19 agosto 2019

LFP «Bellatrix», bons velhos tempos


Bons velhos tempos na LFP «Bellatrix»



Nota do autor do blogue:

Esta publicação, respeita texto e data em que foi publicado na revista n.º 3 da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval de Jan/Mar 1997. Apenas se acrescentaram algumas fotos que ao tempo da publicação não ilustravam o texto.

Manuel Henrique Vieira de Sousa Torres foi um Camarada do 8.º CEORN - Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval, curso de que estiveram presentes em comissões de serviço na Guiné 15 Oficiais. Mas o "Manecas" foi muito mais do que isso. Foi também um Companheiro de sempre do bairro de Campo de Ourique, Liceu Pedro Nunes e, depois de regressarmos daquele teatro de conflito, Camarada na Direcção da AORN, onde convivemos duas décadas e também um inexcedível organizador de convívios mensais no Clube Militar Naval. O destino último privou-nos do seu convívio em Agosto de 2015.
Até sempre Manecas!





A falta de tempo ou a preguiça não permitiram que concretizasse, há mais tempo, o desejo de publicar a história que vos vou contar.

O falecimento do Almirante Bustorff Guerra, ocorrido no Natal passado, forneceu-me a motivação para não adiar por mais tempo tal desejo. É a homenagem simples mas amiga, à memória de um homem com quem tive o privilégio de conviver. Tive oportunidade de apreciar as suas extraordinárias qualidades e o seu inesquecível fino trato. A amizade entre o meu Pai e o Almirante Bustorff Guerra, trouxe-me à evidência que meu Pai sabia escolher os Amigos.

Estamos na Guiné, em Janeiro de 1967. O NH «Pedro Nunes» era comandado pelo então Capitão-Tenente Bustorff Guerra, fazendo parte da guarnição, entre outros, os Primeiros-tenentes Mário Jorge Baptista Coelho, Isaías Gomes Teixeira, José Lourenço e o Jorge Mendes.

A minha amizade com o tenente Baptista Coelho vinha de longa data, enquanto que o conhecimento com os restantes oficiais mencionados só se havia travado na Guiné, onde cheguei em Junho de 1966, nomeado para comandar a LFP «Bellatrix».




LFP «Bellatrix» navega no rio Cacine, Guiné


Aconteceu em certa altura, termos sido mandados dar apoio aos trabalhos de hidrografia que o NH «Pedro Nunes» realizava algures nas águas da Guiné.

Colocados os balões de sinalização brancos e pretos, lá fomos para o local indicado para fazermos de "estação", dele regressando ao fim da tarde para acostar ao navio. A gentileza do convite diário do Comandante Bustorff Guerra para jantar permitia-me apreciar as boas iguarias que o Rua (despenseiro) nos proporcionava.

Certa noite, ao jantar, o Comandante Bustorff falava da dificuldade sentida na observação da estação "Bellatrix", devido à bruma que pairava na zona, concluindo pela razão que assistia para antigamente se pintarem os navios hidrográficos de branco. Esta mesma conversa repetiu-se por mais uma ou duas ocasiões.

Na manhã do dia 30 de Janeiro, na altura do controlo rádio das oito horas, e quando já nos encontrávamos no "ponto estação", o telegrafista informou que havia uma série de mensagens que envolviam a LFP «Bellatrix».

Pensei que a guerra havia aquecido. Para melhor se entender a trama, reproduzem-se as oito mensagens que fazem parte de um pequeno dossier que me foi oferecido pelos amigos do Pedro Nunes e, constitui peça importante do meu álbum de recordações. Só quando a meio da tarde desse dia, a LFG «Hidra» sob o comando do 1º Tenente Eurico Marques Pinto, tomou o nosso lugar na estação e nos colocaram a bordo um garrafão de 5 litros de vinho tinto e outro com 3,5 litros de vinho branco, me dei conta da brincadeira daqueles "malandros".

Como vinha sendo hábito, perto da hora de jantar, acostei ao NH «Pedro Nunes», preparado para mais um saudável convívio, desta vez com pinturas à mistura. Foi na realidade uma noite memorável, como podem imaginar.

Regressando a Bissau no fim do meu cruzeiro, apresentei-me no "briefing" habitual do fim da tarde, constatando que a sala estava cheia de oficiais, o que me levou a pensar que se haviam desenrolado operações importantes. Acabada a minha exposição, fui interpelado pelo sub-chefe do Estado Maior, Capitão-Tenente Pedro Azevedo Coutinho, insistindo comigo se não tinha mais nada a dizer.

Sentado perto do local das exposições orais estava o Comandante Sousa Guimarães que puxando os meus calções me perguntava: "Então, não houve mais nada?". Nesta altura, o comodoro Ferrer Caeiro foi chamado ao telefone abandonando a sala do briefing, perante o ar desolado de alguns dos presentes. Percebi então que o cenário havia sido preparado para uma intervenção do comodoro Ferrer Caeiro que, por certo, seria acompanhada das habituais e amigas gargalhadas.

Mas, como é que em Bissau se havia conhecido a história? Ora era simples de adivinhar quem havia dado aos dentes, pois o então 2º Tenente Aires da Silva que com os seus fuzileiros fazia a segurança na zona onde se estavam a realizar os trabalhos de hidrografia que nos haviam envolvido, tinha regressado a Bissau antes de mim. Passados uns dias, durante uma recepção no «Pedro Nunes» os "malandros" ofereceram ao comodoro Ferrer Caeiro, cópia do dossier compremetedor e o resultado está mesmo a ver-se qual foi...



















Conjunto de mensagens trocadas entre os vários comandos...

Se a história por si só tem imensa graça, ela reflecte um saudável ambiente de camaradagem que na época se vivia na Guiné entre os oficiais da Marinha. Resta-me deixar uma palavra amiga de agradecimento aos "malandros" que permitiram que eu tivesse material para escrever este artigo.

É por estas e por outras que ainda hoje, volvidos que são trinta anos, mantenho o orgulho e a saudade de um dia ter pertencido à Armada.




Manuel Torres
Manecas da «Bellatrix»
8º CFORN - 1965


Fontes:
Texto coligido da revista n.º 3 da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval de Jan/Mar 1997; fotos de arquivo do autor do blogue e Arquivo de Marinha;


mls

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