29 maio 2017

Histórias do DFE 13 (II) - Angola, 1965-1967


Angola-Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 13

(Post reformulado a partir de outro já publicado em 23 de Dezembro de 2009)




Vasco Quevedo Pessanha-7.º CEORN


Embarquei no Vera Cruz com o DFE 13 no dia 15 de Outubro, rumo a Luanda, onde chegámos 10 ou 15 dias depois.

Durante a viagem o comandante do Destacamento - Pestana dos Santos - tinha já desistido de ensinar-me a jogar bridge, no qual ele próprio se aplicava com regularidade com colegas do exército que também iniciaram a sua comissão.

A viagem foi pacata, aprendemos todos a conhecermo-nos melhor (o Pestana, o Lupi e eu) e comecei a conhecer também os homens com quem iria conviver directamente nos próximos dois anos.
Chegados a Luanda ficámos instalados na Base Naval, situada na ilha de Luanda e de certo modo entregues aos cuidados do 1º tenente Melo e Cunha, Comandante do Destacamento que iríamos render e que, durante cerca de um mês, foi o homem responsável por um treino “in loco” da nossa unidade.

O 1º tenente Melo e Cunha pareceu-me, às primeiras impressões um homem saído dos livros que o Jean Larteguy escreveu sobre as guerras da Indochina e Algéria e que eu tinha lido todos: “Os Mercenários”, “Os Centuriões”, “Os Pretorianos”, etc. Alto, seco, atlético, voz rouca, experiência de mato, enfim um especialista da guerra de guerrilha com experiência adquirida e histórias já vividas. Com ele aprendemos umas quantas coisas que nos vieram a ser muito úteis na nossa comissão.

O sistema que o Comando Naval tinha adoptado para utilizar os fuzileiros especiais em Angola era, a meu ver, inteligente. Baseava -se no princípio da rotação permanente dos 3 grupos de combate, de 25 homens cada, em que os DFE’S, para efeitos operacionais, eram divididos.

Em 1965 estava atribuída aos Fuzileiros Especiais a defesa da fronteira fluvial do rio Zaire e parte da fronteira de Cabinda com o ex-Congo-Braza, além da participação em operações especiais, conjuntamente com o exército e os “Paras” na região dos Dembos.

No Zaire havia 5 postos na margem angolana a partir de Santo António do Zaire para montante: Quissama, Pedra do Feitiço, Puelo, Macala e Tridente, este último a uma distância de 15 minutos de bote de Noqui.

Em Cabinda havia um posto numa das extremidades da lagoa do Massabi, instalado numa antiga fazenda da CUF que estava ainda a cargo do Sr. Páscoa que tinha um chimpanzé simpático que dava pelo nome de Benfica.

Já em 1966, com a abertura da frente no Leste de Angola, os fuzileiros passaram a estar em regime de permanência também no rio Lunqué Bungo (200 kms. a SE de Vila Luso) e na Lumbala, na zona sul do Saliente do Cazombo, junto à fronteira com a Zambia.

Mas, como dizia, o princípio da rotação estava em vigor, quer isto dizer que após um período de cerca de 2 meses em que cada grupo de combate do destacamento ocupava um dos postos do Zaire, o destacamento voltava todo a Luanda onde passava a integrar as forças de intervenção que actuavam em operações especiais no Norte de Angola, conjuntamente com os comandos dos outros ramos da FA’s.

Depois de um período de 6 a 8 semanas voltávamos aos postos do Zaire e de Cabinda mas ocupando normalmente postos diferentes daqueles em que já tínhamos estado anteriormente. Mais dois meses e dava-se nova rendição na zona de Dembos.




Os tempos passados no Leste de Angola eram maiores que os períodos do Zaire ou Cabinda mas o princípio da rotação mantinha-se. Este regime de permanente mobilidade, além de permitir a minimização das neuras que afectavam muitíssimo os camaradas do exército, que chegavam a estar 18 a 24 meses no mesmo local, permitia uma actuação diferente, em zonas novas, introduzindo uma parte de novidade e de desconhecido em situações alternadas de dificuldade e perigo com outras de tranquilidade e descontracção, com os evidentes efeitos positivos no clima psicológico de todos os homens do destacamento.

Além disso esta situação permitiu também que viéssemos a conhecer regiões muito diferentes de Angola. Pela minha parte fiquei a conhecer o rio Zaire e as suas margens angolanas palmo a palmo, todo o território de Cabinda, variadissímas zonas do Norte de Angola, onde fizemos inúmeras operações de intervenção a partir de Luanda e ainda cerca de 700 kms do rio Lungué Bungo (afluente do Zambeze) desde a nascente perto da ex-Silva Porto até à fronteira da Zambia, além de toda a região compreendida entre a ex-Vila Luso e Gago Coutinho.

Também fiquei a conhecer uma boa parte do centro, do Sul e da costa entre Lobito e Luanda por ocasião de umas curtas férias que tive antes de regressar à Metrópole. Enfim, para quem sonhava com Angola desde miúdo não fiquei nada mal servido!

Ao que parece este esquema de utilização dos fuzileiros que esteve em vigor em Angola durante uma série de anos, foi alterado a partir de finais de 1967 tendo-se acabado com o tão salutar princípio da rotatividade a favor da presença muito prolongada (12 a 18 meses) nos mesmos locais com resultados que desconheço mas de cuja eficácia me permito ter as maiores dúvidas.

Um excelente sargento do meu destacamento, o sargento Trigo, que comigo estava a fazer a sua 2ª comissão, regressou em 68 ou 69 ao Lungué Bungo, em nova comissão, onde esteve o tempo suficiente para em actividade lateral e de part-time, se ter dedicado à pecuária.

Com efeito à chegada comprou no kimbo local 3 vacas e um boi e quando acabou a comissão, 24 meses depois, tinha já uma dúzia de cabeças de gado que eram pacatamente apascentadas nas chamas e margens do rio e que vendeu às populações locais por uns bons cobres no momento da partida. Julgo que foi com essas economias e outras que, à chegada à Metrópole montou um pequeno supermercado na Cruz de Pau ou por aí perto.

Para o sargento Trigo foi óptimo o fim da rotatividade mas quanto à eficácia da nossa acção militar tenho as mais sérias reservas.

Não sei se é a chamada “Lei de Murphy” que diz que se alguma coisa pode descambar, então descamba com certeza. Não me admira que tivesse sido essa uma das causas.

No período que estive em Angola vi tanto disparate e insensatez na forma como foi conduzida a nossa acção militar que este caso nem merece a pena ser referido.

Julguei que este meu segundo escrito seria para referir já episódios concretos, mas acabei por divagar sobre o enquadramento da nossa actuação.

Veremos o que sai para a próxima vez.


Vasco Quevedo Pessanha
FZE - 7º CEORN


Fontes:
Arquivo de Marinha; Anuário da Reserva Naval, Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado, Lisboa, 1992; Dicionário de Navios e Efemérides, Adelino Rodrigues da Costa, 2006; Texto do autor do blogue compilado e corrigido a partir do publicado na Revista n.º 7 da AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval, Abr/Set 1998; Fotos de Arquivo do autor do blogue;

mls

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