a legendar os balões, cores e sombras da bonecada diversa entranhavam-se-nos no espírito, suspensos no tempo à espera do próximo número.
A Geografia não tinha história, enredo nem personagens que encaixassem no nosso ideário aventureiro. Não era fácil sonhar com aquela complicada delimitação de território, quer a norte, quer nos outros lados todos. Sim, porque havia sempre mais uma série de lados a que chamavam limites geográficos, cujo destino óbvio era o simples empinanço.
Perfilavam-se em seguida as províncias, clima, principais elevações e rios, cidades e portos, estradas e caminhos de ferro, actividades económicas. Um sem fim de prolongado sacrifício, quase pesadelo, para culminar num debitar papagueado em duas ou três páginas de pontos com datas marcadas. Depois, a revisão e a espera das notas com umas chamadas a meio, num constante martírio.
No meio de uma confusa e escassa memorização de um outro tempo de permanência de Portugal em África, ainda registei os nomes de algumas regiões, como os planaltos do Congo, Benguela, Huila, Malange e Bié. Alguns nomes, ditos por esta ordem e penso que era assim, soavam-me bem.
Disparava-se esta metralha, tipo rajada e pronto, estava certo.
O saliente do Cazombo, Lumbala e o Chilombo, na região do Moxico, representaram sempre para mim uma espécie de silêncio cultural.
O saliente do Cazombo, Lumbala e, a norte, o Chilombo
Depois, havia um enclave em Cabinda, que para quem quisesse explicar mais claro, era como que uma "excrescência" próxima que nos pertencia, mas já fora do território. Tenho ideia de que foi a única vez na vida que tropecei naquela palavra “enclave”. Aquilo de que mais próximo me lembro, pronunciado, era a clave de sol mas acho que a música é outra.
Ficaram-me ainda registados nomes de cidades como Luanda, Lobito, Benguela e Moçâmedes ou os rios Zaire, Quanza e o Cunene. Claro que lembro outros mas apenas estaria a aumentar um conjunto de vocábulos sem grande expressão afectiva, pelo desconhecimento que tenho de locais e gentes.
Não era apenas eu que repudiava os temas assim abordados mas, tempos de ensino e diferentes qualidades didácticas dos mestres que nos ensinaram, ditaram para mim resultados médios quase exclusivamente posicionados entre as linhas sofrível e suficiente.
Talvez como compensação subconsciente, ganhei o hábito que ainda hoje mantenho de rabiscar tudo quanto era canto de papel limpo de escrita. Aí me manifestava rascunhando, evadindo-me imaginariamente do anfiteatro onde éramos sujeitos a tão maciças quanto indigestas doses de ciência geográfica.
No escoar do tempo tudo se foi modificando, e a Guerra do Ultramar como que nos aproximou dos territórios além-mar nas constantes idas e vindas de militares em serviço, pelas conversas e convívios, encurtando distâncias e trazendo a lume nomes de locais até então pouco divulgados.
Para um Reserva Naval, depois de ingressar na Marinha e concluído o curso da Escola Naval, passava a ser possível, num horizonte temporal próximo, a permanência de dois anos em Angola, numa unidade naval, em terra ou ainda numa Companhia/Destacamento de Fuzileiros.
Ali, do Zaire aos rios Cuando/Cubango e do Quanza ao Zambeze, no decorrer dos anos de conflito armado, entre 1961 e 1975, dos 25 cursos realizados, prestaram serviço cerca de 250 oficiais da Reserva Naval das classes de Marinha, Médicos Navais, Administração Naval, Engenheiros Maquinistas Navais, Técnicos, Especialistas e Fuzileiros.
Um desses oficiais foi o STEN António Bernardino Apolónio Piteira do 18.º CFORN que naquele território esteve em missão, integrado na Companhia de Fuzileiros nº 1. Promovido a Aspirante FZ RN em 13 de Outubro de 1971, frequentou o curso de Fuzileiro e foi destacado para Angola, onde chegou a 18 de Setembro do ano seguinte, com o posto de STEN, assumindo o comando do 3.º Pelotão da Companhia n.º 1 de Fuzileiros.
