24 setembro 2019

STEN FZ RN António Piteira • 18.º CFORN - Homenagem em Arraiolos


(Post reformulado a partir de outro já publicado em 5 de Abril de 2015)


Ao camarada STEN FZ RN António Piteira

Homenagem da Classe de Fuzileiros do 18.º CFORN
Arraiolos, 20 de Setembro de 2014






António Bernardino Apolónio Piteira (1947-1973), natural de Arraiolos, único oficial da Reserva Naval morto em combate durante a Guerra de África, foi homenageado pelos seus camaradas que com ele iniciaram a caminhada na Marinha, em 18 de Fevereiro de 1971.

Promovido a Aspirante FZ RN em 13 de Outubro de 1971, após ter frequentado o curso de fuzileiro foi destacado para Angola, onde chegou a 18 de Setembro do ano seguinte, com o posto de STEN, assumindo o comando do 3.º Pelotão da Companhia N.º 1 de Fuzileiros.

Encontrou a morte no dia 2 de Junho de 1973, integrado numa coluna de viaturas do Destacamento do Zambeze em missão de serviço à Lumbala, fruto de uma emboscada inimiga ocorrida na Picada entre Lumbala e Chilombo, a cerca de 10 km desta última localidade.




A jornada de homenagem a este nosso querido camarada iniciou-se com uma sessão solene na Câmara Municipal de Arraiolos, presidida pela respectiva Presidente, Dr.ª Sílvia Pinto.

O nosso camarada, Nuno Santos Pereira, em representação do 18.º CFORN, teceu considerações sobre as razões desta justa iniciativa e o perfil humano do homenageado, agradecendo a prestimosa colaboração da autarquia. Interveio igualmente o Presidente da Assembleia Municipal, amigo e seu companheiro de escola que, de forma encomiástica, teceu rasgados elogios ao seu carácter e humanismo.

Por fim, interveio a Senhora Presidente que enaltecendo a iniciativa em boa hora tomada pela classe de fuzileiros do 18.º CFORN, publicitou que a breve trecho iria estar patente no Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos (CITA) uma exposição alusiva ao nosso camarada Piteira.




De seguida oferecemos à autarquia, na pessoa da sua Presidente, o espólio de Marinha do nosso camarada, em estrutura acrílica, composto por boné, cordão de fuzileiro, galões de subtenente e a sua fotografia sobre base cerâmica.

Seguiu-se uma tocante cerimónia com descerramento de uma lápide junto à placa da rua em seu nome, sita na Ilha do Castelo, evento partilhado por larga fatia da população local que, assim se quis associar e testemunhar o sentido apreço que nutre por uma figura muito querida da sua terra.

Neste enquadramento, tive oportunidade de fazer a seguinte intervenção, em sua memória:

A 18 de Fevereiro deste ano, completaram-se 43 anos da nossa integração no 18.º CFORN e a 2 de Junho passado rememoramos o 41.º aniversário da morte trágica e cobarde do nosso camarada e amigo António Bernardino Apolónio Piteira, em Angola.
É com profunda emoção e inquestionável pesar que pisamos esta terra escura, queimada pelo sol e germinada com o suor que advém do trabalho árduo dos que teimosamente aqui ficam, resistindo ao flagelo da emigração que, do mesmo passo que desenraíza as pessoas, torna mais tristes aqueles que as vêm partir, sem garantia de regresso.
O nosso Piteira era, perante nós, um porta-estandarte do seu Alentejo e, particularmente de Arraiolos. Não apenas pela pronúncia castiça, mas também pelo temperamento e idiossincrasia. O Piteirinha tinha em cada um dos presentes um amigo. O ar tranquilo, a face trigueira donde despontava um constante sorriso sereno, a bonomia do seu comportamento, quase que nos obrigavam a gostar dele. E como dele gostávamos!
Alguém disse que “a memória é o espelho onde observamos os ausentes”. Não é seguramente o caso. O Piteira é o ausente mais presente de todos. Está constantemente no nosso seio, como insofismavelmente o demonstramos ainda no último convívio, onde lhe foi reservado lugar cativo que testemunhará, de forma indelével, a sua “presença” em todas as nossas iniciativas futuras.



Daí que, nada nos apague da memória esses tempos, por isso estamos aqui, na sua terra natal, na sua RUA, a relembrá-lo e a prestar-lhe uma homenagem do coração, simples como evento, mas carregada de significado para todos nós que continuamos a vê-lo, não apenas como camarada, mas essencialmente como AMIGO que o decorrer dos tempos nunca fará esquecer.
Olhemo-nos em redor e observemos como foi substancialmente ultrapassado o quorum que legitima e dignifica esta assembleia. E não necessitamos de ajudas de custo ou senhas de presença para dizermos PRESENTE. O pecúlio arrecadado foi o privilégio de dele termos sido camaradas e amigos. Por isso, repito, estamos aqui. Sem embargo de sacrifícios e constrangimentos. De corpo e alma bem quentes como esta terra bendita, cujo ventre pariu um cidadão exemplar.
Daí que, em uníssono, queiramos honrar a sua memória.
E para terminar, permitam-me uma curta citação do que escrevi aquando da passagem dos 30 anos da sua morte, ou seja há 11 anos:
“A relação que mantive com o Piteira foi sempre muito próxima, quiçá potenciada pela minha extroversão de Homem do Norte que casava muito bem com a calma e fina ironia deste alentejano dos sete costados. Andávamos quase sempre juntos, mesmo nas muitas deslocações a Lisboa para desanuviar e combater o stresse, que acabavam quase sempre em bate-papo futebolístico numa cervejaria do Terreiro do Paço, chamada O Caracol, assim apodada pela fama dos característicos gastrópodes em cuja degustação o Piteirinha me iniciara. Hoje recordo com saudade aqueles momentos únicos antes de tomarmos a Vedeta da meia-noite ou da uma que nos levaria à Escola Naval.
O Piteirinha não era um mero camarada, era um amigo. Raramente levantava a voz ou se zangava, mas quando tal acontecia lá vinha a sua característica expressão: seus maganos!
Foi um privilégio conhecê-lo e usufruir da oportunidade de com ele privar e me tornar amigo. Tinha muita vontade de viver e o destino pregou-lhe uma partida. Este Mundo louco tem destas coisas.
Até sempre camarada e amigo. Um dia vamo-nos encontrar e retomar as nossas conversas estupidamente interrompidas.”

E concluo: Até já, nosso irmão!





Do programa constava ainda uma romagem ao cemitério onde foi depositada uma lápide na sua sepultura, do mesmo passo que se observou um minuto de silêncio. Em seguida, o camarada António Nascimento, que o acompanhou em Angola, fez uma breve dissertação sobre os acontecimentos daquele fatídico dia 2 de Junho de 1973, em que o nosso querido Piteira foi brutalmente morto.

Refira-se ainda que o espólio oferecido, bem como a intervenção feita na rua em seu nome, integram a exposição que, como era expectável, foi aberta ao público a partir de meados de Outubro do ano passado.

É devida ainda uma palavra de apreço à Câmara Municipal de Arraiolos, na pessoa da sua Presidente, pelo apoio, presença e intervenção activa nos diversos eventos constantes da homenagem ao nosso camarada.

Como é costume, seguiu-se um almoço de confraternização no Hotel da Ameira, junto a Montemor-o-Novo, onde reinou a amizade e uma incontida felicidade de podermos, mais uma vez, estar juntos a reviver momentos muito significativos das nossas vidas.

No final da jornada invadiu-nos um sentimento de dever cumprido. A nobreza de carácter do nosso camarada e amigo Piteira clamava por esta iniciativa. Desde os primeiros tempos do seu desaparecimento que pairava no grupo a ideia de uma homenagem na terra que o viu nascer. Ao levarmo-la a cabo, sentimo-nos mais felizes e em paz com as nossas consciências.

Aconteceu num dia de sol radioso, particularmente bonito, que nos fez tê-lo por perto e revivenciar, com redobrada emoção, momentos que a lonjura do tempo nunca apagará das nossas memórias. Um dia que nos tornou mais coesos e solidários. Enfim, um dia que nos ajudou a compreender que estes Encontros, muito para além da confraternização lúdica e fraterna, traduzem um sentimento de missão que o espirito de Marinha ensinou a cultivar.




Adelino Couto
Sóc. Orig. n.º 2382
2.º TEN FZ RN


Nota do Editor da revista "O Desembarque" n.º 20:

Entende-se estranho que nem a Marinha, nem a AORN - Associação dos Oficiais da Reserva Naval, nem a Associação de Fuzileiros (AFZ) tenham sido convidadas a participar, tratando-se do único Oficial da Armada (Fuzileiro e da Reserva Naval) morto em combate na Guerra do Ultramar (1961/74) ou, tendo-o sido (a AFZ não o foi com certeza), não se tivessem feito representar, a bom nível, nesta cerimónia, mais que merecida, ao António Piteira.



Fontes:
Cortesia da AFZ - Associação de Fuzileiros por cedência do artigo publicado na revista publicada "O Desembarque" n.º 20 com adaptação de espaços e fotos;


mls

1 comentário:

Santos Oliveira disse...

Honra e Glória.
Ainda há Portugueses e Camaradas que sentem as vivências da Pátria. Ela existe embora se esqueça demasiadas vezes que ainda tem filhos que a tornam possível.

Santos Oliveira
Guiné 64/66