30 novembro 2018

53.º CFORN regressou à Escola Naval


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 19 de Novembro de 2011)


53.º CFORN - 25 anos depois, de novo na Escola Naval em Setembro de 2011





Na portaria da Escola Naval, da esquerda para a direita:
1ª fila (degrau inferior): Nuno Manuel de Abreu Veloso, António Jorge Aldinhas Ferreira, João Antero Nascimento dos Santos Cardoso, Luís Filipe Pires Fernandes, Luís Filipe Matos de Araújo Maia
e 1TEN André Cardoso de Morais (Oficial de Dia);
2ª fila: António Cândido Lampreia Pereira Gonçalves e Nelson Bruno Monteiro Ferreira Pacheco;
3ª fila: Jorge Manuel Fernandes Nunes, José Eduardo Sabido Gualdino Ferreira Martins,
CMG Aníbal Soares Ribeiro (2.º Comandante da EN), Orlando António Pires Leitão
e António Antunes Gaspar Pita;
4ª fila (degrau superior): António Manuel da Silva Bernardes, Manuel de Oliveira dos Santos,
Sávio Jacobo Fernandes e José Manuel Gonçalves Reis.



Para comemorarem o 25.º Aniversário da data de admissão na Escola Naval, ali se reencontraram em 17 de Setembro daquele ano, os elementos que integraram o 53.º CFORN - Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval, com o habitual apoio e hospitalidade já tradicionais da instituição Marinha, sempre disposta a acolher familiarmente e a bem receber antigos alunos e oficiais.

Aquele curso, apenas da classe de Marinha, alistou 17 cadetes em 15 de Setembro de 1986. O Juramento de Bandeira e a promoção a Aspirantes a Oficial teve lugar no dia 14 de Março de 1987.



2011 - A placa comemorativa da efeméride.

Do evento se publicam imagens elucidativas com a presença do 2.º Comandante da Escola Naval, CMG Anibal Soares Ribeiro e o Oficial de Dia, 1TEN André Cardoso de Morais, no decorrer do qual se procedeu ao descerramento de uma placa evocativa da presença daquele curso e data.

Este registo de convívio dos "Gorileiros" - assim ficou conhecido este curso - só foi possível pelo espírito de iniciativa e colaboração do Orlando António Pires Leitão a quem transmitimos especiais felicitações, extensíveis a todo o grupo.


Fontes:Texto do autor do blogue; imagens cedidas por Orlando Pires Leitão (fotos da EN), 53.º CFORN; Anuário da Reserva Naval 1976-1992, Manuel Lema Santos, edição AORN, 2011;

mls

25 novembro 2018

Guiné, 1968 - Beli, "Lá onde..."


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 24 de Novembro de 2011)

"Lá onde...", por "Eles"

Ficaremos sem saber quem eram "Eles" em Beli?

Aqui ficam lamentos em verso, possível rasto para aqueles que possam identificar quem eram e onde estavam "Eles..."







Fontes:
Texto de fundo da poesia original cedido pelo Alferes médico Alberto Lema Santos, BCaç 1933, recolhido enquanto permaneceu em Madina do Boé;


mls

24 novembro 2018

Timor, 1973/1975 - Memórias de Um Marinheiro


CAlm José Luis Ferreira Leiria Pinto - Memórias de Um Marinheiro

Post já publicado em 16 de Novembro de 2011 que se republica na íntegra pelo interesse do tema




Cartaz de divulgação do evento no Museu de Marinha

No auditório do Museu de Marinha, no dia 12 passado, teve lugar mais uma “Conversa Informal” desta vez subordinada ao tema “Timor 1973-1975, Memórias de Um Marinheiro” pelo CAlm José Luis Ferreira Leiria Pinto.

Estiveram presentes o Vice-Almirante José Augusto Vilas Boas Tavares, Director da Comissão Cultural de Marinha e o CAlm António José Bossa Dionísio, Director do Museu de Marinha, além de outras personalidades e convidados.

O Dr. Rui Ortigão Neves, Presidente da Direcção do Gamma – Grupo de Amigos do Museu de Marinha efectuou a apresentação e traçou uma curta biografia do convidado, salientando alguns aspectos mais notáveis do seu prestigiado percurso na Marinha.

Aos presentes, o CAlm Leiria Pinto apresentou uma síntese histórica da evolução social, económica e política do território de Timor, desde os primeiros vestígios de civilização, primórdios da ocupação portuguesa, economia e comércio, assim como o papel dos missionários na evangelização das populações.

Continuou com a organização social e política, reinos dos Serviãos e Belos, tentativas de anexação e lutas com os holandeses, fixação de fronteiras em 1914, a invasão dos japoneses no decurso da segunda guerra mundial, a luta ao lado dos Aliados (australianos e holandeses) e os anos finais daquele território como possessão portuguesa.



1974 - A LFP "Tibar" a navegar nas águas do porto de Dili.

No decorrer dos anos de 1973 a 1975 o CAlm José Luis Ferreira Leiria Pinto, então no posto de Capitão-Tenente, desempenhou ali as funções de Comandante da Defesa Marítima de Timor, Director da Estação Radionaval de Timor e Comandante da LFP “Tibar”.

Acumulou os cargos de Chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Marinha, Presidente da Junta Autónoma do Porto de Dili e Capitão dos Portos de Timor. De Julho a Setembro de 1974, agregou ainda sob a sua responsabilidade, por aquele curto período, a Chefia dos Serviços de Transportes Aéreos.

Em 26 de Agosto, a LFP “Tibar” participou no transporte das autoridades portuguesas do porto de Dili para a ilha de Atauro, sendo o último navio português a largar do cais de Dili, em cujas proximidades combatiam forças timorenses rivais.

A sessão encerrou com uma apresentação de slides de Timor tendo, no final, sido suscitadas algumas questões por parte dos participantes cujo esclarecimento esteve a cargo do orador convidado.

A efeméride teve lugar no dia em que decorreram 20 anos sobre o massacre do cemitério de Santa-Cruz em Timor.