Em cima, num primeiro plano o "Kimbo",
em segundo plano o aquartelamento dos Fuzileiros do Chilombo e ao fundo o Zambeze;
Em baixo, o rio Zambeze, sendo visível o porto de encosto das lanchas, com a LDP 208, a embarcação «Caripande» e botes do aquartelamento do Chilombo
em segundo plano o aquartelamento dos Fuzileiros do Chilombo e ao fundo o Zambeze;
Em baixo, o rio Zambeze, sendo visível o porto de encosto das lanchas, com a LDP 208, a embarcação «Caripande» e botes do aquartelamento do Chilombo
No dia 2 de Junho de 1973, pelas oito horas da manhã, uma coluna de viaturas do Destacamento do Zambeze, em missão de serviço à Lumbala, foi alvo de uma emboscada inimiga. Dessa emboscada, ocorrida na Picada entre Lumbala e Chilombo, a cerca de dez quilómetros desta última localidade, resultou a morte de António Piteira. Foi o único Oficial da Marinha de Guerra morto em combate, no período em que decorreu a guerra nos três teatros em África.
Sem propriamente pretender repisar a lembrança de tão dramático quão triste de memória acontecimento, sucedeu que fui contactado há poucos meses por um outro combatente da Guerra do Ultramar que, em Angola, entre 1971 e 1973, durante 2 anos, permaneceu no aquartelamento de Lumbala-Velha.
O aquartelamento de Lumbala-Velha
Mário Regadas da Silva, esteve integrado na CArt 3416, unidade independente mas que dependia operacionalmente do BCaç 3847 com sede na vila do Cazombo, comandado pelo Tenente-coronel António da Graça Bordadágua. Trocámos algumas mensagens e achei interessante publicar alguns excertos das comunicações enviadas a que juntei imagens alusivas dos locais ali recordados, por aquele antigo militar que prestou serviço em Lumbala-Velha.
De acordo com Mário Silva:
“...Visitei uma vez o vosso quartel no Chilombo onde jantei (e que bem jantei...). Eram uma tropa à parte. Eu era aramista, estive impedido na secretaria. Tenho lembrança de ver os botes dos fuzileiros passando ao largo no Zambeze, tendo estado no vosso quartel com alguns camaradas fuzileiros em jogos de futebol. Recordo outra vez um acidente no rio, onde um bote com fuzileiros teve um acidente com más consequências...”
“... Tivemos três comandantes de companhia e um deles, o Tenente Eduardo Paiva Oliveira, morreu numa emboscada no dia 1 de Julho de 1973, no itinerário Chilombo-Lumbala, precisamente na mesma picada que vinha do Cazombo e bem perto do dito Destacamento de Fuzileiros do Chilombo; um camião Berliet ficou parcialmente destruído...”
"Informação" ou "A Verdade à Maneira do Inimigo"
Estranho destino que faz distar de um mês a morte de dois oficiais em combate, um do Exército e outro da Marinha, no mesmo local e na mesma fatídica picada de Angola. Lamentavelmente, na mesma ou ainda noutras acções de combate, outros militares ali encontraram o fim da linha de vida. Honrando a sua memória, recordando-os, aqui fica o registo da invulgar coincidência, aproveitando para publicar imagens de alguns do locais acima referidos
O aquartelamento de Lumbala-Nova
Notas do autor:
– Na foto que acima se publica, além da LDP 208 ainda sem o fortim superior, é visível a embarcação «Caripande», (karipande) herdado de uma pequeno aldeamento angolano no Alto Moxico, Zambeze, atribuído a uma simplificada embarcação/unidade naval que servia de posto avançado no saliente do Cazombo, Lumbala, para juzante do Zambeze. A proximidade da fronteira aliada aos frequente ataques do lado da Zâmbia e à insuficiência de meios de defesa levaram a abandonar o projecto.
Numa informação "Wikipédia" «Karipande» dista 600 km de Luena e tem 7.000 habitantes. Na língua soba chama-se Mukumbi Munhau. Karipande foi supostamente o local da morte do "Comandante Hoji-ya-Henda (José Mendes de Carvalho), com 27 anos de idade do MPLA junior. Foi sepultado próximo do rio Lundoji a 30 quilómetros do então quartel de Karipande, da Frente Leste/3ª Região Político-Militar (14 de abril de 1968).
