Guiné,1967 - LFG «Lira» no rio Cacheu
(Post reformulado a partir de outro já publicado em 20 de Junho de 2006)
Para montante do Porto de S. Vicente, o leito do rio estreitava perigosamente, pouco excedendo em alguns troços, dois comprimentos de navio.
Sentia-se no ar a pestilência da bolanha, coalhada pela pesada humidade que asfixiava o ar. Pairava uma ameaça constante por detrás da cerrada vegetação.
Uma densa neblina como que amortalhava por inteiro a zona, fazendo pesar ainda mais o silêncio, apenas interrompido pelo piar agudo das aves que debandavam assustadas à passagem da lancha de fiscalização.
Apenas se ouvia o ronronar das máquinas e o ruído do gerador, abafados pelo rufo fechado. As antenas de comunicações curvavam-se para as margens, quase que roçando as pernadas do frondoso tarrafo.
Assomavam os primeiros alvores do dia, o sol coalhado pela humidade do ar deixando ver ao fundo uma embarcação de cabotagem.
Na asa de bombordo da ponte, uma metralhadora MG 42 guarnecida. Tudo parecia sossegado mas a prudência recomendava essa rotina.
Saracoteando-se ora a bombordo ora a estibordo, o Cacheu estendia-se no enfiamento da proa adivinhando-se, mais à frente, uma curva para bombordo de contornos imprecisos.
Outra e mais outra, sempre, numa dança infindável. Desfilavam em sucessão as lalas de Canja, Barro e o porto de Ganturé (Bigene) na região do Olossato.
A proa, recortada pelo reflexo da água, cortava o rio lodoso e barrento, rasgando caminho ao navio para montante, para voltar a fechar à popa. A esteira da água amortecia-se na distância, como se nada tivesse sulcado o leito.
Mais para vante, Porto Coco, Jagali e Tancroal, adensavam o receio de uma possível emboscada nas lalas com a mata ao fundo. Peças guarnecidas a bordadas ou mesmo postos de combate.
Instruções aos artilheiros pelo telefone, o trabalhar dos motores das peças de 40 mm e os cadenciados tiros de reconhecimento. A aproximação à curva seguinte e, de novo, silêncio e o tarrafo.
Lá muito a montante da foz, 95 milhas depois, Farim.
Era assim o Cacheu, místico e traiçoeiro.
Fontes:
Texto do autor com imagem de arquivo cedida por especial cortesia de Carlos Dias Souto (CMG)
Texto do autor com imagem de arquivo cedida por especial cortesia de Carlos Dias Souto (CMG)
mls
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