Nota:
Sob o Comando do Almirante José Leiria Pinto, serviram também no Comando da Defesa Marítima de Timor os seguintes oficiais da Reserva Naval:

2TEN RN João António Martins Ribeiro de Carvalho, 23.º CFORN, desde 21JUL74;
2TEN RN Alexandre Maria Lindim Vassalo, 25.º CFORN, desde 16NOV75;





1967 - À esquerda o 2TEN RN joão Ribeiro de Carvalho e, à direita, o 2TEN RN Alexandre Lindim Vassalo




TIMOR - Resenha histórica




Dos primórdios, por volta de 12 mil anos aC, existem documentos que comprovam a existência de pequenos grupos de caçadores e agricultores que já habitavam a ilha de Timor, comerciando entre aquela ilha e a China a partir do século VII, sobretudo na venda de escravos, cera de abelha e sândalo. Por volta do século XIV, os habitantes de Timor pagavam tributo ao reino de Java. O nome Timor provem do nome dado pelos Malaios à Ilha onde está situado o país, Timur, que significa Leste.

Colonização

Quando em 1512 os primeiros mercadores portugueses chegaram à Ilha, a parte leste que hoje equivale a Timor-Lorosae, era habitada pelo povo Maubere dividido entre duas confederações de reinos, os Serviãos e os Belos. Já a parte oriental da ilha, hoje equivalente à província Indonésia de Timor oriental era habitada pelo povo Atoni, tradicionais inimigos dos Serviãos e dos Belos. Assim, enquanto estes últimos se aliaram aos Portugueses, os Atoni resistiram a fazer comércio com eles e, quando em 1651 a Companhia Holandesa das Índias Orientais conquistou Kupang, os Atoni decidiram aliar-se aos Holandeses contra os Portugueses e os Mauberes.

Os Mercadores portugueses foram atraídos pelos recursos naturais em 1514, trazendo os missionários e a religião católica que actualmente é predominante. Com a chegada do primeiro governador, vindo de Portugal em 1702, deu-se início à organização colonial do território, criando-se o Timor Português. Em 1914, a Sentença Arbitral assinada entre Portugal e os Países Baixos para terminar com os conflitos entre os dois países, fixando as fronteiras que hoje dividem a ilha.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Aliados (australianos e holandeses) envolveram-se, em Timor, numa dura guerra contra as forças japonesas que tinham ali entrado, por Timor-Leste, em Fevereiro de 1942 com o fito de expulsar as forças australianas que tinham ocupado o território em Dezembro de 1941, violando a neutralidade da então colónia portuguesa. Algumas dezenas de milhar de timorenses deram a vida lutando ao lado dos Aliados, entre os quais se encontrou o célebre régulo Dom Aleixo.

Em 1945, a Administração Portuguesa foi restaurada no Timor Português. Seguiu-se um período de quase três décadas em que não se manifestaram movimentos independentistas.

Período Pós 25 de Abril

A Guerra do Ultramar não encontrou eco no longínquo Timor. A razão para a ausência de sentimentos ou movimentos defensores da independência poderá ter residido no facto de o domínio português ter assentado, ao longo de séculos, como aglutinador de vários povos, defendendo a identidade étnica, cultural e política da região face à tendência expansionista em da Insulíndia; além disso, a presença portuguesa não assumiu um carácter de exploração económica, uma vez que a precária economia timorense era dominada por uma pequena burguesia de origem chinesa, há muito estabelecida no território.

Apesar disso, a Assembleia Geral das Nações Unidas, pela Resolução 1514 (XV) de 14 de Dezembro de 1960, considerou o Timor Português como um Território Não Autónomo sob administração Portuguesa. Tal nunca foi aceite pelos governos dos Presidentes do Conselho António de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano e pela Constituição de 1933 que continuaram a considerar o território como parte integrante de Portugal. Tal resolução veio, todavia, a ser aceite pela Lei 7/74 de 27 de Julho do Conselho da Revolução que demonstrou a aceitação da independência de todos os territórios ultramarinos, incluindo Timor Português.

Nessa altura a administração Portuguesa promoveu a criação de partidos políticos. Foram criados:

União Democrática Timorense (UDT), que defendia a integração de Timor numa Comunidade de Países de Língua Portuguesa;

Associação Social Democrática Timorense (ASDT) que se viria a tornar a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) que defendia um período de autonomia gradual, seguido da independência;

Associação Popular Democrática Timorense (APODETI) que defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia como uma região autónoma.

Na sequência da formação destes partidos, o governo Português propôs a eleição de uma assembleia popular pelos Timorenses e a nomeação por Lisboa de um Alto Comissário com o fim de conduzir o território à independência total. Esta solução foi aceite quer pela UDT quer pela ASDT mas recusada pela APODETI.

Nessa altura a Indonésia adoptou uma política de intervenção mais dura levando a cabo o suborno de líderes políticos e campanhas de intimidação. Foi neste cenário que, em 1975, se realizaram as eleições municipais nos quais a ASDT obteve 55% dos votos, vencendo a ADT(40%) e a APODETI que teve muito pouco apoio popular.

Insatisfeito com os resultados, Francisco Lopes da Cruz (ADT) e os seus apoiantes pró-Indonésia levaram a cabo um golpe de estado contra as autoridades Portuguesas na noite de 10 de Agosto de 1975. Nessa altura 23 soldados e oficiais Portugueses foram feitos reféns e levados para a Indonésia. O alto comissário Mário Lemos Pires e as restantes forças portuguesas no território, sem o apoio de Portugal numa altura em que o país vivia momentos políticos e sociais difíceis, refugiaram-se no ilhéu de Ataúro.

Entre Setembro e Dezembro a ASDT/FRETILIN consegue vencer Lopes da Cruz e os seus seguidores, assegurando o controlo da maioria do território e o apoio da população. Como resultado destes acontecimentos, a FRETILIN já não aceita entrar em negociações com os outros dois partidos e também já não rejeita o controlo de Portugal dado que tinha lutado sozinha contra as forças pró-Indonésia sem o apoio português.

