27 janeiro 2020

Reserva Naval e Modelismo


Reserva Naval e Modelismo

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 24 de Abril de 2009)


Há meses atrás recebi uma mensagem de um cibernauta, Mário Rui Cavalleri, que procurava informações e documentação sobre miniaturas de navios da Marinha de Guerra. Sendo uma temática abordada com conhecimento e correcção, nunca ter deixado uma mensagem sem resposta mas sobretudo a mítica Reserva Naval, o apelido Cavalleri e a mais que familiar LFG “Orion”, não me deixaram margem para evasões.

Tudo porque alguém, conhecedor do blogue, terá cedido o endereço a Mário Rui que, na lista de preferências pessoais, disponibiliza grande parte do seu tempo à construção de miniaturas navais, algumas já realizadas e tendo uma outra da LFG “Orion” como projecto futuro, com a indicação complementar de poder vir a ser eu um apoio possível no fornecimento de algumas informações e imagens.

O decorrer do tempo, a troca de mensagens e o intercâmbio de informações úteis ampliaram o meu horizonte de conhecimentos, propiciando ainda o nascimento de uma amizade, fruto de valores culturais e de camaradagem com muitos pontos comuns.

Mar, Marinha, Reserva Naval e Guiné onde, bem no interior leste, em Cabuca, a sudeste de Nova Lamego, foi professor numa escola de nativos ao serviço do Exército, na CCav 3404 que integrava o BCav 3854 justificam a natural postura por mim assumida.




2TEN RN José Alvarez Cavalleri Martinho.

Não conheci de forma especialmente próxima o camarada 2TEN RN José Alvarez Cavalleri Martinho que pertenceu ao 1.º CEORN - Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval mas também primo e padrinho do primeiro. Lamento não se ter proporcionado essa oportunidade mútua nos sempre poucos convívios de Marinha em que estando ambos presentes, ainda que de forma efêmera e por breves instantes, trocámos algumas palavras.

Tenho presentes um almoço dos 1.º e 2.º CEORN no Clube Militar Naval com o Comandante Coral Costa – Director de Instrução daqueles dois cursos, o aniversário da Associação comemorado na Escola Naval em 11 de Julho de 1998, uma Assembleia Geral no ISNG em Março do ano seguinte e pouco mais, afinal quase nada que justifique arrogar-me o direito de começar a dissertar sobre as suas qualidades humanas e profissionais.




Abaixo reproduzo na íntegra um aerograma enviado por José Cavalleri, do Sobral de Monte Agraço ao primo e afilhado, então na Guiné, escrevendo a dado passo que:

"...E por aí? Como vai essa Escola? E a situação operacional? Manda-me dizer o que puderes sem violar quaisquer normas de segurança, pois gosto de saber notícias na nossa brava rapaziada que tão galhardamente se bate aí nesse bocado de terra com mais água que terra.

Tenho outro primo aí na Guiné. É filho do meu tio José Alvarez que teus pais conhecem. Ele é Aspirante da Reserva Naval e estava comandando uma das vedetas*. É difícil que vocês contactem, pois há tanta "malta" aí que se passa despercebido..."





Mais do que valorizar palavras, esta meia dúzia de linhas transmitida numa comunicação entre familiares, testemunha uma elevada cultura Reserva Naval, ao serviço da Marinha mas também da Vida.

E, que melhor forma de recordar e homenagear um camarada da Reserva Naval encontraria eu no baú das frases feitas? Só mesmo pelo punho do próprio afilhado, também primo, nas linhas e imagens enviadas que aqui deixo:


"...
O modelismo é uma paixão, que se dá a conhecer de varíadissimas formas e temas. Lavoisier disse que “na natureza nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma!

Para mim, em modelismo, o mesmo «princípio» aplica-se na perfeição dado que, na execução de um projecto, o modelista consegue «transformar» objectos que nada têm a ver com o fim para que foram concebidos e, por «artes» do ofício, passam a tomar outra forma e outro destino ou propósito.

É a transformação...




O modelo reduzido da LDM 304

Partindo do presuposto que é um hobby de paixão, a escolha dos temas cabe exclusivamente a cada um, dedicando-se ao objecto que mais aprecia, por variadissimas razões. No meu caso, em particular, o tema preferido são os navios.

E porquê?

Desde que comecei a tomar consciência da minha existência peregrina neste mundo, que senti e sinto uma forte atracção pelas coisas do Mar no que tive, e continuo a ter, a sorte e o privilégio de viver junto a ele, Mar. Habituei-me a admirar os navios, fundeados na baía de Cascais ou a meter piloto, quando ainda permanecia fundeado ao largo o navio que procedia a esse «transbordo», o Comandante Milheiro, que só raramente levantava ferro e se refugiava em Lisboa, nos dias de tempestade ou de rendição.