– Algumas das fotos acima publicadas referem relatos, factos ou ocorrências, descritas no blogue noutras publicações anteriormente efectuadas. Para os leitores que o desejem, basta efectuarem a procura por tema/assunto/palavras na caixa de busca do blogue.
– Na foto que acima se publica, além da LDP 208 ainda sem o fortim superior, é visível a embarcação «Caripande», (karipande) herdado de uma pequeno aldeamento angolano no Alto Moxico, Zambeze, atribuído a uma simplificada embarcação/unidade naval que servia de posto avançado no saliente do Cazombo, Lumbala, para juzante do Zambeze. A proximidade da fronteira aliada aos frequente ataques do lado da Zâmbia e à insuficiência de meios de defesa levaram a abandonar o projecto.
Numa informação "Wikipédia" «Karipande» dista 600 km de Luena e tem 7.000 habitantes. Na língua soba chama-se Mukumbi Munhau. Karipande foi supostamente o local da morte do "Comandante Hoji-ya-Henda (José Mendes de Carvalho), com 27 anos de idade do MPLA junior. Foi sepultado próximo do rio Lundoji a 30 quilómetros do então quartel de Karipande, da Frente Leste/3ª Região Político-Militar (14 de abril de 1968).
– Algumas das fotos acima publicadas referem relatos, factos ou ocorrências, descritas no blogue noutras publicações anteriormente efectuadas. Para os leitores que o desejem, basta efectuarem a procura por tema/assunto/palavras na caixa de busca do blogue.
Fontes:
Texto e fotos de arquivo do autor do blogue; gentil cedência de fotos dos: CMG FZE José Manuel Dias da Silva (antigo oficial da Reserva Naval do 16.º CFORN), CMG FZE José António Ruivo (antigo oficial da Reserva Naval do 21.º CFORN) e de Mário Regadas da Silva, antigo Cabo Cond.Auto/Esc CArt 3416 do BCaç 3847.
Texto e fotos de arquivo do autor do blogue; gentil cedência de fotos dos: CMG FZE José Manuel Dias da Silva (antigo oficial da Reserva Naval do 16.º CFORN), CMG FZE José António Ruivo (antigo oficial da Reserva Naval do 21.º CFORN) e de Mário Regadas da Silva, antigo Cabo Cond.Auto/Esc CArt 3416 do BCaç 3847.
mls
4 comentários:
Caro camarada de armas eu em primeiro lugar fico bastante emocionado ao recordar o malogrado sub-tenente PITEIRA conhecio pessoalmente, eu pertencia ao batalhão 3847 e a minha companhia 3383 estava na LUMBALA NOVA lidei de muito perto com muitos fuzileiros sargento Inteiriço que era o fotógrafo dos fuzos o magala o sesimbra o carvalho que ficou sem uma perna a caminho de Caripande eu era cabo cosinheiro e tenho muitos saudades dos sitius onde estive o emidiato do voço destacamento era o ESpadinha,jogamosvárias vezes fotebol e andebol estive várias vezer no destacamento do chilombo no dia a seguir a um ataque,em que vi coisas horiveies mas era a guerra lembro-me que a minha comp. foi a primeira a ser atacada com foguetões de 122m/me que o destacamento voço veioem peso para nos acudir gosto de entrar em contato com o pessoalnos convivios e agora sem mais um abraço a todos os que lá estiveram EX 1º cabo 190500/70 Henrique Gomes.
Eu era o enfermeiro dos fuz no Chilombo Quando o Carvalho perdeu a perna.Assim como quando se emboscada que originou 4 mortos 1 era o Tem. Outrora.
Eu era o enfermeiro dos fuz no Chilombo Quando o Carvalho perdeu a perna.Assim como quando se emboscada que originou 4 mortos 1 era o Tem. Outrora.
Fui Alferes Miliciano e estive destacado na Lumbala Velha de meados de 1966 até Abril de 1967. Era um isolamento total. Os únicos sinais de vida eram os escrementos que os elefantes espalhavam por todo o lado.
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