Assim, a 28 de Novembro a FRETILIN declara a independência de Portugal que é recusada pelo governo de Lisboa, que teme que isso sirva de pretexto às forças indonésias para invadir o território o que vem a verificar-se em larga escala pouco tempo depois, em 8 de Dezembro. Na sequência dos acontecimentos, a Indonésia ignora quaisquer resoluções da ONU e inicia um período de ocupação de 24 anos que ficaria marcado por terríveis atentados contra os direitos humanos do povo de Timor-Leste que veio a ser culminado com o massacre do cemitério de Santa-Cruz em 12 de Novembro de 1991.




Texto e fotos de arquivo do autor; Setenta e Cinco Anos No Mar, LFP, 16.º VOL, Comissão Cultural de Marinha, 2005; Gamma - Grupo de Amigos do Museu de Marinha; Resenha histórica a partir de Wikipédia em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Timor-Leste;

mls

19 novembro 2018

Reserva Naval nos Fuzileiros


Pormenores adicionais de uma incompleta memória histórica



Escola de Fuzileiros - Porta de Armas e Parada


«Pensar o passado, compreender o presente, preparar o futuro...»

A temática «Fuzileiros» tem vindo a ser abordada com a frequência que lhe é devida institucionalmente pelo prestígio de que disfrutam, quer dentro da Marinha quer fora dela, amplamente justificado pela forma como se empenham e levam a cabo as complexas e diversificadas missões operacionais que lhes são cometidas ao serviço do País.

Sendo a Escola de Fuzileiros um estabelecimento de ensino com mais de meio século de existência, nesse já tão alargado percurso temporal, muitos foram os eventos que marcaram de forma significativa um caminho de valores, sendo que dever, honra, dignidade, amizade, camaradagem, solidariedade e entreajuda são atributos dos fuzileiros, ao serviço da cidadania em geral.



Sede da Associação de Fuzileiros


A Associação de Fuzileiros rege-se pela Lei e pelos seus Estatutos e Regulamentos, congregando em especial fuzileiros, oficiais, sargentos e praças nas situações de activo, reserva, reforma ou licenciamento de marinha, os seus familiares directos e outras pessoas que, voluntariamente, adiram aos princípios e aos valores plasmados naquele documento.

Tem também como missão e fins promover os laços e os contactos entre todos os sócios que sentem orgulho em integrar aquela Associação, por terem interiorizado, partilharem e defenderem o que já que constitui um traço genético herdado da Casa-Mãe, a Marinha.

O Corpo de Fuzileiros com o apoio da Associação de Fuzileiros, organiza anualmente o «Dia do Fuzileiro», evento destinado a reunir numa mesma data, na "Escola Mãe", todos quantos serviram e servem este Corpo de Tropas Especiais desde de 1961 até à actualidade.




Naturalmente que o universo de participantes foi consideravelmente alargado com o nascimento da Associação de Fuzileiros, fundada em 29 de Março de 1977 que, com as respectivas Delegações, Sócios, Familiares, Convidados e o apoio da Autarquia local, têm emprestado ao evento um impulso digno de registo.
Sendo um dos objectivos principais da Associação de Fuzileiros promover, permanentemente, o convívio entre antigas e novas gerações de Fuzileiros, tiveram a mais significativa expressão no percurso efectuado:

• Comemoração do «50.º Aniversário da Escola de Fuzileiros» levada a cabo em 3 de Junho de 2011 naquele prestigiado Estabelecimento de Ensino com a presença das mais altas individualidades da Marinha;

• Inauguração do «Monumento ao Fuzileiro, em 2 de Julho do mesmo ano, no Barreiro, com o apoio da autarquia local e a presença de altas individualidades da Marinha e do País. Ficou localizada na Praça dos Fuzileiros Navais, frente às instalações do Hipermercado Continente;



Monumento ao Fuzileiro

Com o apoio da Direcção da Associação de Fuzileiros, foram criadas diversas Delegações, alargando a área de influência e participação das populações, no âmbito de múltiplas actividades desportivas ou de convívio.

São disso exemplo as Delegações de Fuzileiros do Algarve, Beira Alta, Douro Litoral, Juromenha/Elvas, Polícia Marítima e ainda o Núcleo de Motociclistas da Associação de Fuzileiros e a Rádio “Filhos da Escola”.

Também uma obrigatória referência à empenhada participação da Associação de Fuzileiros na Unidade do Corpo de Cadetes do Mar Fuzileiros, à Divisão do Mar e das Actividades Lúdicas e Desportivas, culminando com a regular publicação da Revista da Associação, “O Desembarque”.

Merecedora de crítica seria a atitude de não referir o importante papel que a Associação de Fuzileiros representará no apelo à pesquisa, recolha, tratamento, conservação e divulgação adequada das memórias históricas e espólios da temática fuzileiros, fruto da participação efectiva de associados, por via do empenhamento pessoal, enquanto militares, nas missões em que terão estado integrados.

Terá ganho especial relevância num passado recente o período compreendido entre 1961 e 1975 da Guerra do Ultramar, em que as primeiras Unidades formadas na Escola de Fuzileiros a saber: Companhias de Fuzileiros Navais (CF), Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE) e ainda Pelotões Independentes de Fuzileiros ou de Reforço tinham, quase invariavelmente, como destino os teatros de guerra de Angola, Moçambique, Guiné ou ainda pontualmente Cabo Verde.

Sem qualquer excepção para aquele período, Destacamentos e Companhias de Fuzileiros integraram sempre oficiais do quadro de Complemento da Reserva Naval.

Apenas à Institução Militar caberá ajuizar da competência, coragem, empenho, dedicação, abnegação com que cada militar terá desempenhado cada missão, atribuindo-lhe condecorações ou louvores, por vezes levadas a cabo com sacrifício da própria vida. Assim aconteceu e, ainda que no cumprimento dever, foram sempre demais, pela perda de vidas quase sempre em combate.

Como meu princípio habitual, eximir-me-ei a apreciações desse tipo, limitando-me a factos objectivos com suporte documental ou fontes que corroborem textos, relatos ou outro material.

Naturalmente que considero ter a liberdade de exprimir a minha própria opinião, sobretudo quando fundamentada pela participação pessoal em episódios ou vivências havidas, como oficial da Reserva Naval do 8.º CEORN*.

*Efectivamente o último com “E” de Especial já que a partir daquele curso passou a “F” de Formação, apenas por despacho administrativo, tida aquela denominação por mais conveniente, por quem de direito, claro! Como informação complementar, para que os próprios interessados fiquem com o mesmo conhecimento de que disponho, são os únicos cursos da Reserva Naval que dispõem de «Livros-Mestre» no Arquivo de Marinha. São consultáveis, apenas pelos próprios, depois de efectuarem e ser autorizado o respectivo pedido, de acordo com a Lei de Protecção de Dados.





LFG «Orion» com Destacamento de Fuzileiros Especiais a bordo

Durante dois anos, desempenhei na Guiné as funções de Oficial Imediato da LFG «Orion», integrado na guarnição que incluia um outro oficial, o Comandante, e ainda 4 Sargentos e 22 Praças.

Quer pelas características específicas daquele teatro de guerra, quer por algumas das vivências havidas, habituei-me a considerar aquela unidade naval como um todo, talvez um aprendizado da mais-valia colectiva em que a individualidade cedia prioridade ao conjunto. Como nos fuzileiros e com os fuzileiros com quem navegámos centenas de horas ao longo de dois anos de comissão.

Nas lanchas, fosse qual fosse o tipo, as guarnições não estavam preparadas para o confronto armado de proximidade física pelo que, em locais de risco elevado e perigosidade acrescida, era bem vinda e reconfortante a presença de fuzileiros a bordo.

Comandante-Chefe, Comandante de Defesa Marítima da Guiné, Fuzileiros, Exército, Comandos, Páraquedistas, Grupos de Combate, Pelotões, Feridos, População Civil e até agentes da PIDE/DGS ali fizeram horas de navegação.

Os Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE) eram presença especialmente frequente, determinante nas operações planeadas - golpes de mão ou emboscadas - montadas ao inimigo nas margens ou proximidades daquele enorme emaranhado aquático, quase invariavelmente com o apoio das tão insubstituíveis como abnegadas LDM - Lanchas de Desembarque Médias e LDP - Lanchas de Desembarque Pequenas, alguns botes por perto, empilhados em cima do rufo da casa das máquinas, na cobertura do poço daquelas lanchas ou ainda rebocados.

Teve aquela classe de oficiais da Reserva Naval teve um papel determinante nos Fuzileiros? Indiscutivelmente que sim e, sem que deixem de ser considerados como apenas uma parte do Comando de um alargado conjunto de militares enquadrando Sargentos e Praças, é possível remeter para números reais o que representaram em Destacamentos, Companhias e Pelotões de Fuzileiros os militares da Reserva Naval.

Repetindo e enfatizando um excerto de uma publicação já por mim efectuada em Setembro de 2008 sobre a participação dos Fuzileiros nas frentes de Angola, Moçambique, Guiné e também Cabo Verde:

Reserva Naval - Os Números

“...Num total de 63 Destacamentos de Fuzileiros Especiais distribuídos por aqueles teatros operacionais, da totalidade de 139 oficiais neles integrados, 82 eram Oficiais RN (56%) e, mesmo dos 57 dos Quadros Permanentes que comandaram os DFE, mais de uma dezena tinham desempenhado missões anteriores como oficiais da Reserva Naval e vieram a optar pelo ingresso nos QP.

Maior acuidade ainda no tocante às Companhias de Fuzileiros em que, das 45 Unidades que nos mesmos teatros operacionais estacionaram, considerando incluídos os Pelotões Independentes e de Reforço (também em Cabo Verde), 217 dos 328 Oficiais (66%) que integraram o Comando das Companhias pertenciam à Reserva Naval. De entre estes últimos, 11 pertenciam à Classe de Médicos Navais e alguns Comandantes daquelas unidades eram igualmente oriundos da Reserva Naval.
Ainda numa outra perspectiva, em finais daquele ano de 1974, do total de Oficiais que prestavam serviço na Armada, 24% pertenciam à Reserva Naval e, considerando apenas os Oficiais subalternos, essa percentagem aumentava para 40%...”




Anuário da Reserva Naval 1958-1975 e Anuário da Reserva Naval 1976-1992

Estes elementos, ainda poderiam ser actualizados com pequenos ajustamentos já que, por defeito, nas fontes originais de consulta utilizadas, não estão mencionados alguns oficiais da Reserva Naval que, apenas mais tarde, foram mobilizados depois da constituição das Unidades, como rendições individuais e não tendo sido efectuado o respectivo registo. São gralhas normais em registos de pesquisa em que o rigor absoluto é inatingível.

Considerando apenas a totalidade da classe de Fuzileiros em duas gerações distintas de cursos da Reserva Naval:

• De 1958 a 1975, decorrido um período de 16 anos, já que em 1975 não se realizou qualquer curso da Reserva Naval, foram integrados em 25 cursos realizados, 1.712 cadetes, dos quais 465 (27.16%) pertenceram à classe de Fuzileiros.

• Para idêntico número de anos, de 1976 a 1992, em 78 cursos realizados, sendo que 41 realizados na Escola Naval e 37 na Escola de Fuzileiros, integraram a totalidade dos cursos, em ambos os estabelecimentos de ensino, 1.885 cadetes, dos quais 666 (35.33%) pertenceram à classe de Fuzileiros.

Resumo esclarecedor para o crescimento relativo da classe de Fuzileiros, mas suscitando interessantes questões no entendimento da razão para um aumento de 10% na totalidade de oficiais da Reserva Naval admitidos em igual número de anos.

Questões pertinentes partindo de conhecidas premissas quer no que concerne à redução do espaço geográfico nacional, confinado ao Continente e Ilhas, quer à retracção do dispositivo naval havido, ambos como resultado do final da Guerra do Ultramar.




O 1.º Oficial Fuzileiro Especial da Reserva Naval




2TEN FZE RN João Pedro Gião Toscano Rico

O 4.º CEORN foi o primeiro curso da Reserva Naval que incluiu também Fuzileiros. Em 6 de Outubro de 1961, foram incorporados 9 cadetes daquela Classe num curso que incluia um total de 44 cadetes.

Em 1 de Maio de 1962 foram promovidos a Aspirantes a Oficial, com a particularidade de ter havido um elemento da classe de Marinha que concorreu ao curso de Fuzileiro Especial (FZE), vindo a ser aprovado.

O 2TEN FZE RN João Pedro Gião Toscano Rico, foi o primeiro oficial da Reserva Naval que, sendo originalmente da classe de Marinha, ficou habilitado com o curso de Fuzileiro Especial depois de ter concorrido e sido dado como “Apto” no final do mesmo.

Foi destacado para Angola e integrado como quarto oficial no Destacamento de Fuzileiros nº 1, comandado pelo então 1TEN FZE Augusto Henrique Coelho Metzner.

Faz-se notar que, por esse facto e embora sem expressão especial, por esse facto terá sido aumentado um elemento à classe de Fuzileiros e reduzido o equivalente na classe de Marinha.




A Morte em Combate em 2 de Junho de 1973




STEN FZ RN António Bernardino Apolónio Piteira

Pertenceu ainda à Reserva Naval o único oficial da Marinha Portuguesa morto em combate durante a Guerra do Ultramar, ao serviço da Companhia de Fuzileiros n.º 1, em Angola.

Promovido a Aspirante FZ RN em 13 de Outubro de 1971, frequentou o curso de Fuzileiro e foi destacado para Angola, onde chegou a 18 de Setembro do ano seguinte, com o posto de STEN, assumindo o comando do 3.º Pelotão da Companhia N.º 1 de Fuzileiros.

No dia 2 de Junho de 1973, pelas oito horas da manhã, integrado numa coluna de viaturas do Destacamento do Zambeze, em missão de serviço à Lumbala, foi alvo de uma emboscada inimiga. Dessa emboscada, ocorrida na Picada entre Lumbala e Chilombo, a cerca de dez quilómetros desta última localidade, resultou a morte de António Piteira.




Em cima, vista aérea do aquartelamento do Chilombo e, em baixo,
cabina da viatura emboscada, sendo visíveis os efeitos dos impates dos tiros e,
do lado esquerdo, os danos provocados pelo armamento inimigo




Na mesma emboscada, morreram, igualmente em combate os seguintes Fuzileiros:

Mar FZE 771/68 António Cardoso Saraiva, DFE 10;
Mar FZE 717/70 João Gonçalves Nunes Pereira, DFE 10;

Ficou ainda ferido o Mar FZE 1214/70 Henrique Manuel Pais Fernandes, DFE 10 e morreu ainda um civil que seguia na cabina da viatura, o Sr. Medeiros;

No dia 18 de Dezembro de 2009 teve lugar, na Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, uma singela mas significativa homenagem ao camarada da Reserva Naval António Bernardino Apolónio Piteira, pertencente ao 18.º CFORN, que morreu em combate em 2 de Junho de 1973, no Leste de Angola, Chilombo, vítima de uma emboscada inimiga, quando comandava uma coluna logística de viaturas no trajecto Chilombo – Lumbala.




Da esquerda para a direita, os comandantes Oliveira Monteiro (CCF), José Ruivo (AFZ),
Joaquim Moreira (AORN) e Ferreira de Campos (EF)


A homenagem consistiu na atribuição do nome do STEN FZ RN Apolónio Piteira à rua que liga a Parada da Escola de Fuzileiros - à qual foi recentemente atribuído o nome do Almirante Roboredo e Silva - à Messe de Oficiais.

Presidida pelo então 2.º Comandante do Corpo de Fuzileiros, CMG FZ Oliveira Monteiro, em representação do Comandante do Corpo de Fuzileiros, contou também com a presença do Comandante da Escola de Fuzileiros, CMG FZ Ferreira de Campos, com o Presidente da Direcção da AORN e várias outras Entidades e Camaradas da CF n.º 1 que se quiseram associar.



No dia 20 de Setembro de 2014, em sessão solene na Câmara Municipal de Arraiolos, com a presença da Presidente, Dr.ª Sílvia Pinto, teve lugar uma expressiva homenagem ao STEN RN António Piteira que enalteceu a iniciativa tomada dando a conhecer a representação que iria ter no Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos (CITA) em exposição alusiva ao tema.




Foi oferecida à autarquia o espólio de Marinha do camarada António Piteira em expositor apropriado com o boné, cordão de fuzileiro, galões de subtenente e fotografia em base cerâmica.
Seguiu-se uma breve e significativa cerimónia, com descerramento de uma lápide junto à placa da rua em seu nome, sita na Ilha do Castelo, com população local que fez questão de se associar ao evento.

Daqui saudamos todos os Fuzileiros, independentemente de posto, idade e situação, recordando especialmente os já ausentes dos nossos convívios.

Nunca serão esquecidos!




Manuel Lema Santos
8.º CEORN
Sócio n.º 2189 da AFZ


Nota: Este artigo foi publicado no último número da revista da Associação de Fuzileiros, "O Desembarque" n.º 31, Novembro 2018.

Fontes:
Texto e fotos de arquivo do autor; Anuário da Reserva Naval, 1958-1975, Comandantes Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, 1992; Anuário da Reserva Naval, 1976-1992, Manuel Lema Santos, 2011, Edição AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval; Fuzileiros, Factos e Feitos na Guerra de África, 1961/1974 - Guiné, Luís Sanches de Baêna, 2006; Foto do topo cedida pelo Comando da Escola de Fuzileiros;


mls

14 novembro 2018

Guiné, 1968 - "Balada de Beli"


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 21 de Novembro de 2011)


"Balada de Beli" satirizada por "Eles"





Pormenor do Leste da Guiné e a região de Beli


Afinal quem teriam sido "Eles"?

"Eles"? foram todos os militares, anónimos, presentes na Guiné que, depois de uma longa viagem por mar, terra ou ar, lhes tocou na lotaria de quadrícula um qualquer aquartelamento no Leste.

"Eles"? foram essencialmente do Exército, em Batalhões, Companhias ou Pelotões. De Caçadores, Cavalaria, Artilharia, Serviços ou Nativos. Também Páraquedistas, Comandos e Fuzileiros.

"Eles"? ocuparam e defenderam espaços nas matas, lalas, bolanhas e tabancas, em toda a zona que confinava a sul e leste com a fronteira da Guiné Conakry e, para norte, todas as regiões envolventes de ambas as margens do rio Corubal.

"Eles"? estiveram em Cameconde, Gadamael, Guileje, Mampatá, Aldeia Formosa, Madina do Boé, Cabuca, Piche, Buruntuma, Canjadude, Galomaro e muitos outros locais.

"Eles"?, durante dois longos anos sem condições mínimas de sobrevivência, improvisaram com poucos meios, muita critividade, imaginação e sacrifício, adaptaram-se a duras condições de alojamento, higiene e alimentação, sobrevivendo a emboscadas, ataques e flagelações de toda a ordem.

"Eles"? marcaram pela passagem frequente o "corredor da morte" que conduzia a Madina do Boé e, mais para nordeste, a Beli, primeiro destacamento a ser abandonado pelas nossas forças no final de 1968.

"Eles"?, anónimos, ainda encontraram arreganho de alma para satirizarem humoristicamente Augusto Gil e a sua, sempre tão linda, "Balada da Neve".

"Eles"? foram soldados extraordinários e aqui ficam evocados, especialmente os já ausentes do nosso convívio.





A foto do início, esbatida, é de uma coluna militar de Madina do Boé para Gabú (Nova Lamego)



Fontes:
Texto do autor do blogue; texto da poesia original cedido pelo Alferes médico Alberto Lema Santos do BCaç 1933, recolhido enquanto permaneceu em Madina do Boé; foto do início de Manuel Caldeira Coelho, Furriel Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894

mls

09 novembro 2018

O DFE 12 esteve lá, em Cumbamory - Operações «Catanada» e «Cocha»


Guiné 1970/71 - A Solidariedade nas Matas, no Sofrimento e na Amizade

Breve Nota sobre o DFE N.º 12 - Operação “Chave”




2TEN FZE RN Serafim Lobato (DFE 12): Operação “Chave”


O Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 12 foi para a Guiné dividido em dois grupos. Em Janeiro seguiram três oficiais e os quadros subalternos – sargentos, cabos e marinheiros. Não havia grumetes, com curso, para completar o destacamento, na data indicada pelo Estado-Maior da Armada: uma unidade completa comportava 80 homens. Aqueles chegaram em finais de Março, juntamente com o 3.º Oficial, que ficou na Escola de Fuzileiros, para escolher os jovens que acabavam o curso de especiais.

No Território Operacional (TO) ao contrário dos anteriores destacamentos, não tiveram PTO – ou seja, um período de adaptação operacional que, normalmente, era enquadrado pela unidade que estivesse nos últimos meses de comissão na base de Ganturé, onde se encontravam, normalmente, três DFEs e um pelotão de apoio de uma companhia de fuzileiros.

Entraram, meia dúzia de dias depois da chegada, em acção. Num ritmo operacional alucinante. O seu “baptismo” de fogo deu-se, justamente, nos princípios de Abril, com a entrada na Base Central da Frente Norte do PAIGC, dentro do Senegal, Cumbamory, onde regressaram, uma semana depois, e capturaram mais de 10 toneladas de armamento.

Foi a única unidade da Marinha – diria, pelo que consegui investigar nos arquivos militares, de todas as Forças Armadas – a entrar e afastar, ainda que momentaneamente, a guerrilha do interior do seu principal “quartel operacional de retaguarda” naquela região. Cerca de dois meses depois, assaltaram outra grande base do PAIGC, em Sanou (Sanu em português) igualmente sediada no interior do Senegal, situada, mais ou menos, no meridiano do antigo quartel português de Barro. Seguiram-se outros combates e outros locais de passagem.

Pela sua experiência, verificaram, ao longo dos meses, que os Fuzileiros Especiais – e outras tropas especiais – estavam a ser mal enquadrados na sua acção militar no TO. Opinaram, quando lhe foi dado consentimento para tal, sobre tal facto. As autoridades superiores consideraram tal opinião como se tratasse de um “crime de lesa-majestade”.

Foram ostracizados superiormente, mas este DFE 12 continuou, disciplinadamente e com todo o espírito de corpo, a actuar com a mesma rectidão. Aliás, na adversidade, ganhou um sentido de solidariedade e de camaradagem que se perpetua até hoje. Tiveram sempre a noção real do seu valor.


Serafim Lobato
Sócio Originário n.º 1792
4.º Oficial do DFE 12





O DFE 12 esteve lá, em Cumbamori - Operações «Catanada» e «Cocha»




Carta de navegação usada pelo DFE 12

Numa época em que já ninguém pensava ir à tropa porque a tropa já não pensava em ninguém, a Marinha incorporou-me nas suas fileiras. Fui, durante três anos, oficial da Reserva Naval, classe de Técnicos-Especialistas. Não obstante, chapinhei na Pista de Lodo da Escola de Fuzileiros e fui aprendendo muito, então como agora, sobre a classe de Fuzileiros.

Colocado nas unidades a que pertenci, ouvia os mais velhos, todos do Quadro Permanente, a maioria da classe de Marinha, falar do DFE 12, que definiam como um implacável cilindro de guerra que tudo esmagava por onde passava. Não falavam, porém, de factos concretos nem de concretas operações. Apenas deixavam no ar uma aura mítica de arrojo, audácia e glória.

Vou, pois, abordar duas acções extra-territoriais, verdadeiras operações especiais realizadas em país estrangeiro, tendentes à detecção e destruição de uma hipotética base militar a partir da qual o PAIGC operaria.

Tratava-se da Base de Cumbamory, no Senegal, cuja importância se revelou crescente no decurso da guerra da Guiné, o teatro de operações ultramarino que ficou para a História Militar com a designação de «Vietname negro». Pelo menos desde 1967 que os altos comandos militares portugueses tinham ideia da existência desta Base inimiga. Mas não é certo que se soubesse da sua exacta localização. Estaria ela sobre a linha da fronteira norte da Guiné ou no interior do Senegal? De uma coisa se tinha a certeza: era por essa Base que o PAIGC infiltrava na Guiné grande parte do seu pessoal e do seu equipamento. Daí a sua importância.

Há registo de que no dia 11 de Dezembro de 1967, uma força pertencente ao Batalhão de Caçadores n.º 1887, constituída por 170 soldados, tentou assaltar a Base, mas não lhe alcançou o cerne. Causou algumas baixas ao IN, capturou escasso material de escassa importância e sofreu, infelizmente, bastantes baixas, entre as quais quatro mortos cujos cadáveres não recuperou.

Foi a Operação "Chibata", que se considerou que teve relativo êxito, mas que não correu bem. O grupo de combate “Os Roncos”, que integrava a força, foi louvado a justo título. Foi esta a primeira tentativa de assalto a Cumbamory de que há nota. Como se verificou mais tarde por acção do DFE 12, a Base de Cumbamory ficava no interior do Senegal a cerca de 7 km da fronteira norte da Guiné, tinha uma área superior a quatro campos de futebol e era composta por duas zonas longitudinalmente bem definidas: um bosque de palmeiras, a Oeste, e uma mata aberta, a Leste.

O DFE 12, de início, apenas tinha 35 ou 40 Fuzileiros Especiais nas margens do Cacheu, baseados em Ganturé. Eram 35 ou 40 veteranos já curtidos pelo fragor do combate que tinham chegado ao largo da ponta Caió, vindos de Lisboa, a 31 de Janeiro de 1970, e que atendiam pela designação de “Os Jacarés”.




Heli foge de artilharia IN

Alguns cumpririam a sua terceira comissão de serviço. A Base de Ganturé, situada 2 km a Sul do Quartel de Bigene, pertencia à jurisdição do Comando Operacional 3 (COP 3), um comando regional operacional encabeçado pelo Capitão-tenente US/FZE Alpoim Calvão, cuja sede fora instalada naquele Quartel. A jurisdição do COP 3 incluía unidades do Exército e estendia-se de Barro até Brufa.

Mas um DFE era constituído por 80 homens, pelo que, aos velhos Jacarés, comandados pelo 1.º Tenente FZE RN Mendes Fernandes, haveriam de se juntar, dois meses depois, 40 ou 45 jovens Grumetes FZE recém-formados pela Escola de Fuzileiros. Enquanto aguardavam pelas crias, “Os Jacarés” participavam em missões de combate e de patrulha integrados noutros Destacamentos também baseados em Ganturé.

Em Março, todavia, agiram sozinhos em patrulha de reconhecimento até à fronteira do Senegal e capturaram um soldado do PAIGC, que lhes forneceu informações importantes para as perigosíssimas operações que muito em breve, mal eles sabiam, se avizinhavam.

É que, entretanto, O COP 3 decidiu atacar a Base de Cumbamory, a principal base militar do PAIGC no Norte, e contou, para o efeito, com o DFE 12. Delineava-se, então, a Operação "Catanada". As jovens e tenras crias, embora bem preparadas técnica, emocional e fisicamente, haviam chegado da Escola apenas no dia 1 de Abril de 1970.

Como era habitual, seriam adaptadas ao Teatro de Operações mediante a chamada Preparação Técnica Operacional (PTO), com uma duração normal de dois meses, durante os quais realizariam pequenas operações com fuzileiros experimentados para se familiarizarem com o IN, com o pântano, o tarrafo e o clima.

Não houve tempo, porém, para tanto, posto que a Operação "Catanada" estava em marcha. Sem PTO, sem apoio aéreo e sem apoio de fogos próximo, o juvenil DFE 12 zarpou rumo a Bigene e, daí, até ao Senegal, na madrugada de 3 de Abril de 1970. Oficiais doutras unidades baseadas em Ganturé arrepiaram-se com a sorte do DFE 12, que seguia em direcção à «boca do lobo».

As informações militares adiantavam que a Base de Cumbamory estaria guarnecida por 150 soldados. O DFE 12, progredindo pelo interior do Senegal, chegou ao Norte de Cumbamory ao alvorecer e aproximou-se do local que denotava ser o da Base. Nessa altura, Mendes Fernandes deu instruções para que se montasse um perímetro defensivo e enviou patrulhas de reconhecimento, que tomaram rumos diferentes, a fim de verificarem se o DFE 12 tinha realmente localizado a Base. Uma dessas patrulhas detectou-a ao cabo de 500m de evolução.

Mas detectou também duas crianças junto de uma fogueira, as quais, assustadas, fugiram. O chefe da patrulha correu para tentar apanhá-las à mão quando encarou com dois soldados envergando os uniformes verde-oliva do PAIGC. Eram sentinelas. Sem hesitar, alvejou-os a uma distância de cerca de 3,5 m, no que foi seguido pelo apontador da metralhadora MG42. Uma das sentinelas morreu ali mesmo e a outra, gravemente ferida, foi levada pelo chefe da patrulha, num gesto nobre de humanidade, para junto do Destacamento.

Nisto, eclodiu imediatamente uma nutrida e violenta troca de fogo entre o PAIGC e o DFE 12, que perdurou por várias horas. Estava muito calor e havia muita humidade. O recontro, violentíssimo, evoluiu quase corpo-a-corpo, ardiam cubatas, ardiam árvores, ardia vegetação. Até que, por volta do meio-dia, o PAIGC inexplicavelmente cessou fogo.

O IN retirou-se. O jovem DFE 12 não teve baixas, apenas dois feridos ligeiros. O IN, como refere uma notícia C2 da Companhia de Caçadores 3, sofreu 16 mortos e 18 feridos, exactamente como consta do Resumo de Operações e Acções Realizadas da Repartição de Operações do Quartel-General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné.




Em cima, pessoal carregando armamento apreendido e, em baixo, pessoal do DFE 12 escavando paiol



Aquela retirada do IN foi, anos depois, explicada pelo próprio Presidente Luís Cabral na sua obra Crónica da Libertação: o PAIGC resistira com tamanha ferocidade, porque decorria na Base uma reunião dos comandantes e comissários políticos da Frente Norte e doutras zonas, entre os quais estava o próprio Presidente Luís Cabral. Delineavam uma nova forma de comando, que veio a traduzir-se em Corpo de Comando.

O PAIGC, nas circunstâncias, bateu-se até onde pôde para proteger as suas cúpulas político-militares, que escaparam na retirada. O DFE 12, sem combate, regressou incólume a Bigene ao anoitecer desse dia 3 de Abril de 1970.

Mas haveria de tornar à Base de Cumbamory. Com efeito, informado de que a Base fora reconstruída, o COP 3 enviou novamente o DFE 12 ao assalto a partir de Bigene, o qual ocorreu no dia 12 de Abril de 1970, pelas 05:25. Era o início da Operação "Cocha".

Ingressando na Base pelo Sul, o DFE 12 eliminou as sentinelas mediante o emprego de ALG e o primeiro grupo de assalto avançou pela bolanha, passando de fila a linha quando o IN iniciou os disparos. Era, contudo, demasiado tarde para este: o grupo entrou na Base, surpreendendo vários elementos IN nos seus próprios abrigos. Uns fugiram, outros foram mortos, não tendo havido possibilidade de fazer prisioneiros.

Conquistada a Base e montando o perímetro, o DFE 12 passou a ocupar as próprias posições IN, colocando-se em situação privilegiada de defesa. A vanguarda, porém, havia-se separado da rectaguarda do Destacamento. Entretanto, o Marinheiro Galante Guerra, refazendo a ligação, veio anunciar ao 2.º Tenente FZE RN Serafim Lobato, 4.º Oficial da Unidade que tinham encontrado armas.

Serafim Lobato, chegado ao local indicado por Galante Guerra, viu, com espanto, armamento diverso de diversos modelos, tudo material de fabrico soviético e doutros países do Pacto de Varsóvia e até da China, muito mais sofisticado do que o armamento usado pelas forças portuguesas.

Descobriram-se seguidamente vários outros depósitos de armas e munições, todos camuflados no sub-solo. Chamados meios aéreos via rádio, “Os Jacarés” começaram a carregar os helicópteros com os achados. Nessa altura, o PAIGC carregou com violenta energia tentando recuperar a Base. O fogo IN era cerrado e impetuoso. Os helicópteros que recolhiam o armamento levantaram voo diversas vezes para não serem atingidos pela artilharia IN.

Ao tentar recuperar a Base, o PAIGC encontrou, porém, o DFE 12 firmemente posicionado e foi sendo repelido. Quatro aviões dois Fiat G 91 e dois Harvard T6 foram chamados a prestar apoio na defesa da Base, o que fizeram em parelhas com várias passagens rasantes intervaladas por cerca de 15 minutos, accionando as suas metralhadoras, principalmente os T6.

A troca de fogo entre o PAIGC e o DFE 12 mantinha-se cerrada e constante. O IN manteve a produção de fogo até ao meio da tarde. As forças em contenda estavam tão próximas uma da outra que o PAIGC, em desespero, tentou o corpo-a-corpo. “Os Jacarés” prepararam-se para a luta, colocando os sabres nas armas. O anoitecer aproximava-se, pelo que o Destacamento fez explodir tudo o que tinha à mão.

O combate durou 11 horas. O DFE 12 apreendeu 10 toneladas de armas ao IN, que foram expostas em Bigene. O armamento que restava foi maioritariamente destruído pelo bombardeamento dos Fiat, que se seguiu à saída de “Os Jacarés” rumo a Bigene, onde chegaram pela noite dentro.




Início de exposição de armamento no Quartel do Exército em Bigene

No decurso da guerra da Guiné mais nenhuma outra força portuguesa conseguiu entrar na Base de Cumbamory e ocupá-la, ainda que a espaços, e muito menos logrou apreender tamanha quantidade de armamento nesta Base IN.

O DFE 12 também não teve baixas nesta operação, apenas um ferido ligeiro. O PAIGC, como se relata no Resumo de Operações acima citado, sofreu vários mortos e feridos não quantificados, para além da apreensão das 10 toneladas de armamento. Eram apenas 35 ou 40 Jacarés nas margens do Cacheu, a que se juntaram jovens crias recém-saídas do ovo escolar, sem o adequado desmame que a PTO proporcionaria. Os jovens Jacarés desceram, num ápice, do Céu ao Inferno sem passar pelo Purgatório.

O DFE 12 a Pátria honrou. Que a Pátria o contemple, independentemente das posições, perspectivas e até preconceitos que cada um tenha sobre a Guerra do Ultramar.


Gomes da Silva
Sócio n.º 2243


Notas da Redacção:
1 - Na foto da exposição do armamento, no Quartel do Exército, em Bigene, apenas se vê uma pequena parte do material de Guerra apreendido;
2 - Nesta exposição do armamento, a Praça que olha o fotógrafo é o Mar Telegrafista Ulisses Pereira Correia, o “Maxi Mine” que morrerá em combate com o IN, em 20 de Outubro de 1970, na estrada de Sambuiá, a cerca de 10 a 15 quilómetros de Cumbamory;
3 – O elemento preto que aparece na foto a tirar armamento do paiol, não é fuzileiro. Trata-se de um guia balanta de Bigene;
(Serafim Lobato)

4– Sabemos quem foi o protagonista, aliás, grande militar – que confirmámos por pesquisa complementar, de boa fonte – do nobre gesto de poupar a vida a uma das sentinelas. Por razões que desconhecemos, presume-se que em virtude da sua conhecida humildade, este exigiu não ser citado, embora em versão inicial deste artigo o tivesse sido, pelo que respeitámos a vontade do próprio e do autor do texto.
(Marques Pinto)


Fontes:
Texto e imagens compilados integralmente por cortesia da Direcção da Associação de Fuzileiros, revista "O Desembarque" n.º 17, publicada em 6 de Julho de 2013


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