Levei uma vida inteira a "ver navios" e espero ainda continuar a ver mais... este amor que me une à Instituição que é a Marinha de Guerra Portuguesa, aos seus navios mas também a alguns bons e óptimos amigos que ao longo destes anos fiz, sobreveio de laços familiares, por ter tido como padrinho de baptismo e primo, um antigo oficial da Reserva Naval, o José Cavalleri Martinho.

A ele se deve em grande parte este amor e paixão, que me faz correr água salgada nas veias e, só não tive a honra de vestir a farda do botão da âncora por outras razôes, pois se isso tivesse sido possível, ainda hoje serviria a Instituição!

Quis o destino que, de verde camuflado e de bóina com duas espadas cruzadas, tivesse sido mobilizado e prestado serviço militar na antiga Guiné Portuguesa, numa comissão de 27 meses, 7 dias e seis horas, bem contadas.

Sempre que me encontrava esporadicamente em Bissau, sentadinho no Pelicano, devorando ninhos de camarão e “bazookas”, os meus olhos "arregalavam-se" ao olhar com "amor" para as LFP e LFG mas também as LDM e LDG. Eram navios “lindos”, com umas linhas simples e elegantes, talvez um pouco barulhentas as primeiras LFP construídas na Alemanha. Refiro as da classe “Bellatrix”.



A «Bellatrix» atracada ou fotografada a meia nau, à bóia

Os anos passaram. Modelismo naval e os métodos de criar os projectos foram-se aperfeiçoando também devido ao crescente aparecimento no mercado de kits, acessórios, revistas e um sem numero de "coisas" interessantíssimas para os apaixonados da modalidade.

Há uns anos atrás, resolvi deitar mãos à obra e fazer renascer das cinzas da memória, algumas réplicas dos nossos navios. Assim, pus a navegar novamente a LFP «Bellatrix», o NRP «Nautilo», este em fase de acabamentos electrónicos de que já tenho os planos - muito suados...diga-se! - e da LFG «Orion».




A «Nuno Tristão» atracada

Mas a «jóia da minha esquadra» é uma réplica de uma corveta, que não sendo a original da classe «Baptista de Andrade», é inspirada nela mesmo. A razão deveu-se a uma opção de tamanho/escala. Como a escala escolhida é 1/35, só posso dar vida a navios com máximo de 70 metros, ou seja para a escala de 1/35 não ultrapassar os dois metros, caso contrário o problema de logística e transporte, passaria a ser uma tremenda dor de cabeça... Por esse facto, a «corveta»(?) foi baptizada de «Nuno Tristão» que, no entanto, nada tem de semelhante com a fragata »Nuno Tristão», a F 332, há muito já abatida e que também passou por águas guineenses...

No caso específico da «minha Bellatrix» trata-se de um modelo radiocontrolado, operado com um R/C Futaba, dois motores eléctricos, com faróis de navegação de comando independente e antena de radar rotativa. Simples!...




A «Bellatrix» amarrada à bóia ou a navegar

Este hobby proporciona-me um elevado estado anti-stress, relaxante quanto baste, num desafio permanente à minha imaginação e criatividade como praticante, tendo como resultado um gozo e prazer ímpares, no fazer cruzeiros com os modelos mesmo que em «imaginação» e pelo período de capacidade das baterias, atendendo ás velocidades imprimidas ao modelo e até as mesmas se esgotarem...

Inclusivamente, podem recrear-se alguns pormenores de operações levadas a cabo em acções militares, com praticantes desta modalidade e com outros modelos, como por exemplo simular acções de desembarque de LDM ou LDG, acções de patrulha e fiscalização de LFP ou LFG, etc. Tudo o que a nossa mente idealize, pode quase sempre ser revivido a uma escala mais pequena...mas que dá um «gozo» fantástico, à parte o convívio, que é sempre salutar e profícuo em troca de saberes e alguns sabores também...




A LFP «Bellatrix» no apoio ao desembarque da LDM 304 numa operação conjunta.

Estas dicas são apenas algumas para quem ainda não "saboreou" este hobby e que possa vir a ter alguma curiosidade e vontade em iniciar-se, juntando-se ao mundo maravilhoso do modelismo, onde cada projecto é um desafio e o próximo será ainda melhor!...

Espero vê-los um dia destes pelas águas ou no tarrafo da Lagoa Azul.
..."


Mário Rui Cavalleri

* Referência feita ao 2TEN RN José António Sequeira Alvarez, comandante da LFP «Arcturus» de 30Out71 a 26Mai72;

Fontes:
Imagens cedidas por Mário Rui Cavalleri.


mls

Sem comentários: